quinta-feira, 6 de novembro de 2014

AINDA SOBRE TIMOR LESTE



DUAS FORMAS DE ANALISAR O CONFLITO

 

Com o passar dos dias e o conhecimento dos factos, o conflito gerado pela decisão de Timor Leste de expulsar os magistrados portugueses está a passar gradualmente de um conflito diplomático entre Estados originado na prática de um acto inamistoso e inesperado, para um conflito de natureza sócio-política, em que intervêm considerações corporativas, baseado em factores de valoração ético-política de vocação pretensamente universal.

Esta metamorfose, além de ser a que mais convém ao Governo Português, é também aquela que menor legitimidade pode colher junto daqueles que consideram a soberania como um dos valores supremos das relações entre Estados e por extensão do Direito Internacional.  

É a que mais convém ao Governo português porque com esta nova configuração do conflito (que adiante explicitaremos mais em pormenor) ele pode apresentar-se com vítima inesperada e indefesa de uma grave violação dos princípios ético-jurídicos que “universalmente governam o mundo”. Ninguém indagará por que razão um acto tão inamistoso e peremptório foi praticado de forma tão ostensiva e unilateral contra o Estado Português, já que todos virarão o seu olhar acusador para o violador dos tais “princípios universalmente aceites”.

Por outro lado, esta transformação da natureza do conflito fá-lo perder legitimidade perante todos os defensores da soberania.

De facto, desde ontem passou a correr na imprensa portuguesa a “verdadeira” justificação para a expulsão ordenada pelas autoridades timorenses – os magistrados portugueses estavam a investigar casos suspeitos de corrupção envolvendo um ou vários ministros do Governo de Timor Leste de cuja investigação poderia resultar a prisão dos implicados. Para evitar esta eventual ou provável consequência, as autoridades timorenses cortaram o mal pela raiz: expulsaram os magistrados estrangeiros e entregaram o processo ou os processos a magistrados timorenses para (subentende-se) os arquivarem.

A questão posta nestes termos ganha uma nova dimensão e adquire uma nova natureza.

Ganha uma nova dimensão porque ela vai muito para além do que sobre o assunto possa pensar ou defender o Estado português, para passar a compreender também o que pensam sobre o assunto os magistrados portugueses e os seus órgãos hierárquicos e representativos, eventualmente os magistrados de outros países, e também todos os cidadãos e os media em geral que legitimamente se sentem no direito de opinar sobre o que se passa noutros países.

Adquire uma nova natureza porque de acto inamistoso e inesperado para com um Estado, ela passa a ser encarada como uma violação grosseira de “princípios universais” sobre cuja qualificação todos os que contra ela se manifestam se sentem legitimados para a afirmar com base na natureza absoluta dos “valores” alegadamente violados ou ofendidos.

E aqui é que bate o ponto. Esta nova maneira de encarar o problema pode ser da maior importância para os timorenses ou mais incisivamente para o povo de Timor Leste. Mas é também uma questão que têm de ser eles a resolver. E sobre a qual a interferência dos outros Estados assume a natureza de ingerência. Daí que o Governo de Timor Leste, com base em razões e em factos que apenas ao povo de Timor compete controlar, se sinta legitimado para interferir no exercício da justiça desempenhada por estrangeiros (embora constitucionalmente legitimados, presume-se…) num domínio politicamente muito sensível, interna e internacionalmente, por entender que os magistrados a cargo de quem o processo estava não têm, pela sua nacionalidade, o conhecimento suficiente nem a sensibilidade necessária do contexto sócio-cultural em que estão a actuar.

1 comentário:

  1. " ..os magistrados.. não têm, pela sua nacionalidade, o conhecimento suficiente nem a sensibilidade necessária do contexto sócio-cultural em que estão a actuar."
    Tão eufemístico para quê?
    Eu não sendo entendido nestas "artes" não me inibo de ter opinião sobre a questão, ou, melhor, sobre o que dela sei.
    Ainda há pouco na TV alguém (P. Bacelar) dizia simplesmente que os juízes estarngeiros não deveriam julgar em Timor porque, além do mais, estariam sempre na contingência de julgar e, eventualmente, condenar, representantes de Orgãos de soberania Timorenses. A mim isto afigura-se-me sensato, é a minha opinão! Agora pergunta-se porque é que esta "incompatibilidade" não foi reconhecida à partida?
    Quanto ao que se terá passado, está de facto a criar-se uma atmosfera com uma leitura simples ou simplista: os governantes de Timor não querem ser escrutinados...

    Não gostei da exuberância/incontinência verbal de uma senhora magistrada à chegada ao aeroporto!!!
    lg

    ResponderEliminar