A CRISE DA SOCIAL
DEMOCRACIA
A noite eleitoral de domingo passado começou com uma fantasiosa
declaração de Francisco Assis, cabeça de lista do PS ao Parlamento Europeu,
sobre os resultados eleitorais. Mais do que a incapacidade interpretativa de
simples dados aritméticos o que a declaração de Assis verdadeiramente significa
é a sua incapacidade para compreender o que realmente se está a passar relativamente
à Europa tanto na sociedade portuguesa como na europeia, em geral, com especial
destaque para o eleitorado dos países em crise.
Já a declaração de Seguro, cerca de duas horas mais tarde,
proferida numa altura em que os dados oficiais já eram conhecidos nos seus
contornos essenciais e a sua interpretação não deixava lugar a dúvidas, deve
ser entendida como uma mensagem de tranquilidade dirigida ao aparelho do PS:
“Ganhamos e daqui ninguém nos vai tirar”.
Qualquer que seja o futuro próximo da conjuntura política
portuguesa – desagregação da coligação no poder em consequência da redução do
CDS à mínima expressão eleitoral; substituição de Seguro na chefia do PS (possível
mas pouco provável), eleições antecipadas ou não -, o que se perfila no
horizonte político é uma coligação do PS com as forças europeístas da direita e
do centro direita com vista a garantir a “estabilidade da governação” em
Portugal, esteja quem estiver à frente do partido.
Por mais que no PS se comece a discutir os resultados
eleitorais e se acentue a sensação de que, afinal, não houve qualquer vitória,
o futuro do partido – e o mesmo acontece ou vai acontecer na Europa aos
partidos congéneres – é uma acentuada viragem à direita destinada a garantir o
cumprimento do Tratado Orçamental, acabando esta estratégia por contribuir para
a completa descaracterização dos partidos sociais-democratas ou até mesmo, em
alguns casos, para a sua extinção, e porventura para a desagregação da própria
Europa que jamais poderá subsistir num clima de crescente desigualdade na
distribuição dos rendimentos quer entre os países que a compõem quer no
interior de cada país.
No PS português os dados estão lançados e são perfeitamente
compreensíveis por qualquer observador minimamente atento. As traves mestras da
estratégia do PS assentam numa retórica impossível de levar à prática pelos
seus próprios meios. De facto, apontar para a Europa que hoje existe como
factor de transformação da política portuguesa constitui uma mistificação em
que nem o mais ingénuo dos portugueses pode acreditar. Hoje, toda a gente sabe
isso, não há qualquer hipótese de pôr em prática no plano europeu uma política
conjunturalmente diferente da que vem sendo seguida desde Maastricht e que se
consolidou com os tratados e acordos intergovernamentais subsequentes. Na União
Europeia tudo o que é importante está “constitucionalizado”. E as forças
dominantes da Europa, integrem-se elas nos partidos sociais-democratas ou
conservadores, estão em completa sintonia com as bases fundamentais dessa
política, procurando apenas algumas delas no puro plano retórico sugerir a
ideia de que é possível limar algumas das arestas mais agrestes dessa política
sem pôr em causa o edifício que as suporta.
Pura fantasia! Em Portugal está à vista o que vai acontecer.
O PS, se Seguro permanecer à frente do partido, vai continuar a fazer uma
política semelhante à que foi feita nestes últimos três anos, porventura com
mais radicalismo verbal, mas sem questionar nada do que é verdadeiramente
essencial. O mais provável – mas não certo – é quer ganhe as eleições
legislativas por escassa margem e acabe por fazer com o PSD, muito
provavelmente o PSD de Passos Coelho, uma coligação governamental com as
consequência acima assinaladas. A outra hipótese, pouco provável, é que Costa
(principalmente depois de saber que Guterres é hipótese para as presidenciais)
ou César assumam a chefia do partido e tentem liderar um bloco social
constituído pelas forças representativas do “Manifesto dos 74” com vista a alcançar
uma maioria absoluta nas legislativas de 2015 que os dispense de uma aliança
ostensiva com o PSD. Mas também neste caso o PS caminhará inexoravelmente para
um destino idêntico ao do PS francês ou do PASOK já que as políticas que será
obrigado a pôr em prática rapidamente conduzirão à desagregação desse “bloco” e
à própria desagregação do Governo.
