AS PALAVRAS E OS ACTOS
António Costa, entrevistado na RTP, quando perguntado sobre a
formação do Governo, caso vença as eleições, disse, como não poderia deixar de
dizer, que tinha ideias muito claras sobre a sua composição. Mas disse mais.
Disse também que tinha plena consciência da importância que deveria atribuir às
várias áreas de acção do executivo. Entre essas estava a diplomacia na sua
vertente europeia – à importância que necessariamente tinha de ser atribuída à
Europa, à luta por uma nova Europa.
De facto, tanto agora que é candidato, como quando era
comentador, sempre Costa tem pugnado, pelo menos em palavras, por uma Europa
institucionalmente diferente da que existe, seja no plano da coesão
económico-social, seja no plano da política monetária por serem estas as duas
áreas onde são mais gritantes as consequências resultantes da Europa que
efectivamente temos.
Pondo de parte a questão de saber se a Europa é reformável
num sentido contrário ao que hoje existe – e a nossa opinião é de que a Europa
não é reformável; aliás nenhuma entidade desta natureza seja ela nacional ou
supranacional é reformável sem ser num contexto de profundas convulsões sociais
já que ninguém prescinde voluntariamente das vantagens entretanto consolidadas
– e aceitando como exequível a pretensão de Costa (exequível no sentido de
haver quem na Europa esteja realmente disposto a lutar por essa mudança),
faltaria ainda demonstrar que razões nos podem levar a supor que um partido
como o Partido Socialista estaria capacitado para esse desempenho.
De facto, a história da acção diplomática dos governos
socialistas não aponta nesse sentido. Bem pelo contrário. O que ela nos ensina
é que o PS tanto na chamada relação transatlântica, como na relação com a
Europa sempre se deixou guiar por interesses que não eram definidos em função
do interesse nacional se não mesmo por interesses verdadeiramente contrários ao
interesse nacional. O que sempre prevaleceu foi o alinhamento disciplinado e às
vezes até entusiástico com interesses que se vieram a revelar altamente nocivos
ao futuro do país. A lógica do bom aluno, com este ou com outro nome, como o do
aliado fiável e bem comportado, sempre prevaleceu sobre tudo o resto na
esperança vã de que os amos acabassem por deixar cair umas migalhas a título de
recompensa por esse bom comportamento, ficando a consciência razoavelmente
apaziguada com ideia de que se não fosse assim tudo seria ainda pior.
Digamos até de uma maneira mais clara algo que quem anda na
política teria muita dificuldade em dizer: com excepção do breve período
revolucionário posterior ao 25 de Abril, e mesmo neste período com os boicotes
que se conhecem, nunca mais houve em Portugal desde Salazar uma política
externa defendida em função dos interesses nacionais.
Bem gostaríamos de estar enganados relativamente ao próximo
futuro, mas como, felizmente ou infelizmente, conhecemos bem os possíveis (ou
prováveis) protagonistas não vemos nenhuma razão para alterar as nossas
previsões.
O problema do PS e depois do PSD é que se deixaram entusiasmar pelo processo de construção europeia e assumiram que uma Europa Federal onde prevaleceria a igualdade entre Estados seria o caminho inevitável do Processo de Integração. Em vez disso chegamos aqui, a uma Europa Inter-governamental, onde a Comissão perde peso e poder, dominada pelos Estados mais Ricos (a decadência da França implica que não consegue sequer servir de contrapeso à Alemanha). Mas sejamos realistas. Portugal é uma Economia Aberta, que acumula deficits comerciais externos desde os anos 50, a partir daí a saída de divisas só era compensada pelas remessas dos Emigrantes, e que ainda se baseia em grande medida em baixos salários. Nenhum País da nossa dimensão, tirando talvez a Suécia, altamente desenvolvida (e ainda assim na UE, mas fora do Euro) e a Noruega, com o petróleo (mas membro da Nato, fruto talvez da experiência da II Guerra Mundial e da sua fronteira com a Rússia) pode aspirar a ter uma política externa que não implique alinhamento com os Estados Ocidentais mais poderosos. Lembre-se do caso de Timor. Guterres ameaçou retirar Portugal da Nato se os EUA não agissem e de facto a nossa pertença à Nato aí ajudou. Qual o caminho se a UE se desmembrar ou ficar reduzida a uma mera zona de comércio livre, sem liberdade de circulação? A autarcia, que só existia na propaganda salazarista e com a qual o PCP parece sonhar? Contrariamente ao PCP e ao BE, que sonham com uma saída do Euro sem explicar o caminho, como se magicamente num dia estaríamos dentro e no dia seguinte fora, o PS adopta a postura realista da 'austeridade aos bocadinhos', na expressão feliz de Mariana Mortágua. Ter um António Costa (um pouco) mais assertivo na Europa será já uma melhoria relativamente ao servilismo presente, embevecido com o modelo alemão...
