sexta-feira, 20 de abril de 2018

A DEMOCRACIA EM ESPANHA


E SE A EUROPA NÃO ENTREGA OS CATALÃES?
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As prisões e os delitos por que estão sendo acusados os independentistas catalães estão a ser postos em causa pelos tribunais de outros países europeus, da União Europeia e não só. Como tem sido noticiado, a Bélgica não atendeu o mandado de detenção europeia dos ex-governantes aí exilados quanto ao crime de “rebelião” (com excepção de Puigdemont, por o tribunal espanhol, por razões meramente tácticas, o ter revogado) e solicitou novos elementos relativamente ao de “malversacion” – uso indevido de dinheiros públicos.

Pouco depois, o Tribunal Superior de Schleswig-Holstein recusou a prisão de Puigdemont pelo crime de “rebelião”, por ausência de um elemento fundamental à integração do tipo legal de crime que no ordenamento jurídico alemão se assemelha à rebelião – alta traição – que é a violência. E, tal como o tribunal belga, solicitou novos elementos quanto ao de “malversacion”, tendo posto em liberdade o ex-presidente da Generalitat, mediante o pagamento de uma fiança relativamente baixa – 75 mil euros.

Se o crime de rebelião corre o sério risco de não ser reconhecido, não obstante os desesperados esforços que o Governo e o Supremo Tribunal vêm fazendo para convencer as autoridades estrangeiras de que houve violência, outro tanto se passa com o de “malversacion”, que ficou muito difícil de provar, mesmo internamente, depois de o Ministro da Fazenda, Cristobal Montoro, ter declarado que no referendo não foi gasto dinheiro do orçamento. Disse Montoro numa entrevista a El Mundo: “Não sei com que dinheiro se pagou as urnas chinesas de 1 de Outubro, nem a estadia (no estrangeiro) de Puigdemont. Mas sei que não foi com dinheiro público”. Se antes desta declaração já era difícil fazer aquela prova, até então assente numas tantas suposições de um relatório elaborado pela Guardia Civil, mais difícil ficou depois das declarações do responsável máximo pelas finanças do Reino de Espanha.

A propósito destas declarações assistiu-se a um fenómeno que seria insólito em qualquer democracia da Europa Ocidental, mas que, pelos vistos, em Espanha é perfeitamente normal. O juiz de instrução do Supremo Tribunal, Pablo Llarena, furioso por Montoro lhe ter posto em causa a acusação que tão laboriosamente engendrara com a “fiscalia”, exigiu que Montoro prove que não houve “malversacion”. O Juiz solicitou a Montoro que o informe “com a maior brevidade possível sobre os elementos em que baseia as afirmações de que no referendo ilegal de 1 de Outubro não foram gastos dinheiros públicos”. Portanto, não é à acusação e ao juiz (que com aquela faz parelha) que compete fazer a prova dos factos, mas sim àqueles que com toda a propriedade se podem pronunciar sobre o destino legal dos fundos a seu cargo. Quer dizer: acusação não tem de fazer a prova positiva dos factos, mas é ao responsável pelas finanças públicas que cabe a prova negativa dos mesmos. Espantoso! No Uganda, do “saudoso” Amin também seria assim?

Entretanto, na Alemanha, as coisas complicam-se para os espanhóis. Admitindo a hipótese de uma denegação de entrega, o Supremo, para além de todas as declarações pressionantes que tem vindo a fazer, actuando como um verdadeiro órgão político, de resto, com o apoio de políticos como Felipe Gonzalez e Manuel Valls (já lá iremos), sabendo que da decisão do tribunal superior do Land não há recurso para outros tribunais alemães, parece admitir a hipótese de solicitar uma decisão prejudicial ao Tribunal das Comunidades. O que também não deixaria de ser insólito, já que a regra e a praxe judiciária vão no sentido exactamente oposto. Ou seja, é ao tribunal ad quem, ao tribunal solicitado, que cabe fazer essa consulta se tem dúvidas sobre a interpretação do direito comunitário, e não ao tribunal a quo, ao solicitante. Porém, se a consulta se vier a fazer, o mais provável é que o Tribunal das Comunidades a receba e dentro dos habituais 15 meses diga, neste caso, o óbvio: se o crime previsto no mandado de detenção estiver tipificado entre os que constam do regulamento da euro ordem (e não está), a entrega tem de ser feita; se não estiver, a questão é da competência do tribunal solicitado que aplicará o seu direito nacional não cabendo ao tribunal comunitário interpretar os direitos nacionais.

A Espanha corre o sério risco de a uma derrota em tribunais nacionais europeus juntar uma outra no tribunal comunitário e então é que toda a estratégia do executivo cai por terra.

Como qualquer pessoa percebe, estas decisões jurisprudenciais não têm nada a ver com a questão política de fundo – a independência da Catalunha, mas com os atropelos ao Estado de Direito. Os protestos de Espanha e de todos os que apoiam a sua estratégia é que têm em vista politizar a justiça, ou seja, pretendem fazer o que se faz em Espanha: pôr os tribunais ao serviço de uma estratégia política!

E alguns, como Gonzalez e Valls (o coveiro do PS francês) fazem-no com a maior desfaçatez e a maior pouco vergonha. Disse Valls, ontem em Madrid: “A França teria entregado Puigdemont”. E Gonzalez considerou: “Preocupante que os juízes alemães qualifiquem em poucos dias o que a justiça espanhola está estudando há meses”.

Em Espanha, as decisões dos tribunais espanhóis, por mais absurdas que sejam, não se discutem. Nem Pedro Sánchez nem Iglesias se atrevem. Mas as dos tribunais alemães e belgas, essas já podem ser criticadas… E espantoso é também que Manuel Valls tenha tão afoitamente antecipado a hipotética decisão dos tribunais franceses, com base no argumento político de que as cisões nos estados europeus são muito prejudiciais ao futuro da Europa. É caso para perguntar: desde quando é que este argumento é válido? Desde a Segunda Guerra mundial ou desde 2008? E se Putin achar o argumento muito interessante, o que dirá Valls?

Estes políticos não valem um pataco furado!


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