Sem pôr em causa os actuais fundamentos da União Europeia – e
pôr em causa significa romper, se necessário – os partidos socialistas e
sociais-democratas da Europa não têm qualquer futuro como partidos de esquerda.
O seu futuro será o de servirem de muleta às políticas “constitucionalizadas”
pela União Europeia que são políticas – é bom não esquecê-lo – cujas bases fundamentais
foram institucionalizadas por esses mesmos partidos do mesmo modo que nos
Estados Unidos essas mesmas políticas tiveram um impulso decisivo sob a
governação Clinton.
Em conclusão, a crise da social-democracia não é de agora nem
pode já ser evitada sem profundas rupturas que nenhum desses partidos hoje
defende. Ela resulta da destruição do “Pacto Social” e do papel desempenhado
nessa destruição, desde há trinta anos e mais acentuadamente desde a década de
noventa do século passado, pelos próprios partidos socialistas, trabalhistas e
sociais-democratas, que com a sua actuação abriram as portas às políticas hoje
vigentes em todos os países capitalistas desenvolvidos. A profunda desigualdade
hoje existente nas sociedades ocidentais economicamente desenvolvidas é a
consequência evidente da destruição daquele “Pacto” laboriosamente construído
entre a Grande Depressão, mais abrangentemente depois da II Guerra Mundial, e o
primeiro choque petrolífero. E a destruição desse pacto social, no qual as
forças “socialistas” colaboram, alicerça-se na expulsão da democracia de amplos domínios da vida
política, nomeadamente na maior parte das matérias de natureza
económico-financeira, bem como daquelas em que estas mais intensamente se
repercutem, como a saúde, o ensino e a segurança social.
Portanto, e em conclusão, a “vitória” do PS (31,45%) nas
eleições de domingo passado não constitui uma fragilidade de Seguro da mesma
forma que os resultados eleitorais dos partidos socialistas francês, espanhol e
grego não representam uma fragilidade de quem os lidera, mas eles são antes
antes o resultado da interiorização que por toda a Europa os eleitores
sociais-democratas fazem hoje dos partidos que os representam, ou seja, de
partidos que claudicaram na defesa desses interesses para abertamente se
colocarem ao lado dos interesses do grande capital, nomeadamente do capital financeiro,
com base na desculpa mil vezes repetida de que não há alternativa viável às politicas
dominantes. Por outras palavras, o resultado eleitoral do PS mais não é do que
antevisão da sanção, ainda mais contundente, que o eleitorado lhe irá infligir
quando as suas políticas começarem efectivamente a ser postas em prática.
Provavelmente tem toda a razão quanto aos eventuais episódios "directivos" no PS: na realidade, uma mudança A. Seguro/A. Costa não passará fundamentalmente de uma diligente operação de marketing dirigida a capturar os 74 e passar como diversa uma mensagem igual na sua essência.
ResponderEliminarMas talvez as desigualdades crescentes e gritantes e a emergência do nacionalismo de extrema-direita (e não só: há menos de um mês ouvi em Bordéus a um jovem francês PS dizer "nós não temos medo dos alemães"), façam perceber e interiorizar caminhos de ruptura com a ordem instituída.
Mas esta possível - mas improvável - dinâmica não tira nem põe: concordo inteiramente com a sua análise.
mandei uma mensagem ao seguro exigindo que se tem honra se demita e deixe o ps organizar-se e mandei outra ao shulz para ele o pressionar nesse sentido
ResponderEliminarmandei uma mensagem ao seguro exigindo que se tem honra se demita e deixe o ps organizar-se e mandei outra ao shulz para ele o pressionar nesse sentido
ResponderEliminarUm preclaro texto.
ResponderEliminarMais tarde ou mais cedo as fissuras irreparáveis acabarão por fazer ruir este edifício.
Estes edifícios...
De
Provável mente
ResponderEliminaras chamadas diferenças se confundem
"Sem pôr em causa os actuais fundamentos da União Europeia – e pôr em causa significa romper, se necessário – os partidos socialistas e sociais-democratas da Europa não têm qualquer futuro como partidos de esquerda."
ResponderEliminarEsta é a verdadeira conclusão que determinará o que se irá passar (julgo eu)nos tempos mais próximos, até porque os fundamentos (e causas) da crise,não tendo sido atacadas, podem introduzir factores (muito prováveis) que nesta sua análise não foram ponderados...