ResponderEliminar"com excepção do breve período revolucionário posterior ao 25 de Abril, e mesmo neste período com os boicotes que se conhecem, nunca mais houve em Portugal desde Salazar uma política externa defendida em função dos interesses nacionais."
ResponderEliminarMas há quem ache que Costa está no bom caminho e considere que não há outro. É a tese que enferma do principio daquela outra que afirma não haver alternativas. Costa não é servil-moderado, é um moderado-servil...
jaime santos que até circula nos blogues anda muito distraído e deixa-se vencer pela propaganda, quando tinha obrigação de o não fazer.
ResponderEliminarÉ falso que PCP e BE sonhem "com uma saída do Euro sem explicar o caminho, como se magicamente num dia estaríamos dentro e no dia seguinte fora"
Leia-se, por exemplo, por muitas outras firmações sobre o assunto o que Jerónimo disse ao jornal i, em http://ionline.pt/410174?source=social#close
«A saída da NATO, do euro e da UE são muitas vezes invocadas como impeditivas de um entendimento à esquerda...
Quando defendemos a libertação da submissão ao euro temos a consciência de que estamos dentro e não fora do euro, que a questão deve levantar-se não no sentido de um acto súbito, mas nesta reflexão de fundo: temos ou não direito a um crescimento e desenvolvimento económico soberano?
[...] Dizem-nos que podemos andar, mas amarrados e condicionados. Esta necessidade de nos libertarmos conduz-nos a uma outra pergunta que deve ser respondida: é ou não preciso estudar e preparar o país para uma eventual saída do euro, por decisão própria ou por decisão de outros?
E qual é a resposta do PCP?
Já não é só o PCP. Muito mais gente, personalidades de outros sectores da sociedade, no seu balanço verificam que a entrada no euro foi uma aventura. Sem contar com a destruição do nosso aparelho produtivo, das pescas, da agricultura, da indústria pesada, da indústria naval e siderúrgica, está demonstrado que, em termos de receitas, contando com os fundos comunitários, saiu mais dinheiro do que entrou. Entrar no euro foi uma aventura porque se fez num quadro de uma moeda única para países com economias muito diferenciadas e a moeda única não resolveu nem ultrapassou essa realidade.
E não é irresponsável sair do euro?
A saída súbita seria uma aventura, mas é de uma grande irresponsabilidade este país não estudar e preparar essa eventual saída, que não tem uma relação directa com a saída da UE. Essa questão não está posta, aliás temos os exemplos da Inglaterra e da Suécia, que têm moeda própria sem que isso tenha como condição a saída da UE.»
