sábado, 2 de agosto de 2014

A RECAPITALIZAÇÃO DO BES E O “REGULADOR”



 
QUEM PAGA É SEMPRE O MESMO
 

A propósito da responsabilidade do Banco de Portugal na actual situação do BES tem-se assistido a uma interessante, porém inócua, troca de opiniões (quase acusações) entre os representantes dos partidos do “arco da governação”, ou seja, entre os responsáveis pelo estado a que o país chegou.

À direita, o CDS, para marcar a diferença relativamente a Constâncio, considera excelente a actuação de Carlos Costa. Não somente, dizem, impediu que Salgado continuasse o no Banco ou lá colocasse gente sua, como acabou por retirar à “família Espírito Santo” o direito de voto sobre o futuro da Banco. Lobo Xavier vai mesmo ao ponto de dizer que hoje a regulação é apertadíssima, que os bancos estão sujeitos a controlos que antes nunca tiveram, mas que o regulador, qualquer que ele seja, “pouco ou nada pode fazer contra o banditismo” (sic).

Já o PS, principalmente pela voz de António Costa, mas também pela de Seguro (que até se considerou engado por Carlos Costa) culpa o Governador por ter agido tarde e a más horas, de ter gerido a crise ao sabor dos acontecimentos e, em suma, de ter contemporizado com situações cujo desfecho era desde há muito óbvio, não podendo, por isso, isentar-se da responsabilidade decorrente do colapso do BES.

O PSD, ou seja o Governo, está numa situação mais delicada porque assentou a sua estratégia relativamente ao BES/GES na acção de Carlos Costa, em quem confiou cegamente num misto de irresponsabilidade e de transferência de responsabilidades, como quem pretende alijar uma carga que lhe parecia demasiado pesada. Claro que a partir de agora, depois do que se avizinha para as próximas horas, Passos Coelho vai ter de conviver com o que ele e Maria Luís andaram a dizer sobre o papel do Estado relativamente ao Banco Espírito Santo e suas implicações no respectivo grupo. Dir-se-á que esse é o lado para o qual Passos Coelho “dorme melhor” por outra coisa não ter ele andado a fazer desde que iniciou as funções governativas: desdizer hoje o que prometeu ontem.

Desta vez, porém, será diferente: Depois de quatro anos de pesada austeridade e de ameaça de mais uns quantos, depois do que já se passou não apenas com o BPN e o BPP, mas também com o BANIF, o BCP e o BPI, a falência do BES e o seu regate pelo Estado à custa do contribuinte (digam eles o que disserem é isso o que vai acontecer se o Estado intervier, qualquer que seja o meio), pelos montantes que envolve e pela repercussão que tudo isso acabará por ter na economia nacional, constituirão um profundo golpe que o país não está em condições de suportar por mais que o Governo atenue com palavras mansas o que se prepara para fazer. Haverá a partir daqui um antes e um depois e nunca mais nada será como dantes. As consequências serão imprevisíveis mas não será ousado afirmar que é o próprio regime político que acabará por ser posto em causa pelo colapso e consequente resgate do BES.

Por isso, se outras razões não houvesse – e há – esta conversa à volta do regulador, do seu papel ou da sua responsabilidade, só pode interpretar-se como uma conversa destinada a tentar escamotear o essencial.

O regulador é escolhido directamente pelo capital financeiro ou pelos seus representantes. Seria impensável a nomeação de um ”regulador” que não gozasse da confiança dos bancos. Ele desempenha as suas funções no interesse do capital financeiro que neste preciso momento histórico, de crise e de concentração desse mesmo capital, também se confunde, principalmente nos países mais directamente afectados pela crise, com a luta pela sua sobrevivência.

Carlos Costa igual a Constâncio e Constâncio igual a Carlos Costa, ambos respondem pela defesa do mesmo interesse e perante o mesmo senhor, estejam eles partidariamente mais perto de um ou de outro partido do “arco da governação”, tudo isso é indiferente.
A introdução da figura do “regulador” nas áreas de concentração do grande capital, seja ele financeiro ou não, com o “estatuto de independente e equidistante dos interesses em presença” visa, com base no encobrimento do seu verdadeiro papel facilitado pela falsificação ideológica, expulsar o Estado das áreas onde deveria estar.

