ALGUNS ESCLARECIMENTOS
Vê-se pelos comentários deste e doutros blogues, inclusive estrangeiros – franceses e espanhóis, principalmente – que alguns leitores não concordam com uma análise que responsabilize preferencialmente a Alemanha pelo modo como lidou com a crise grega. E aduzem em defesa dos seus pontos de vista os hábitos gastadores dos cidadãos dos Estados deficitários e endividados (restaurantes, férias, casas, etc.) e a pouca-vergonha que se passa no plano público quanto à forma como dinheiro é gasto pelos governos, regiões e autarquias.
Tudo isto é indiscutivelmente verdade e nem sequer é preciso procurar muito para encontrar exemplos que a todo o momento confirmam aquelas afirmações. Só que, infelizmente, a questão é mais profunda.
Comecemos pelo endividamento privado, de que quase ninguém fala, mas que é, em muitos países, muito mais elevado e mais grave do que o público. Basta dizer que em Espanha, por exemplo, a dívida privada é de 280% do PIB, enquanto a pública, apesar de ter subido muito nestes últimos dois anos, nem sequer atingiu ainda os 70%.
Como se viu nos Estados Unidos, o endividamento privado, ou dito de outra maneira, a concessão indiscriminada de crédito às famílias e os “malabarismos” financeiros que a partir desses créditos se fizeram é que estão na origem da crise financeira que desencadeou, qual efeito tsunami, a crise económica em que hoje estamos mergulhados.
As causas continuam a ser muito discutidas e vão desde explicações pretensamente científicas (os modelos com que a Reserva Federal actuava não comportavam todas as variantes que a realidade acabou por demonstrar existirem) dadas por aqueles que tem grande responsabilidade no que se passou (como Allan Greenspan), passando pela falta de regulamentação e supervisão adequadas do sector financeiro (o que evidentemente não existiu, nem existe), até à explicação mais substancial que somente alguns querem aceitar e outros teimam em fazer de conta que não vêem: no capitalismo moderno (financeiro e especulativo) acentuou-se gravemente a desigualdade de distribuição de rendimentos, tendo esta desigualdade, fatal a prazo para a economia, sido suprida por uma aparente democratização do crédito. Como era necessário aumentar permanentemente os níveis de procura, a ausência de rendimentos próprios só poderia ser colmatada por uma agressiva política de concessão de crédito ao consumo e à habitação. Daí o endividamento privado… (ver, já em francês, de Joseph Stiglitz, Le triomphe de la Cupidité)
No endividamento público há, como todos sabemos, muitas asneiras e, pior do que isso, vigarices, sempre acobertadas por conceitos pomposos como “project finance”, “engenharia financeira”, “parcerias público-privadas” e outras balelas do género, mas mesmo que tivesse havido outro rigor, como nem todas as economias da zona euro partiram do mesmo nível de competitividade, os condicionalismos ligados à criação da moeda única criaram e criam constrangimentos insuperáveis a muitas delas, que não conseguem crescer, ou que, quando crescem, crescem a um ritmo muito mais lento do que o crescimento do seu endividamento, ou que, ainda pior, crescem com base em “borbulhas especulativas”, como foi o caso da Espanha, que, quando rebentam, colocam a respectiva economia em níveis de competitividade ainda mais baixos do que aqueles em que estavam, quando entraram.
A agravar esta situação, já de si pouco recomendável, a crise económica que os Estados tiveram de suportar.
E é neste contexto que ninguém compreende que tendo o BCE prodigalizado biliões de euros a custo quase zero aos bancos da zona euro para lhes assegurar liquidez e para lhes evitar a falência por cessação de pagamentos não haja nessa mesma zona quem, numa situação de emergência, queira emprestar dinheiro à Grécia para refinanciar a sua dívida a juros aceitáveis.
Para os bancos havia dinheiro a custo zero, para a Grécia só há – se houver – a 6,246%! É disto que se trata e nada mais: não se trata de dar dinheiro. Trata-se de emprestar dinheiro a juro aceitável (cerca de metade do que paga agora), porque se a Grécia continuar a pagar juros a este preço não há PEC que lhe valha por mais brutal que seja. Tudo o que por via dele poupa vai inteirinho para pagar aos especuladores.
E quem está a ganhar com esta situação é a Alemanha, a dois “carinhos”: primeiro, porque aumentou consideravelmente as suas exportações para a zona euro, hoje destinatária de dois terços das exportações alemãs e segundo, porque são os seus bancos que emprestam, acima do dobro do que paga a Alemanha, o dinheiro à Grécia e a outros países endividados para com esse dinheiro, embora não inteiramente, eles pagarem os excedentes alemães!
Isto dentro da Europa. Fora da Europa, melhor, nas relações da Europa com os outros espaços económicos está a outra causa, porventura a causa profunda, do endividamento europeu. Por isso a China diz que a Grécia não passa da ponta do iceberg. E tem razão. Mas esta grave disparidade também tinha solução. Só que o capital não deixa. Fica para outra conversa…
Vê-se pelos comentários deste e doutros blogues, inclusive estrangeiros – franceses e espanhóis, principalmente – que alguns leitores não concordam com uma análise que responsabilize preferencialmente a Alemanha pelo modo como lidou com a crise grega. E aduzem em defesa dos seus pontos de vista os hábitos gastadores dos cidadãos dos Estados deficitários e endividados (restaurantes, férias, casas, etc.) e a pouca-vergonha que se passa no plano público quanto à forma como dinheiro é gasto pelos governos, regiões e autarquias.