O anónimo das 21:14 diz 'é de uma grande irresponsabilidade este país não estudar e preparar essa eventual saída' e eu dou-lhe inteira razão. Actualmente, a única forma de sair do Euro é saindo da EU. Os países que cita, assim como a Dinamarca, negociaram condições especiais para poderem permanecer na UE, mas eu também acredito que se um País decidisse sair da União Monetária, os restantes não o obrigariam a sair da UE, mas isso obrigaria a uma renegociação dos tratados. O problema é que eu gostava de ver quem propõe esta solução fazer mais umas contas para além da treta de que as importações representam 40% do mercado interno e se a desvalorização for 30%, logo a inflação é 12% e pronto, estamos fora do Euro (as Economias não são sistemas lineares). O PCP e o BE não têm Economistas para estudar os impactos da medida? Parece que é só o PS que sabe fazer contas. Se ler o livro de Francisco Louçã e Ferreira do Amaral, percebe que só a logística da cunhagem e distribuição da nova moeda é um pesadelo. Não me diga que está à espera que seja o PS, o mais europeísta de todos os Partidos Portugueses, a fazer esse estudo... É que sabe, quando o Syriza embarcou numa estratégia de afrontamento com a ortodoxia fiscal europeia (leia-se alemã), sem ter nada para além de princípios (embora Varoufakis estivesse coberto de razão), não acabou lá muito bem. O problema da resposta do PCP (e em menor grau do BE) é que ela não é resposta nenhuma, porque não tem nenhuma estratégia associada. É esse o meu ponto, e nada do que disse me convenceu do contrário. Cresçam e apareçam, e depois falamos...
ResponderEliminarJaime Santos, releia por favor o que eu escrevi. Apenas contrário uma afirmação sua com citações de entrevistas do Jerónimo.
ResponderEliminarApenas lhe cito uma parte de uma entrevista do Jerónimo onde o secretário-geral do PCP contraria o que JAime Santos diz nos seus comentários: Jerónimo contraria que PCP e BE sonhem "com uma saída do Euro sem explicar o caminho, como se magicamente num dia estaríamos dentro e no dia seguinte fora".
Como será evidente, ambos os partidos estão a estudar a coisa. Basta ler o que sobre isso diz Fernando Rosas, em entrevista ao jornal i: http://www.ionline.pt/artigo/411374/fernando-rosas-pcp-e-bloco-t-m-de-fazer-uma-coligacao-para-chegarem-ao-poder?seccao=Portugal_i#close
Ninguém disse que não seria pesadelo deixar o euro, mas estar no euro não tem sido grande coisa. Se refere, e Rosas também, Ferreira do Amaral e Louçã, pela banda do PCP é improvável que Eugénio Rosa (com estudos sobre tudoe mais alguma coisa veja-se http://www.eugeniorosa.com/) e Octávio Teixeira não tenham já contas feitas.
Mas também faz parte da alma do negócio transpirar pouco dos planos B.
E a questão de se ter de deixar a UE está bem longe de ser líquida. Quem mantém essa versão da coisa são os eurovoluntaristas - um espantalho para provocar o medo pânico. Curiosamente, os eurocríticos recusam-na.
Se o PCP e o BE forem capazes de apresentar um estudo sério sobre as consequências de uma saída do Euro para a Economia Nacional, incluindo medidas de mitigação das consequências mais sérias e de medidas de curto prazo, em que se incluem a cunhagem e distribuição de moeda, o estabelecimento de reservas de moeda estrangeira, o racionamento de bens essenciais, a recapitalização do sector bancário, e medidas de segurança pública para evitar o pânico e as pilhagens, eu cá estarei para rever a minha posição. Mas saliento que a altura ideal para apresentar tais estudos é durante a campanha eleitoral, para que os eleitores os avaliem, e não meramente dizer que o 'segredo é a alma do negócio'. Se o meu caro anónimo confia no PCP e no BE, isso é um problema seu, eu gosto de saber ao que os políticos vêm... Lembre-se que na desagregação de zonas monetárias (por exemplo no fim do Império Austro-Húngaro) ou no abandono de taxas de câmbio fixas (Uruguai, Argentina) assistimos muito frequentemente a episódios de alta inflação ou mesmo hiper-inflação... Para avançar para uma saída do Euro é bom termos um plano o mais bem fundamentado possível, para não começarmos com entradas de leão e acabarmos em saídas à Syriza. A triste conclusão é que enquanto não dispusermos de uma estratégia para uma Alternativa, não há mesmo nenhuma Alternativa. P.S. Se ler bem o que escrevi verá que eu concordo consigo relativamente à questão da saída da UE, limitei-me a dizer qual é a situação presente em termos legais, mais nada.
