sexta-feira, 3 de agosto de 2018

MORAL OU POLÍTICA?


A PROPÓSITO DO "CASO ROBLES"
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À medida que o caso Robles se vai afastando no tempo, os ecos difusos que dele nos vão chegando são agora de natureza bem diferente dos que foram ouvidos quando o caso ainda estava na primeira página dos jornais, principalmente os que vão sendo veiculados por certos sectores da esquerda.


Esta esquerda alarmada ou, no mínimo, preocupada, com o aproveitamento que a direita pode fazer (e já está fazendo) do caso, tende, sem desculpar o comportamento de Robles, a insurgir-se contra críticas da direita e contra a inflexibilidade de alguns sectores da esquerda.
Por um lado, critica-se asperamente a hipocrisia da direita e, por outro, ataca-se o moralismo de uma certa esquerda, erigida em justiceira impoluta e incorruptível pela sua uma apreciação impiedosa dos comportamentos humanos, deixando, aqui e ali, a vaga insinuação de que essa inflexibilidade acaba objectivamente por fazer o jogo da direita.
Por outras palavras mais óbvias: critica-se a esta esquerda o seu pendor jacobino, para não dizer robesperreano ou leninista- estalinista.
Antes de mais, há aqui uma profunda incongruência lógico-racional nesta crítica. Com efeito, critica-se a direita numa perspectiva moralista (direita hipócrita que critica nos outros aquilo que ela própria faz) e simultaneamente acusa-se a esquerda de fazer uma crítica fundada numa moral superior. Afinal, se assim fosse, a moral servia para criticar a direita, por falta dela, mas servia também para criticar a esquerda por não prescindir dela. Moralismo ou sua ausência consoante as conveniências.


Estou muito longe desta forma ver as coisas, continuando fiel à essência do pensamento que manda, em primeiro lugar, ser realista, olhar as coisas como elas são e, em segundo lugar, separar a moral da política como campos diferentes que são.
Para mim, o comportamento de Robles não é nem deixa de ser moralmente reprovável. O comportamento de Robles, bem como o apoio que o Bloco lhe concedeu, é politicamente errado, reprovável se preferirem. Porque o negócio a que se dedicou, posto que pontualmente, é um negócio de natureza especulativa. E, politicamente, a questão que se põe é saber se a esquerda concorda ou apoia as práticas especulativas, sejam elas bolsistas, imobiliárias ou de outra espécie, ou se as condena e combate pelas causas que estão a montante da especulação e pelas consequências que dela decorrem a jusante.


Se as combate e condena como as pode praticar? Que eficácia tem esse combate se aqueles que as combatem as praticam? Ora, esta questão não é moral, é política. Daí que não me insurja particularmente contra o comportamento da direita, mas sim contra o comportamento daqueles que possibilitaram à direita fazer o aproveitamento político que tem feito e está fazendo num domínio em que essa mesma direita se empenhou a fundo, permitindo-lhe agora afirmar que a política habitacional dos grandes centros urbanos não só tende a ser cada vez mais consensual como também é a que melhor serve os interesses da cidade. Daí a crítica sem contemplações aos que numa matéria tão sensível como a política de habitação nas grandes cidades, varridas pela onda turística da actualidade, praticam actos que acentuam as consequências negativas daquele fenómeno e descredibilizam a política habitacional que a esquerda tem tentado, com grande dificuldade, por em prática.

Em conclusão: a reprovação do comportamento de Robles não é jurídica nem moral. É política. O comportamento de Robles  é licito, se nenhuma ilegalidade (até agora desconhecida) tiver sido praticada; e também não parece que seja moralmente reprovável, porque se o fosse a qualificação moral do acto ficaria dependente da natureza da pessoa que o pratica. De facto, se o acto em questão tivesse sido praticado por um fundo imobiliário ou por um militante do CDS (partido ao qual é, a justo título, atribuída a autoria material da lei) seria um acto louvável e recomendável como manifestação da capacidade empreendedora do seu autor, daí que não possa ser considerado imoral se praticado por Robles, já que tal conclusão implicaria um relativismo moral inaceitável. Esse relativismo não existe na moral, embora seja da essência da política. Logo, a reprovação ser apenas e só política!


2 comentários:

  1. O problema de Robles é o da incoerência entre um ponto de vista que é o do BE (e que este expressa em termos por vezes demagógicos, veja-se os cartazes da campanha) e que foi defendido por ele enquanto vereador, e a sua conduta privada.

    A crítica a Robles não é apenas a de que ele se pôs a jeito para apanhar da Direita (ou seja, que cometeu um erro político), mas também que foi hipócrita. E a hipocrisia é normalmente vista como um vício moral...

    E tal é absolutamente independente de se considerar a especulação imobiliária como uma conduta repreensível.

    Se não vejo nada de repreensível em alguém ter vários parceiros sexuais desde que não os ande a enganar (é uma questão da reserva da vida privada dos envolvidos), se se descobrir que um político acumula esposa e amante (mesmo se com o conhecimento e eventual aprovação da primeira) enquanto anda a pregar as virtudes da monogamia, é evidente que a sua conduta é moralmente censurável porque é hipócrita...

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  2. Ao me ocorrer escrever sobre o tema, inseri o "caso Robles" numa sucessão de casos: o do deputado dar morada errada para aceder a mais uns patacos; o caso das touradas, defender em Vila Franca uma posição e no Parlamento o contrário dela; o ser contra a NATO e apoiar a invasão da Líbia; o apoiar o golpe nazi-fascista na Ucrânia. E ao concluir que são casos a mais, depois de ler o seu texto, sinto-me esmagado pelo meu pendor jacobino, para não dizer robesperreano e/ou leninista- estalinista.

    Quanto à separação entre o que é moral e politico, fiz uma série de "rogeriografias" a militantes de diferentes forças politicas, e nas respectivas localizações cerebrais o moral e o politico andam de tal forma juntos que resolvi, por ablação, fazer da porção retirada ao Robles, trabalho laboratorial. Ensaei a frio, experimentei ao lume, moral sempre inseparável, tal como é costume...

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