quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

TEMPOS COMPLICADOS E TEMPOS DE FAIT DIVERS




O CRESPO E O DÉFICE

Tenho alguma dificuldade em acompanhar a indignação que por aí vai em certos sectores da esquerda a propósito do “caso Crespo”. Já abordei o assunto a um outro nível. Mas vou ter de o fazer directamente para ser mais bem compreendido.
Crespo não me merece politicamente nenhuma consideração: é um reaccionário melífluo seduzido pelo neoconservadorismo americano ( prefaciador apologético da tradução portuguesa de um dos papas da doutrina); é subserviente, atento, venerador e obrigado perante a direita e, além disso, muitas vezes mal preparado. Sem que me interesse muito saber se essa impreparação é ignorância ou se é pura militância.
Portanto, o seu jornalismo não me agrada e as suas “qualidades” não me cativam. O jornalismo não me agrada pela orientação da mensagem, nem pela sua qualidade. E quando não me agrada por esta última razão, eu convivo muito bem sem ele. Se fosse americano, ou mesmo sendo português, de modo algum me ocorreria defender a Fox News contra uma hipotética pressão oriunda de meios com os quais me não identifico. Por outro lado, o tom reverente e untuoso com que se prostra perante os ícones da direita ofende a minha imagem de marca.
Nunca apoiarei Crespo, Moura Guedes ou Moniz apenas por discordar ou detestar a política de Sócrates.
O meu problema é outro: todos os dias, nas televisões, nos jornais, nas rádios, o que se ouve é sempre e só a voz do sistema, com mais ou menos Crespo, sem que nos grandes debates esteja presente uma voz alternativa. As questiúnculas internas do sistema não alimentam a minha vontade de intervenção política, nem tomo partido sobre elas. A minha preocupação vai contra esta sistemática discriminação, aceite como coisa mais natural deste mundo. Interessa-me o conteúdo da liberdade de expressão e não apenas a forma.
Interessa-me muito mais um debate sobre a crise económica (financeira deixou de ser, porque eles, impunes, já estão a ganhar mais do que antes), sobre a dívida, sobre o défice e, acima de tudo, sobre o emprego do que um debate sobre o Crespo!
Grave, muito grave, é ouvir sem contestação na RTP, num programa de grande audiência, um dirigente de uma associação empresarial advogar o desemprego em grande escala como solução para a crise económica. Ou ouvir a indignação de um cervejeiro por não ter sido chamado a colaborar no Orçamento de Estado. Isto sim, isto é que me preocupa.
E preocupa-me, não por ter sido dito por quem foi – isso não teria grande importância –, mas por aquilo que eles abertamente disseram na sua naïveté política corresponder ponto por ponto ao que outros têm sibilinamente advogado com as suas teorizações sobre a crise.
Preocupa-me que problema do emprego não constitua uma questão ideologicamente dominante na discussão do défice e da dívida. E preocupa-me que a crise esteja a facilitar o agravamento da desigualdade social e não o contrário.
Agora, a defesa do Crespo, do Moniz e da Moura Guedes deixo para o Daniel Oliveira, que também defende a burka, e para o Pacheco Pereira que passou directamente do estalinismo para o neoliberalismo.

5 comentários:

  1. Que maravilha, Zé Manel...
    Que lhe não doa o pensamento.
    Belo texto de inconformismo.
    As atenções continuam num desvio quase estudado, premeditado...
    Abraço
    :))

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  2. Se conseguíssemos deixar a emotividade entre parêntesis, não teríamos a obrigação moral de denunciarmos quaisquer atentatdos à liberdade de expressão mesmo quando, ou sobretudo quando, são os Crespos e as Moura Guedes os beliscados?
    Deixará ela (a lib. de expressão) de ser importante quando é sonegada aos nossos adversários ou inimigos?
    Que farias no lugar do Leite Pereira?

    Manuel Correia

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  3. Meu Caro Manuel Correia

    No lugar do Leite Pereira não teria deixado publicar certas crónicas anteriores. Insultuosas. Podem fazer-se todas as denúncias, todas as críticas, por mais contundentes que sejam, mas não é necessário insultar os visados. E depois há um outro aspecto que não é irrelevante: o Crespo é untuoso com certos senhores da direita, alguns vindos do salazarismo. Esta atitude torna o agravo gratuíto muito mais inaceitável.
    Eu não li o artigo do Crespo (o tal). Desagradou-me o tom insultuoso e até um pouco boçal que usou em artigos anteriores. Por isso deixei de o ler há muito tempo. Mas ouvi o que se passou. E depreendi que o tal artigo era uma notícia muito adjectivada. Aliás, a conversa do Crespo na TV (que ouvi) tinha uma parte, a mais importante, que não opinativa, mas noticiosa - relatava um facto - logo, acho normal que um jornal imponha certas regras para o tratamento de factos, não permitindo a sua notícia sem o cumprimento dessas regras.´
    Nós nos blogues também fazemos isso quando relatámos factos. Eu faço!
    JMCPinto

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  4. Hoje, Correia Pinto, não consigo estar em desacordo.

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  5. Louvo-lhe a indiferença a Crespo. Invejo-o por isso. A mim faz-me nervoso não encontrar o botão do zap mais depressa.

    Valeu esta descoberta que fiz.

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