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarDesde a sua primeira mensagem que percebo que no essencial estamos de acordo.
ResponderEliminarMas considero que partir de ideias erradas complica a vida. BE e PCP - ao contrário do que escreveu - não defendem nenhuma saída súbita.A discussão tem pois de partir de um patamar diferente desse, uma ameaça brandida pelos eurovoluntaristas para que os eleitores vejam PCP e BE como partidos de protesto e irresponsáveis.
Posto isto, pode começar-se a questionar-se muito do que há para questionar - e algumas coisas são por si sugeridas:
Se quando falam em estudar estão realmente com a cartada da saída na manga, o que dizem os estudos que já fizeram, se é legítimo guardarem esses estudos na manga, se sim até quando, etc. etc. etc.
Se a Grécia tivesse estudado um plano B
ResponderEliminarnão estaria em queda
O estudo ponderado de uma eventual saída do euro não desejada mas possível
devia ser uma tarefa do governo caso não estivesse enfeudado aos desígnios do império alemão.
Jaime Santos comete outra não factualidade:
ResponderEliminar«Se ler bem o que escrevi verá que eu concordo consigo relativamente à questão da saída da UE, limitei-me a dizer qual é a situação presente em termos legais, mais nada.»
Ora, a saída obrigatória da UE é defendida por gente como Rui Tavares e PS - eurovoluntaristas. Sobre o articulado nos tratados há muitos entendimentos contrários. E se os entedimentos contrários estão abertos, isso quer dizer que o articulado nãao é nada claro.
Duas notas: eu usei de ironia quando disse que magicamente estaríamos um dia dentro e no outro fora, como é óbvio. O meu ponto é que não se pode querer ser sério e depois dizer que queremos uma coisa sem indicar um caminho para lá chegar. É dessa estratégia que eu estou à espera. Qualquer posição a favor da saída da UM que não considere tal estratégia e não seja transparente em relação a ela é irresponsável (e é puro Pensamento Mágico) e aí dou razão aos 'eurovoluntaristas', como lhes chama. Segundo ponto: a leitura literal dos tratados obriga a uma saída da UE para o abandono da UM (veja F. Louçã e J. F. Amaral em 'A Solução Novo Escudo', pgs 41-44, e eles não são propriamente 'eurovoluntaristas'), mas concordo que num processo negocial seria talvez possível sair do Euro sem sair da UE (os dois autores explicam que os outros países poderiam ter interesse nisso). Agora se a estratégia de negociação fosse à Syriza, aí acabaríamos mesmo por ter que sair da UE (ou acabar vergados à Tsipras). Na mesma obra, os dois autores dizem o seguinte (pg. 150): 'Admitimos que, com as actuais definições dos Tratados europeus, que alguns dos seus dirigentes têm no entanto admitido querer corrigir, a saída unilateral da Zona Euro poderia requerer também a desvinculação da União Europeia.' E julgo que será escusado dizer que uma saída negociada, com reestruturação da dívida, não se faria sem condições (leia-se continuação de pelo menos alguma Austeridade).
ResponderEliminarJaime Santos, Obviamente não não pode existir ironia nenhuma da sua parte quando afirma "que magicamente estaríamos um dia dentro e no outro fora".
ResponderEliminarEstá a repetir e a papaguear o que europeístas assacam às posições da CDU propagandeando uma caricatura de posições políticas da CDU (e cada vez mais do BE) no sentido que tem interessado ao seu PS (mas não só) passar.
Já li a gente vária, designadamente na CDU e no BE, que a saída da UE não decorre do cruzamento do tratados. O que resulta deles é uma omissão quanto à situação que alguns tentam usar como espantalho.
Mas quem apresentou argumentos fui eu e sou eu que sou o papagaio? O meu caro diz apenas que não é como eu digo e pronto. Vá lá, explique lá qual é a estratégia da CDU para sair do Euro, convença-me que o está lá no programa são mais que generalidades sobre a necessidade de preparar a saída do Euro, diga lá quem são as pessoas que dizem que a saída da UE não decorre dos tratados e já agora cite-as, como eu fiz acima.
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