Tudo isto é indiscutivelmente verdade e nem sequer é preciso procurar muito para encontrar exemplos que a todo o momento confirmam aquelas afirmações. Só que, infelizmente, a questão é mais profunda.
Comecemos pelo endividamento privado, de que quase ninguém fala, mas que é, em muitos países, muito mais elevado e mais grave do que o público. Basta dizer que em Espanha, por exemplo, a dívida privada é de 280% do PIB, enquanto a pública, apesar de ter subido muito nestes últimos dois anos, nem sequer atingiu ainda os 70%.
Como se viu nos Estados Unidos, o endividamento privado, ou dito de outra maneira, a concessão indiscriminada de crédito às famílias e os “malabarismos” financeiros que a partir desses créditos se fizeram é que estão na origem da crise financeira que desencadeou, qual efeito tsunami, a crise económica em que hoje estamos mergulhados.
As causas continuam a ser muito discutidas e vão desde explicações pretensamente científicas (os modelos com que a Reserva Federal actuava não comportavam todas as variantes que a realidade acabou por demonstrar existirem) dadas por aqueles que tem grande responsabilidade no que se passou (como Allan Greenspan), passando pela falta de regulamentação e supervisão adequadas do sector financeiro (o que evidentemente não existiu, nem existe), até à explicação mais substancial que somente alguns querem aceitar e outros teimam em fazer de conta que não vêem: no capitalismo moderno (financeiro e especulativo) acentuou-se gravemente a desigualdade de distribuição de rendimentos, tendo esta desigualdade, fatal a prazo para a economia, sido suprida por uma aparente democratização do crédito. Como era necessário aumentar permanentemente os níveis de procura, a ausência de rendimentos próprios só poderia ser colmatada por uma agressiva política de concessão de crédito ao consumo e à habitação. Daí o endividamento privado… (ver, já em francês, de Joseph Stiglitz, Le triomphe de la Cupidité)
No endividamento público há, como todos sabemos, muitas asneiras e, pior do que isso, vigarices, sempre acobertadas por conceitos pomposos como “project finance”, “engenharia financeira”, “parcerias público-privadas” e outras balelas do género, mas mesmo que tivesse havido outro rigor, como nem todas as economias da zona euro partiram do mesmo nível de competitividade, os condicionalismos ligados à criação da moeda única criaram e criam constrangimentos insuperáveis a muitas delas, que não conseguem crescer, ou que, quando crescem, crescem a um ritmo muito mais lento do que o crescimento do seu endividamento, ou que, ainda pior, crescem com base em “borbulhas especulativas”, como foi o caso da Espanha, que, quando rebentam, colocam a respectiva economia em níveis de competitividade ainda mais baixos do que aqueles em que estavam, quando entraram.
A agravar esta situação, já de si pouco recomendável, a crise económica que os Estados tiveram de suportar.
E é neste contexto que ninguém compreende que tendo o BCE prodigalizado biliões de euros a custo quase zero aos bancos da zona euro para lhes assegurar liquidez e para lhes evitar a falência por cessação de pagamentos não haja nessa mesma zona quem, numa situação de emergência, queira emprestar dinheiro à Grécia para refinanciar a sua dívida a juros aceitáveis.
Para os bancos havia dinheiro a custo zero, para a Grécia só há – se houver – a 6,246%! É disto que se trata e nada mais: não se trata de dar dinheiro. Trata-se de emprestar dinheiro a juro aceitável (cerca de metade do que paga agora), porque se a Grécia continuar a pagar juros a este preço não há PEC que lhe valha por mais brutal que seja. Tudo o que por via dele poupa vai inteirinho para pagar aos especuladores.
E quem está a ganhar com esta situação é a Alemanha, a dois “carinhos”: primeiro, porque aumentou consideravelmente as suas exportações para a zona euro, hoje destinatária de dois terços das exportações alemãs e segundo, porque são os seus bancos que emprestam, acima do dobro do que paga a Alemanha, o dinheiro à Grécia e a outros países endividados para com esse dinheiro, embora não inteiramente, eles pagarem os excedentes alemães!
Isto dentro da Europa. Fora da Europa, melhor, nas relações da Europa com os outros espaços económicos está a outra causa, porventura a causa profunda, do endividamento europeu. Por isso a China diz que a Grécia não passa da ponta do iceberg. E tem razão. Mas esta grave disparidade também tinha solução. Só que o capital não deixa. Fica para outra conversa…
sim, concordo consigo.
ResponderEliminarvai chegar a Portugal, esta tormenta. a portugal, itália, irlanda e espanha. e o prob do crédito imob mal parado ainda n se manifestou. ai ai
Não há nenhum programa de ajustamento estrutural que permita libertar receitas correntes do Estado grego para pagar taxa de juro de mais de 6%. Com elas, o programa de ajustamento está condenado ao fracasso.
ResponderEliminarÉ preciso uma combinação entre políticas de financiamento e de ajustamento para resolver o défice da balança de transacções correntes. Quanto ao financiamento, é preciso ajuda com outras taxas de juro. Mas essas taxas de juro só são praticadas por organismos oficiais como o FMI. Só que a contrapartida a essas taxas de juro é a imposição de um programa de ajustamento; que pode não ser o que mais interesse aos gregos e à União Europeia.
Gostei do que li. Continuação de boas reflexões.
Rui Monteiro