Diz que o PS deve deixar de se mostrar incapaz de se entender à esquerda. Acontece que à esquerda se situam forças que, sobre pontos essenciais, têm perspectivas opostas às do PS, por resultarem, no fundo, ainda de uma matriz revolucionária. Para mais, o BE, por exemplo, deu mostras de que nem numa autarquia (como a de Lisboa)é capaz de fazer os compromissos necessários. A nível nacional, só o vejo a aceitar coligar-se na base das suas políticas, apesar de representar apenas, na melhor das hipóteses, pouco mais de 10 por cento da população portuguesa. Para além disso, a coligação PS-BE seria desastrosa para a coesão interna de qualquer dos dois partidos. Duraria meses e abriria a porta ao domínio da direita por vários anos. O que se me parece impor é um trabalho de aproximação de posições, através de acordos pontuais(mas não sei se mesmo isso se mostrará viável). Para mais, grande parte do eleitorado socialista é contra um governo de coligação com esta esquerda, não me parecendo de boa ética passar por cima desse "pormenor".Por último,é de ter em conta o verdadeiro ódio que os círculos dirigentes do BE votam a este PS, sonhando com outro, moldado à medida dos seus desejos(como também acontece no PC).Tais são os factos:esquecê-los é preparar o desastre.
RESPOSTA
O QUE IMPORTA TER EM CONTA
Ao meu estimado leitor gostaria de dizer que eu não insisto, nem prevejo uma coligação do PS à sua esquerda. O que digo, é que a democracia sairá fortalecida se houver coligações e, do meu ponto de vista, mais fortalecida ela ficaria se a coligação se pudesse fazer à esquerda.
Aquilo a que chamei o “queijo limiano” a la carte é o pior que pode acontecer. O pior para o PS, que terá de se submeter a todo o tipo de chantagens para obter os ditos acordos pontuais, e o pior para a democracia porque vê recusado um entendimento estruturado e estável por um entendimento ditado pelas circunstâncias e frequentemente oportunista. Essa sim me parece uma forma de enganar o eleitor, todos os eleitores e não apenas o que votou no PS.
Em matéria de coligações não é absolutamente relevante o que pensa o eleitorado do PS. O que o eleitorado do PS pensa é apenas relativamente relevante. Absolutamente relevante é que o que pensa o eleitorado no seu conjunto. E se em Portugal se acentuam as votações que reforçam os partidos tradicionalmente menos votados e simultaneamente se enfraquecem as dos partidos habitualmente mais votados, isso quer dizer que o eleitorado vota numa coligação.
Há países na Europa onde nem sequer é pensável governar de outra forma. A Alemanha é um deles e é simultaneamente um bom exemplo por ser o país que é. O último governante que se lembrou de pedir uma maioria absoluta (o chanceler Kiesinger) pôs o seu partido (a democracia cristã) na oposição por 13 longos anos!
Se o PS não tem condições pela sua prática política para governar com a esquerda, apesar de permanentemente se dizer de esquerda, então que escolha outro parceiro e ajude assim a clarificar o espectro político. Aliás, nem sequer concordo que uma aliança do PS com o CDS gerasse uma governação necessariamente mais à direita que a dos últimos quatro anos e meio de Sócrates, contanto que essa governação assentasse num acordo de políticas do conhecimento público, como se impõe em qualquer país democrático, sempre que se faz uma coligação. E mesmo na distribuição das pastas também não prevejo uma grande dificuldade. Estando hoje as secretas na dependência do PM, bem poderia e deveria o CDS ficar com a Administração Interna, a que Portas tem tanto apego, e com a “lavoura”, contanto que houvesse um tecto para os subsídios a atribuir à CAP. Depois a questão ficaria resolvida com mais uma pasta onde houvesse dinheiro (para o CDS poder demonstrar que também é um bom administrador) ou, em contrapartida, com a defesa, agora politicamente menos problemática por à frente da NATO estar Obama!
Tudo isto é democraticamente preferível à reaccionária tese de que o PS não pode fazer alianças e somente pode governar em maioria absoluta. É que todos nós sabemos muito bem o que está por detrás desta tese. Por detrás desta tese está, nos seus desenvolvimentos filosóficos, a ideia de que o poder somente é poder se for absoluto. Todavia, como hoje não é possível fazer essa defesa nestes termos, faz-se de outro modo, mantendo o essencial daquela ideia. E o outro modo de a fazer é ir preparando o terreno para uma reforma do sistema eleitoral que tire voz a cerca, ou talvez até a um pouco mais, de 30% dos portugueses e entregue o poder, em alternância, a um de dois partidos. Ora, este perigo é que tem, a todo o custo, de ser evitado.
