terça-feira, 22 de julho de 2008

OS ARTIGOS DE OPINIÃO DO "PÚBLICO" E O PROGRAMA DE OBRAS DE SÓCRATES


SARSFIELD CABRAL E ANTÓNIO BORGES

O “Público” de segunda-feira, na penúltima página, traz dois artigos de opinião, ambos contra o programa de obras públicas de Sócrates. Há, todavia, uma grande diferença entre eles: um, de Sarsfield Cabral, é um artigo razoavelmente inteligente e só muito indirectamente se refere às obras; o outro, de António Borges, é um artigo medíocre, que deturpa a história económica recente e assenta num conjunto de afirmações pretensamente suportadas pela teoria económica, mas que na realidade não passam de fracos slogans ideológicos.
Dificilmente se não estará de acordo com as causas que, segundo Sarsfield Cabral, realmente impedem um crescimento sustentado da economia portuguesa: a crise da justiça e da educação; a baixa produtividade da economia; a falta de autoridade do Estado, dominado por interesses corporativos; falta de empenho no combate à corrupção; elevados padrões de consumo, muito acima dos rendimentos familiares; e, ainda, o desequilíbrio das contas públicas.
No fundo, o que SC quer dizer, sem abertamente o referir, é que um vasto programa de obras públicas pode fazer crescer a economia, mas não assegura que se cresça bem, nem tão-pouco que esse crescimento seja sustentado.
António Borges, putativo Messias do PSD, manifesta-se contra as grandes obras e aponta como grande desafio do PSD o “relançamento da iniciativa privada”.
Vejamos os seus argumentos e analisemos o seu raciocínio. Diz ele: “Portugal só voltará a ser um país próspero quando for possível relançar a economia privada”. Ora ai está uma novidade, que o “historiador” António Borges descobriu: Portugal já foi um país próspero! Percebe-se que Portugal foi um país próspero na década de 60, depois da adesão à EFTA. Como é possível que o “historiador” Borges considere próspero um dos países mais atrasados da Europa? Com taxas de analfabetismo obscenas e emigração massiva para a Europa, América do Norte e Brasil? Isto para não falar do baixíssimo rendimento per capita da população portuguesa. De que país está este Senhor a falar? Certamente que o país na década de sessenta cresceu alguma coisa, porque tinha estado estagnado durante décadas, principalmente quando no pós-guerra se crescia, e muito, em toda a Europa Ocidental.
O segundo exemplo refere-se ao cavaquismo, de 1985-95. Sim, de facto, o país cresceu até ao começo da década de noventa, depois da grave crise da primeira metade da década de oitenta, exactamente graças às obras públicas e aos fundos comunitários, que, em grande medida, as financiaram. E continuou a crescer, com a mesma lógica, de 95 até ao fim do século.
Mas o que Borges não percebe é que se as obras podem servir para relançar a economia, não são todavia suficientes para assegurar um crescimento sustentado, como já demonstrámos neste blogue.
Mas Borges diz mais. Recorrendo à sua argúcia sociológica, diz textualmente: “Portugal é um país de empresários (...) e de gosto pelo risco ”. E nós que não sabíamos. Com estas tiradas, Borges estava bom para figurar num daqueles salões que Eça tão bem descreve nos Maias…
Depois, o artigo recorre a vários slogans, que visam exactamente substituir o raciocínio válido e a demonstração capaz. Diz, por exemplo, que os problemas de competitividade não são fáceis de detectar, mas logo a seguir afirma, sem qualquer demonstração, que a perda de competitividade resulta de uma política económica (do governo, subentende-se) profundamente errada.
Enfim, o texto, como artigo de propaganda partidária, é vulgar; como artigo de economia, é medíocre.

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