quinta-feira, 4 de julho de 2013

ANATOMIA DE UMA CRISE


 
CAVACO NO CENTRO DO CIRCO
A presente crise política pode transformar-se numa das mais importantes derrotas da direita ocorridas depois de iniciada a contra-revolução neoliberal nos anos oitenta do século passado, se o povo português tiver a coragem e a determinação suficientes para pôr em marcha um processo que interrompa as políticas de austeridade e para impor uma política de crescimento que aposte na produção nacional e na profunda diversificação das relações económicas portuguesas.
A política que estava a ser posta em prática em Portugal desde há dois anos representava uma experiência pioneira de desmantelamento do modelo social existente nos países da Europa ocidental, com apreciáveis diferenças entre eles, é certo, mas também com muitos pontos de contacto, nomeadamente no plano da afirmação de princípios que se julgavam adquiridos como verdadeiras conquistas civilizacionais.
O Governo ainda em funções teve aparentemente tudo pelo seu lado para concluir com êxito esta ingente tarefa apadrinhada pelo grande capital nacional e internacional e monitorizada impositivamente pelas instituições europeias e internacionais que o representam e cujos interesses defendem tanto mais ameaçadoramente quanto mais fraco é o alvo dos seus ataques. 
Mas não só no plano internacional o Governo contava com o apoio inequívoco de todos aqueles que olhavam para Portugal como o país ideal para pôr em prática essa experiência radical. Também internamente, no plano institucional, o Governo contou com o apoio activo e empenhado do Presidente da República, que nunca teve qualquer problema em negar com a sua prática política o juramento constitucional que proferiu perante os portugueses, contou também com a passividade do Partido Socialista, muito traumatizado pela governação Sócrates tentando expiar os “pecados” do passado com a sua quase permanente abstenção perante os actos do Governo tendentes à concretização daquele objectivo e contou ainda com a acção permanente de uma enorme matilha de comentadores que diariamente ia fazendo a cabeça dos portugueses levando-os a acreditar que as políticas em curso se destinavam a salvar os seus empregos, os seus salários e as suas reformas.
O êxito desta política era, e continua ser, internacionalmente proclamado e aplaudido pelos representantes do grande capital que insistentemente incitavam o Governo a continuá-la, solicitando-lhe, por cada passo dado e conquistado, a imposição de novas medidas que tornassem realmente irreversíveis “as reformas” que vinham sendo adoptadas. Apesar de todos este apoios e do coro de elogios de que os media se faziam eco, a realidade ia desmentindo diariamente aqueles propósitos e confirmando a caminhada imparável para a concretização de uma política radical cada vez mais empenhada na destruição dos direitos sociais e na liquidação das conquistas laborais acumuladas ao longo de mais de um século de lutas contra o capital.
A política do Governo, assente na mentira e na dissimulação dos objectivos que de facto pretendia atingir, começou a claudicar quando o povo português se foi consciencializando que os objectivos (redução do défice e da dívida) em nome dos quais lhe eram exigidos os sacrifícios não só não estavam sendo alcançados como, pelo contrário, se agravavam a cada trimestre e, acima de tudo, compreendido também que aquela política, numa espiral imparável, lhe roubava direitos, lhe destruía o emprego e lhe ameaçava seriamente as reformas.
Chegados a este ponto, não obstante os aplausos do exterior, não obstante o incondicional apoio de Cavaco, completamente colado ao Governo, a coligação, por óbvias razões eleitorais, começou a perder coesão e passou a ser cada vez mais evidente a tentativa de o CDS se demarcar publicamente das medidas mais gravosas que no seio do governo apoiava ou deixava passar
É este estado de espírito da população, exuberantemente demonstrado nas múltiplas manifestações de luta ocorridas nos últimos nove meses, que levou o todo-poderoso Ministro das Finanças a demitir-se e a reconhecer publicamente a falência de uma política que ainda ontem se não cansava de elogiar. Falência que não representa, todavia, reconhecimento de qualquer erro ou auto-crítica pela acção desenvolvida, mas simples impossibilidade prática de levar a cabo o projecto em que se empenhou.
