terça-feira, 14 de setembro de 2021

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 MARCELO E A PANDEMIA

Na primeira fase da pandemia, o Presidente da República, depois da quarentena inicial a que se submeteu, passou a intervir activamente na sua gestão, a ponto de levar muito boa gente a interrogar-se se o seu zelo e empenhamento não estariam a invadir a esfera de acção governamental. Na altura, tudo corria bem, principalmente se comparado com o que se passava em Espanha, na Itália, em França e no Reino Unido.
A segunda vaga da pandemia, que veio cedo, logo no princípio do Outono, encontrou um Presidente bem mais calmo e reservado, tanto mais quanto mais se agravava a situação sanitária.
Afastado por razões de sobrevivência económica o confinamento semelhante ao da primeira vaga, tanto em Portugal como nos demais países europeus, os governos têm-se limitado a correr atrás dos factos, intervindo aqui e ali com medidas restritivas que causem o mínimo dano possível à economia e possam simultaneamente conter, ou tentar conter, a propagação do virus. Ou seja, tem-se tentado um equilíbrio muito difícil de encontrar entre a necessidade de estancar a propagação da doença favorecida pelo aparecimento de múltiplos surtos e a necessidade de manter a economia a funcionar.
Evidentemente, que este equilíbrio pressupõe, como não poderia deixar de ser, múltiplas restrições à liberdade indidual ou colectiva.
E é exactamente neste domínio que a actuação do Presidente voltou a ter grande visibilidade. Afastado o estado de emergência pelas sobreditas razões, o Governo tem tentado com base na legislação ordinária fundamentar as medidas decretadas. Acontece que este país, que viveu durante quase meio século sob uma ditadura impiedosa, em que o "consenso"
se formava com base na repressão e suas consequências, está hoje, a avaliar pelo que se ouve nas televisões, na rádio e nas redes sociais, transformado num país libertário, onde a liberdade se sobrepõe como valor supremo a qualquer outro valor, inclusive à própria vida.
O próprio Presidente da República que viveu complacentemente em ditadura durante mais de duas décadas, é hoje um porto de abrigo seguro para os noveis defensores da liberdade, a ponto de interpretar revogatoriamente certas medidas de confinamento parcial decretadas pelo Governo, como a proibição de circulação entre concelhos durante o actual fim de semana.
Depois de a polícia ter explicado a natureza imperativa das medidas decretadas e o seu modo de aplicação, o Presidente não se coibiu de as qualificar como "recomendações agravadas" e não como imposições sancionadas.
Quer dizer, em vez de deixar estas questões para os tribunais, a chamar por aqueles que delas discordassem, o Presidente veio, na prática, desautorizá-las e retirar-lhes eficacia.
Não quero tirar a conclusão de que a pandemia já não "rende" politicamente e quanto mais afastada dela estivermos, melhor, mas não posso deixar de lamentar que, todos aqueles que integravam o largo "consenso" da ditadura, se situem agora na primeira linha de defesa de uma liberdade que contende com o direito à vida!
30/12/2020

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