quarta-feira, 11 de março de 2015

NO ANIVERSÁRIO DO 11 DE MARÇO


 

A PROPÓSITO DE UM ARTIGO DO EXPRESSO



 

Tomei agora conhecimento de um artigo publicado na Revista do Expresso sobre um putativo projecto de decreto-lei que visava criminalizar todos os que tinham colaborado com o regime fascista (pides, políticos e vários outros). Há dias um amigo meu disse-me que o jornalista que publicou esse artigo “estava a investigar” o assunto e quereria falar comigo para me perguntar o que é que eu conhecia sobre ele. Como logo disse a esse meu amigo que nunca tinha ouvido falar em tal coisa e muito menos visto tal documento, o jornalista deve ter-se desinteressado do meu depoimento e não me contactou.

Depois de ter lido o que foi publicado, acho interessante dizer o seguinte: o dito jornalista não sabe donde provém o dito papel nem onde foi discutido, mas sabe que esse dito papel estaria guardado numa gaveta do advogado José Manuel Galvão Telles que agora o terá dado a conhecer. E ter-lhe-ia lá chegado pela mão de Vítor Alves, ou melhor, do Gabinete de Vítor Alves (Maria João Seixas, sua adjunta) que todavia também não sabe quem lho enviou.

Não há uma única pessoa quer do Gabinete de Vasco Gonçalves quer das que tinham assento no Conselho de Ministros (ministros e Secretários de Estado) que alguma vez tenha tratado do assunto nessa sede. O mesmo se diga do Conselho da Revolução.

Das pessoas ouvidas sobre o assunto, há as que tiveram acesso ao documento (Galvão Telles, Sousa Brito) e as que opinam sobre ele sem nunca o terem visto e sem nunca terem ouvido falar dele na época em que supostamente existiu.

Fala-se também no dito artigo de umas prisões, por sabotagem económica, de alguns empresários de segunda linha muito próximos do fascismo. Vasco Vieira de Almeida conta uma história que não está em condições de provar e que a mim, que conhecia bem o meio, me parece muito puco verosímil ter-se passado nos termos narrados. Outros falam dessas prisões com a hipocrisia típica de quem descontextualiza os factos e os comenta como se estivessem a ocorrer hoje, numa situação “politicamente normalizada”.

Enfim, é a História a reescrever-se todos os dias à luz do presente. Pior do que isso: é a história e o jornalismo a fazer-se segundo os padrões éticos de um qualquer “rui santos” que disserta sobre qualquer tema ou intriga com base em sucessivos processos de intenções completamente à revelia de qualquer facto susceptível de suportar as conclusões a que se pretende chegar ou indiciar.

Mas sobre o dito documento, importa ainda dizer o seguinte: muita, muita gente considerou que Revolução se desprotegeu ao não ter agido com mais firmeza contra os grandes baluartes do fascismo, advogando uma responsabilização dos seus principais agentes conexionada com o exercício das funções exercidas, à semelhança do que se fez um pouco por toda a parte depois da II Guerra Mundial relativamente aos nazis, aos fascistas e aos colaboracionistas em geral.

A Revolução é um processo altamente dinâmico em que todos os dias acontecem coisas novas e por vezes surpreendentes. As necessidades da luta revolucionária mudavam a cada dia sempre em função dos objectivos traçados e da acção contra-revolucionária. E como os “pides” a muito breve trecho deixaram de constituir um problema (ficou célebre aquela tarja da Penitenciária de Lisboa, onde vários estavam presos, que dizia: “Queríamos aderir e não nos deixaram!”) e como a maior parte dos responsáveis políticos e dos altos funcionários do fascismo breve se afeiçoou à nova situação política, é natural que esses “agentes do passado” tenham deixado de constituir um problema por mais que algumas vozes isoladas continuassem a exigir justiça e vingança.

Os problemas foram outros: numa primeira fase os spinolistas e certos meios económicos com eles imediatamente identificados pretenderam “normalizar” a Revolução colocando-a num patamar muito próximo daquilo que gostariam tivesse sido a transição marcelista. Nesta fase, a questão colonial teve importância. A Revolução e a independência das colónias estavam intimamente ligadas, pelo que qualquer movimento que tivesse em vista impedir esse objectivo facilmente se tornava no alvo principal da luta revolucionária, nesta fase e neste plano dominada pela iniciativa do MFA, nomeadamente Melo Antunes, e apoiada sem reservas pelos partidos de esquerda e com algumas reticências do PS de Soares que preferia identificar-se com Spínola embora nunca cortando, no plano retórico, as pontes com o outro lado para não ficar isolado.

Depois de esta fase ter sido superada e de Spínola ter sido obrigado a capitular anunciando num célebre discurso a independência das colónias como um dos objectivos da Revolução, entrou-se numa nova fase em que a luta andava à volta da questão de saber se o “Programa do MFA” admitia ou não mudanças estruturais no plano económico e social. Com os spinolistas ainda activos, já desligados do governo mas com poder nos quartéis, a clivagem na sociedade civil e nos meios políticos passava por aqueles que entendiam (e actuavam nesse sentido) que era função da Revolução avançar no domínio das conquistas sociais e económicas e aqueles, do lado dos quais estava o Partido Socialista, gestores e executivos que iniciaram a sua experiência empresarial no fim da ditadura e certos meios empresariais ainda activos, que achavam que o papel do Governo Provisório e do MFA era o de preparar o país para a realização de eleições constituintes no quadro das quais se institucionalizariam as principais reformas da sociedade portuguesa.

Acontece que a Revolução tem os seus ritmos, tanto os impostos directamente pelo movimento revolucionário como os gerados pela reacção que estes provocam, acabando, muitas vezes, por se fazer num dia aquilo que há meses vinha sendo discutido. Os spinolistas e a direita, cada vez mais marginalizados pela marcha da Revolução, principalmente pelo clima que então se vivia, organizam nova acção destinada a tomar o poder e a pôr cobro a qualquer tipo veleidade revolucionária, interpretada num sentido muito lato. Dito de outro modo: o objectivo era o de recriar um poder autoritário que provavelmente iria até onde fosse necessário e até onde fosse capaz de se afirmar.

Mais uma vez foram derrotados pelo MFA e pelo Povo. Explorando o sucesso da vitória as forças revolucionárias institucionalizaram o MFA e alteraram as bases económico-sociais da sociedade portuguesa, nacionalizando os principais meios de produção e a maior parte da terra a sul do Tejo. Apanhado nas curvas e vertigens da Revolução, o PS viu-se obrigado a apoiar com indisfarçável mal-estar a situação política saída do 11 de Março. Esgotada a cartada spinolista, sem ligações ao MFA, o PS estava destinado a passar um mau bocado se a Esquerda Revolucionária tivesse tido o bom senso de nunca alienar uma parte do MFA mesmo que para isso tivesse de desacelerar o ritmo da Revolução e aceitar um status quo mais consensual entre as forças que importava manter do mesmo lado.

Mas como a Revolução é uma vertigem, uma espécie de paixão avassaladora não há razão que se imponha nem calculismo que nela sobreviva. E foi assim, abreviando, que chegamos ao que hoje temos!

2 comentários:

  1. As consequências do 11 de Março na vida social e económica portuguesa foram claríssimas. Hoje,quando tais mudanças são revertidas,pode medir-se o que,na verdade,interessa ao povo português!Até um cego, num quarto escuro, vê claramente o que está a acontecer.

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