E, devo dizê-lo sem hesitações, muitos dirigentes do PS e os ideólogos , afectos ou não ao PS, que diariamente repetem a tese da impossibilidade das coligações e da instabilidade resultante das maiorias relativas, consciente ou inconscientemente, estão abrindo caminho àquela situação.
A ideia de um governo onde todos ou, pelo menos, vários tenham voz é uma aspiração do homem tão velha como a política. Tem sido, desde a antiguidade clássica, um caminho difícil de percorrer, ora reclamando um governo misto (que Políbio tanto elogia), ora um governo moderado (que Montesquieu tão magistralmente teorizou), mas nem por isso deve ser abandonado.
Caro Correia Pinto:
ResponderEliminarSe bem julgo, há uma contradição entre as posições que defende neste e no seu anterior post:agora,não preconiza qualquer coligação do PS à esquerda,considerando mais natural e mesmo mais útil,por clarificador, que o faça à direita ;antes, dizia que o PS devia habituar-se a entender-se à esquerda(e não decerto por apoios pontuais, que abomina). Talvez efeitos do dia de reflexão,numa matéria muito complexa.
Quanto à discussão, em tese geral, sobre a superioridade dos governos de coligação ou de um só partido, parece-me pouco interessante:tudo depende das circunstâncias. As coligações serão sobretudo necessárias - e quanto mais alargadas,melhor - em caso de crise nacional(uma hipótese que não está posta de lado, nos tempos mais próximos). Mas exigem uma concordância de fundo sobre os objectivos essenciais a atingir - e a submissão dos interesses partidários a esses objectivos.
Quanto à ideia de que o governo de um só partido se aproxima do poder absoluto, parece-me inaceitável:a democracia exige que haja contrapoderes institucionais,mas não que eles se situem no interior do executivo.Já estou a vê-lo, meu caro Correia Pinto, a alinhar com os conservadores americanos contra a ditadura de Obama - um presidente apoiado por uma esmagadora maioria partidária.
Meu caro Correia Pinto:
ResponderEliminarNo comentário anterior, esqueceu-me um ponto relevante.Diz que o eleitorado mostra querer coligações. Mas o "eleitorado" é uma simples construção mental, não é alguém com vontade própria.Quem vota nas franjas está a dizer que prefere a força em que vota,mais nada. Pode querer um regime ou mesmo um mundo diferente - caso em que qualquer coligação será uma forma de traição.
Um comentário sobre a parte final do penúltimo comentário, já que quanto ao resto está tudo, ou quase tudo, esclarecido nas posições de ambas as partes.
ResponderEliminarE o meu comentário é para afastar qualquer analogia entre a democracia representativa americana e a portuguesa (ou outras, mas vamos falar desta que é a que nos interessa).
Na América, o mandato dos membros do Congresso, seja no Senado, seja na Câmara de Representantes, pertence (politicamente) aos Senadores e aos deputados. É por eles conquistado e pelo seu desempenho prestam directamente contas ao eleitorado (não vale a pena contra-argumentar com o poder dos lobbies cuja importância não nego e cuja influência noutras experiências poderia ser bem menor).
Prestam contas na CR de 2 em 2 anos (enfim, não estamos na Grécia Antiga, mas estamos seguramente muito longe dos mandatos de 5 anos; no Senado é diferente por razões que não interessa agora abordar, o que assegura ainda mais essa proximidade entre o eleito e o eleitor.
Em Portugal e em geral nos países onde os deputados são eleitos em listas fechadas organizadas pelos aparelhos partidários, os mandatos pertencem politicamente aos partidos.
Desta dus formas de encarar a representação parlamentar decorrem consequências muito diferentes. Em Portugal, o deputado não tem independência política e não é responsavel perante o eleitor.Não sendo responsável não é independente do executivo, nem o controla. Pelo contrário, é o executivo, apoiado na sua maioria parlamentar, que controla o legislativo.
Por isso, é que há hoje quem diga que a democracia representativa está muito desvirtuada, e que o regime em que vivemos é o de oligarquia partidária.
Não quero entrar por ai, pelo menos com esta facilidade, mas quero sublinhar que a maioria absoluta de um só partido, tal como a democracia representativa hoje é vivida - domínio completo dos aparelhos partidários sobre os deputados, mandato incondicionado, etc. - constitui a fórmula moderna do poder absoluto, assente em procedimentos de legitimação normalmente aceites.
Portanto, meu Caro Amigo, não há o risco de eu defender as teses dos conservadores americanos, que, de resto, nem sequer são bem as que refere, mas outras muito mais perigosas. Eu defendo sempre o mesmo: o aprofundamento a democracia, porque acredito que do seu aprofundamento resultará o outro "valor" que o simples liberalismo tende a desprezar: a igualdade...
JMCPinto