quinta-feira, 25 de abril de 2013

25 DE ABRIL


 

A ANGÚSTIA

 

Enquanto não começa a cerimónia oficial sobre o “dia inicial inteiro e limpo onde emergimos da noite e do silêncio”, desfilam pelas televisões retalhos de intervenções de Salazar, alusões à PIDE e à censura, à Legião e à Guerra Colonial. A seguir, seráfico e totalmente convencido da sua verdade, num estilo FDL que se mantém até hoje, passa Marcello, pronto a chumbar quem puser em causa a ciência das suas afirmações. Pouco depois vem a brigada do reumático e a as suas juras de fidelidade eterna, antes disso um ou outro episódio do generalíssimo que na Guiné, apaparicado e bajulado por uma infindável coorte de admiradores, vai preparando o seu futuro político numa mistura complexa de demagogia vulgar e de saberes consolidados por uma longa convivência com a extrema-direita. Por fim, bovinamente desconfiado, surge Thomaz na exposição canina, marcando a sua última aparição pública no contexto adequado de uma assistência condizente com o fim do regime.

À distância de quase quatro décadas olho para trás e sinto (não sei se penso, mas sei que sinto) que os de hoje me causam um muito maior incómodo, uma maior angústia e uma quase ausência de alternativas que antes não existiam.

O regime, ora duro e violento, ora protectoramente hipócrita, tentando criar nas pessoas comuns aquele estado de alma que a Irene Pimental tão bem descreve ao caracterizar como ninguém a ditadura salazarista, não tinha legitimidade, nem futuro. E a nossa geração, muito mais que a de quarenta e a de cinquenta, sabia isso perfeitamente. E sabia também que a guerra, apesar de parecer eterna, também não tinha saída.

O futuro, de uma ou de outra forma, mais ano menos ano, seria nosso. O 25 de Abril é um reencontro com uma certeza tantas vezes antecipada que apenas aguardava o tempo certo para poder ser concretizada. Essa a razão por que é feito por gente igual a nós que apenas tinha de diferente as armas que mantinha à sua guarda e que não hesitou em usar no momento certo.

Tudo isto porque então éramos jovens e vivíamos paredes meias com a esperança no futuro como, em princípio, é próprio da juventude? Não, não era por isso. Velhos e novos não havia, no essencial, dúvidas quanto ao que fazer, nem o que fazer logo que a oportunidade surgisse.

Hoje é diferente. Muito diferente. Daí a angústia que indiscutivelmente existe. Não quer isto dizer que o futuro não exista. Existe, só que para lá chegar vai ser necessário destruir muito do passado e simultaneamente construir penosamente o presente de cada dia. E é isso que assusta as pessoas: saberem que a destruição do passado vai necessariamente acarretar, durante um tempo que antecipadamente se não pode demarcar com rigor, um presente que será pior do que aquele que agora existe. Pior, só aparentemente, porque o que agora existe não tem qualquer futuro e só poderá piorar a cada dia que passa. A ilusão de que o actual presente pode ter futuro é o grande inimigo da mudança e é, bem no fundo, a razão da nossa angústia.

Por isso, hoje, mais do que Grândola, Vila Morena, me apetece cantar “Começar de novo…”

6 comentários:

  1. Apesar da minha "provecta" idade, em nome da alegria e da esperança que então vivi, aqui estou ainda pronto para a luta que, sem qualquer dúvida, virá.
    Saudações de Abril

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  2. Apesar da minha "provecta" idade, em nome da alegria e da esperança que então vivi, aqui estou ainda pronto para a luta que, sem qualquer dúvida, virá.
    Saudações de Abril

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  3. Parece-me que saiu uma 'gralha', na frase 'Há distância de quase quatro décadas ...'

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  4. Que vergonha. Já está corrigido...
    Obrigado.

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  5. Não se envergonhe com a gralha na forma. Todos "gralhamos". Em vez disso, regozije-se com o conteúdo.
    Muito bom.
    Abraço.
    JR

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