E UMA CERTEZA
Foi dada como notícia da noite a intimação do BCE
(Banco Central Europeu), no dia 1 de Agosto (sexta-feira), ao BES (Banco
Espírito Santo) para pagar 10 mil milhões, devidos ao Euro-sistema,
até ao fecho das operações do dia 4 de Agosto (segunda-feira) e simultaneamente
imputada a esta exigência do BCE a liquidação do BES nos termos que agora
começam a ser conhecidos nos seus contornos essenciais. Uma notícia, diga-se, que aqui no
Politeia já tinha sido adiantada na noite da passada sexta-feira por recurso às
fontes então identificadas.
E é com base nela que se passou a dizer que foi por pressão do BCE que o Banco de
Portugal se viu obrigado a actuar como actuou.
Não obstante a perfídia de Bruxelas, esta tese não parece
sustentável. Sendo o Banco de Portugal governado por quem é – um homem do
capital financeiro muito próximo do BCE – e sendo o Governo português um “aluno
exemplar” de tudo o que de mais reprovável se congemina em Bruxelas, não é crível
que aquela intimação do BCE tenha ocorrido sem prévia concertação com o Banco
de Portugal.
A situação do BES estava a degradar-se dia após dia, hora após
hora. Os meios que o Banco de Portugal, entidade na qual o Governo delegou a
resolução do caso BES e por detrás do qual se tentou esconder politicamente,
tinha à mão para tentar estancar a falência do BES estavam esgotados e todos os
que foram usados tinham falhado se é que não agravaram a situação. Por outro
lado, o Governo, escudando-se em Carlos Costa, foi demagogicamente adiantando que,
acontecesse o que acontecesse, os contribuintes não seriam chamados a pagar o
resgate do BES, o que estreitava ainda mais as soluções do Banco de Portugal.
É, portanto, crível que, neste contexto, Carlos Costa tenha
acordado com o BCE um modo de apresentação das coisas que lhe permitisse actuar
rapidamente, estancando os aspectos mais visíveis da degradação do BES e, simultaneamente,
salvasse (formalmente) a face do Governo.
A reclamação do crédito do Euro-sistema em jeito de ultimato era
o meio adequado para matar vários coelhos com uma cajadada. Por um lado,
obrigava o Governo a pôr imediatamente em vigor a directiva comunitária – 2014/59/EU
do Parlamento Europeu e do Conselho – mediante a sua transposição parcial através
do DL n.º 114 –A/2014 que alterou o regime Geral das Instituições de Crédito e
Sociedades Financeiras e, por outro, permitia ao Banco de Portugal resolver o
problema do BES de acordo com o novo regime comunitário, de cuja aplicação
Portugal se tornou pioneiro e, simultaneamente,
cobaia na Europa.
Não há dados disponíveis que permitam dizer que foi assim que
as coisas se passaram. Mas é muito grande a probabilidade de assim ter sido.
Segunda questão: percebe-se pelo desenrolar dos
acontecimentos que nem tudo se passou entre sexta-feira, 1 de Agosto, e
segunda-feira, 4 de Agosto, embora tenha sido nesse espaço de tempo que os
trabalhos se ultimaram. Tudo, seguramente, começou um pouco antes, já que até houve
tempo para aconselhar certos investidores amigos a, em boa hora, se desfazerem
das acções…Mas não houve tempo para tratar de tudo com o rigor exigido. E é a
propósito dessa falta de tempo que se levanta a segunda dúvida: não será o DL
n.º 114 –A/2014 organicamente inconstitucional?
Que este Decreto-Lei é materialmente inconstitucional ou que,
pelo menos, a aplicação que dele foi feita enferma de inconstitucionalidades
materiais parece já ser hoje a opinião de muita gente. Só que, além desses
vícios, surge também a dúvida sobre a sua constitucionalidade orgânica.
Muito sucintamente: o Regime Geral das Instituições de
Crédito e Sociedades Financeiras foi aprovado pelo DL n.º 298/92 de 31 de Dezembro
ao abrigo de uma autorização legislativa (Lei n.º 9/92 de 3 de Julho). Por sua
vez o Decreto-Lei n.º 31- A/2012 de 10 de Fevereiro, que altera
substancialmente o regime introduzido pelo DL n.º 298/92, foi igualmente
aprovado ao abrigo de uma autorização legislativa (Lei n.º 58/2011 de 28 de
Novembro).
Parece, portanto, à primeira vista que sendo as alterações
introduzidas pelo DL n.º 114 –A/2014 ainda mais gravosas, sob aspectos que não
adianta agora enumerar, que os dois diplomas anteriores (DL 298/92 e DL 31 –A/2012),
relativos à regulamentação do mesmo regime jurídico, é muitíssimo provável que as
alterações por ele introduzidas careçam de autorização legislativa.
Não vou estudar o assunto, obviamente, mas deixo a dúvida
para quem estiver interessado em explorá-la.
Finalmente, uma certeza: só por ingenuidade ou tentativa de
salvar o que não tem salvação possível se poderá dizer, relativamente ao sistema
financeiro e a outros domínios em que impera o neoliberalismo, que há em
Portugal, ou que parece haver, sectores fora de controlo que nós não conhecemos.
Podemos não conhecer os factos em concreto, mas qualquer pessoa minimamente
atenta e previdente, que não esteja empenhada em ver a regra como excepção,
sabe perfeitamente ou tem obrigação de saber que tudo o que se relaciona com o
grande capital (à nossa dimensão) está fora de controlo por força das políticas
e dos respectivos regimes jurídicos criados ou apoiados pelo “arco da
governação”.
O BES não é uma excepção, nem um acto de banditagem, como agora dizem
alguns que nesse ou noutros sectores se dedicam ao mesmo ofício. O BES, o BPN, o BPP, o BANIF, o BCP, entre muitos outros por esse mundo fora, fazem parte da regra.
Se o novo banco pagou 3.500 milhões ao BdP (até agora bem escondidinhos de todos nós) e só recebeu 3.900 do tal fundo milagroso, como estarão os tais rácios que garantem aprovação nos testes? Será que este novo banco vai "envelhecer" mais rapidamente que o velho banco?
ResponderEliminarE já não falo dos 10.000 milhões que terá de devolver ao BCE e que têm o aval do BdP...