Falar em regulador equidistante significa colocar o interesse público (representado pelo Estado) teoricamente no mesmo plano do interesse privado, no caso, do interesse de muito poucos e praticamente subordinar os interesses da comunidade, que o Estado tem por missão representar e defender, ao interesse de uns poucos, às vezes apenas de um.

No caso do capital financeiro, já que é desse que estamos a tratar, o afastamento do Estado do papel fundamental e soberano que inequivocamente lhe deve caber, já vem de muito mais de trás, do tempo em que, por força do papel desempenhado pela ideologia, o neoliberalismo conseguiu alterar profundamente a natureza do banco central que, de banco dependente do Estado e ao serviço da sua política, desde logo a monetária e a de crédito, mas não só, também a do crescimento económico e do emprego, passou a ser uma entidade independente, ou seja, pseudo independente prioritariamente ao serviço do capital financeiro.

A crise da dívida na União Europeia, principalmente na zona euro, e a crise financeira que lhe está intimamente associada demonstram, sem margem para qualquer dúvida, que o interesse prevalecente na “gestão” da crise, tanto na América como na Europa, foi o interesse do capital financeiro e o interesse sacrificado foi o dos contribuintes, quase exclusivamente representado pelos rendimentos do trabalho.

Portanto, o problema não está neste ou naquele regulador. O problema está no “regulador” e no afastamento do Estado de funções que só ele deveria desempenhar.

8 comentários:

  1. Será fazer teoria da conspiração suspeitar-se de que a nomeação do governador de um banco central da eurozona não fica completamente independente do BCE, como uma cooptaçao pelos pares (uns mais pares do que outros)?

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  2. https://www.youtube.com/watch?v=eLyfeo9iGgM

    Abraço
    Francisco Oneto

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  3. Com regulador ou sem regulador, o POVO é que sofrerá as bem pesadas consequências.
    E o País a afundar-se cada vez mais.

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  4. Não percebi nada da pergunta do habitualmente bem claro João Vasconcelos Costa. Que aliás devia escrever mais vezes lá no moleskine dele.

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  5. CC=VC=OQ (outro qualquer)
    Porque não podia deixar de ser!

    Por definição, os banqueiros nem estão acima nem abaixo do Poder: fazem parte dele!

    Se, por exemplo, o V. Contâncio, numa de D.Qixote, tivesse feito frente ao Bando do BPN teria sido ele o irradiado não só pela acção do bando mas também do Partido a que pertencia e que com aqueles forma uma vasta, por vezes difusa coligação, mas que tem um centro de gravidade bem conhecido, portanto, eu já não quero saber do que faz o devia ter feito o "Regulador", faz o que lhe compete (com mais ou menos habilidade) no papel que o Sistema lhe confere. O que eu sei é quem ganha e quem perde. As artimahnas jurídicas e contabilísticas pouco me interessam, são apenas metralha para a cáfila de avençados se entreter nos jornais e televisões a dizer que o buraco do BES (como outros) se vai pagar sem que ninguém tenha com isso qq custo rebéubéubéu... rebéubéubéu.
    lg

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  6. "O regulador é escolhido directamente pelo capital financeiro ou pelos seus representantes. Seria impensável a nomeação de um ”regulador” que não gozasse da confiança dos bancos."

    Isso!

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  7. Ao Rogério vp Pereira:
    Concordo com a ideia mas não como é expressa.
    O dito Regulador, na medida em decide ou co-decide em questões centrais do Poder tem que emanar desse mesmo Poder. Agora se o núcleo central do poder nesnte momento histórico é ocupado pelo capital financeiro isso é um detalhe, digamos assim, circusntancial.

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  8. Se o regulador emana do capital financeiro isso é um de detalhe? Não, o regulador emana do poder que o criou. Se o Estado exercesse as funções de que foi expulso o regulador não existiria. Enfim, tudo isso está explicado no texto. Noutro contexto a figura do regulador poderá vir a ser adequadamente desenvolvido se vier a propósito

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