Passos Coelho, fanático neoliberal, inebriado e obscurecido pelo apoio que externamente lhe é dispensado pelos representantes dos credores e do grande capital, não tendo percebido o que realmente se está a passar, substituiu Gaspar por uma subalterna do ex-ministro que tem como única a particularidade de realce a irmanação com o Primeiro Ministro no fanatismo neoliberal e a incapacidade, tal como ele, de reconhecer a falência de um projecto por completa rejeição dos seus destinatários.
Portas, acusado por Gaspar de minar a coesão governamental, posto perante este passo arriscado da coligação, temendo eleitoralmente as inevitáveis consequências que resultarão desta afronta do Primeiro Ministro ao povo português e vendo neste gesto do PM uma excelente oportunidade para reforçar o seu poder na coligação, numa típica manifestação de homem de direita que voga acima e por cima do seu partido, resolveu demitir-se irrevogavelmente duas horas antes de a nova ministra das Finanças tomar posse.
Cavaco, herdeiro de uma formação salazarenta de que, por incultura e limitada capacidade intelectual, nunca conseguiu libertar-se, acolheu favoravelmente as propostas de Coelho, incitando-o a renegociar com Portas. Entendendo a estabilidade política como a simples manutenção em funções do governo, exerça ele ou não as funções que lhe competem, desestabilize ele ou não as respectivas áreas sociais em que políticamente intervem, sentindo as eleições como uma aberração a que só por imposição da moda dos tempos que correm se não pode furtar, Cavaco recusa-se a ouvir a voz do povo fora dos prazos em que por obrigação constitucional não pode deixar de o fazer e, num espectáculo caricato, dá posse a uma ministra que o parceiro de coligação publicamente rejeita.
A manobra de Portas é uma manobra arriscada. Conhecedor profundo dos meandros da direita e das razões que a movem, Portas sabe bem que o que a direita menos deseja é ser apeada do poder. E é esse objectivo que ele igualmente tem em vista: reforçar o seu poder no Governo. A uma manobra de alto risco terá de corresponder um ganho substancial de poder. Do poder que está ao alcance da sua mão e não do que resulta da vontade do povo português…. que ele nunca teve em mente auscultar.
Não menosprezando as divergências de projecto dentro da príopria direita, o que neste momento está em causa tanto por parte de Cavaco como por parte de Coelho e de Portas é a conservação do poder, posto que distribuído de modo diferente entre os seus actuais titulares. O que agora os une é a vontade comum de fecharem a porta a uma qualquer hipótese que possa fazer o poder mudar de mãos. Por isso, não seria nada surpreendente que de novo voltassem a entender-se, os três, com Cavaco como grande mandarim da direita.
Está nas mãos dos portugueses barrar o caminho a esta manobra. Como? Fazendo o mesmo que os egípcios, os brasileiros, os turcos e todos aqueles que não deixam em mãos alheias a defesa dos seus direitos.

5 comentários:

  1. Procuro, muitas vezes, por "outros lados", visões e sensibilidades para aferir as "minhas"...

    No essencial subscrevo, e sinto-me mais forte!

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  2. Muito bom texto, parabéns! Já agora deixo link para um artigo muito em sintonia com o que escreveu
    http://5dias.wordpress.com/2013/07/05/crise-politica-alguns-pontos-nos-iis/

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  3. Após leitura atenta, fico dveras satisfeito por ainda haver, perante a caótica situção do País e da Sociedade Portuguesa, Cidadãos,com este discernimento e visão conjuntural do que deverá ser o procedimento do Povo, se bem que esse mesmo Povo se encontre encurralado e com medo do futuro, nunca deverá ceder nos seus propósitos em prol do beneficio futuro dos seus descendentes. Parabéns pela chamada de atenção ao Nosso POVO. Unamo-nos e saibamos dar a resposta conveniente nas ruas, em democracia. António Campos

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  4. Na verdade não podemos mudar de povo
    e o povo ainda não discerniu que pode tudo

    Ainda.

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