sexta-feira, 9 de abril de 2010

O "MENSALÃO" E AS COLIGAÇÕES À NOSSA MODA




A CORRUPÇÃO SEM HIPOCRISIA E A DEFESA DO "INTERESSE NACIONAL"

Em 2005, no decurso das investigações levadas a cabo por uma comissão parlamentar de inquérito (a CPI dos Correios) rebentou no Brasil o escândalo do “mensalão”. O PT ( o partido do Presidente) e os seus escassos aliados de então não tinham na Câmara dos Deputados votos suficientes para fazer passar as propostas do Executivo. Num sistema político como o brasileiro, sem obediência partidária e de grande liberdade de actuação individual dos eleitos, de pouco adiantaria a negociação de uma coligação entre as cúpulas partidárias, de resto também elas por vezes divididas, ou de um simples acordo de base parlamentar, se depois não houvesse os meios para assegurar a eficácia desses acordos no Congresso, principalmente na Câmara baixa.
Daí que a engenhosidade muito própria da política brasileira tenha encontrado um sucedâneo muito mais eficaz do que as coligações ou os acordos interpartidários, em princípio infalível, por ser do interesse das partes mantê-lo secreto e actuante. Consistia tal sucedâneo na compra dos votos necessários para assegurar a aprovação dos projectos submetidos à Câmara, mediante uma remuneração mensal aos deputados “coligados”.
Tudo corria bem e com muita fidelidade aos compromissos assumidos quando, no decurso da tal investigação parlamentar relativa aos correios, se veio a tomar conhecimento de que havia dinheiro de empresas públicas desviado para pagar “mensalidades” a deputados. De descoberta em descoberta veio a saber-se que aquelas “mensalidades” se destinavam a pagar a compra de votos e a conhecer-se a rede tentacular que em diversas empresas públicas angariava os fundos necessários para assegurar aquelas “recompensas”, tendo ficado sempre a suspeita de que alguém terá falado por falta de pagamento pontual dos montantes acordados.
Esta é uma “coligação” à brasileira. O fim, em si, não era reprovável. Os projectos do executivo, como os dois mandatos de Lula amplamente demonstram, justificavam-se por si. O chamado interesse geral, nomeadamente o interesse de muitos e muitos milhões secularmente descriminados, animava a maior parte deles. Os meios…bem os meios eram os menos onerosos que se poderiam inventar para alcançar fins tão respeitáveis.
Descobertos os meandros do “negócio” não havia mais hipótese de o manter. Os autores da ideia, os seus executores e os deputados “coligados” foram punidos política e criminalmente. Não todos, apenas alguns. E por aqui se ficou.
Nas coligações à nossa moda tudo se passa de forma muito diferente. Em primeiro lugar, o que as determina é o “interesse nacional”. O “interesse nacional” está tão sacralizado para os nossos políticos que eles até são capazes de se entender em homenagem a esse mesmo interesse apesar de na véspera se terem insultado asperamente num debate televisivo.
É também o “interesse nacional” que determina a escolha das pastas pelo partido eleitoralmente mais fraco da coligação. É o “interesse nacional” que leva esse partido a pedir as pastas onde haja em vias de concretização relevantes negócios para a “salus populi” ou onde haja um orçamento bem nutrido ou por onde passem os negócios de empresas indispensáveis à salvaguarda do “interesse nacional”.
Depois, a coligação passa e fica um rasto de casinos, sobreiros, submarinos… e o mais que a gente não sabe…
Mas eles continuam cá, preparados para voltar a defender o “interesse nacional”.

3 comentários:

  1. Caros amigos
    Excelente post.
    Será também no INTERESSE NACIONAL, que teremos de rápidamente encontar soluções para acabar com este fartar vilanagem que há tantos anos nos envergonha enquanto País, e que de forma inadmissivel vai comprometendo o futuro das próximas gerações.

    ResponderEliminar
  2. 1.É provável que haja alguma parte de verdade no que diz sobre o mensalão brasileiro. No entanto, as condenações até agora consumadas são escassas e é também nítido que uma parte do grande ruído comunicacional ocorrido resultou de uma tentativa desesperada (e falhada) da direita brasileira de evitar o segundo mandato de Lula.

    2. Associo-me a um juízo positivo quanto à qualidade da sua postagem, considerando adequado o tipo de abordagem que o seu texto reflecte.
    Todavia não posso deixar de o comparar com outros, também da sua autoria, que comentaram episódios socráticos de uma materialidade, evidência e importância bem menores, mas que surgiram revestidos de uma agressividade bem maior.

    ResponderEliminar
  3. A este propósito eu evocaria, com sua licença, o paradoxo EDP, que é produção e distribuição de energia, mas também uma grande diversidade de actividades de elevados potenciais lucrativos. Quando a empresa realiza lucros, a parte que o accionista Estado realiza em dividendos é Receita do Orçamento do Estado, por definição afectada à satisfação dos interesses públicos prosseguidos através da Despesa.
    Por isso, não me parece correcto misturar as aptidões gestionárias do Sr. Mexia, porventura meritórias (devendo ser recompensadas), com a questão da medida dessa recompensa e, porventura não menos importante, a das condições de elegibilidade para o exercício de funções de gestor por nomeação governamental.
    Sendo a participação pública no capital da empresa justificada, desde logo, pela dimensão pública de muitos dos interesses prossegidos por ela (os que são condicionados por "Entidades Reguladoras" que têm por fim impedir o livre jogo do mercado), pareceria coerente harmonizar essa lógica de interesse público com os critérios de remuneração dos gestores que chamou (também para não se perderem de vista esses interesses públicos?).
    Como? Desde logo excluindo ou condicionando estreitamente a sua ligação a variáveis em nada dependentes dos méritos do gestor (por mera jogo dos mercados, por exemplo) em alternativa à impensável clausulação de que deles pudesse ser exigida, na mesma proporção, uma compensação pelas depreciações não ligadas à gestão, no caso de exercícios negativos...
    Depois, impor transparência aos critérios, quer da medida da remuneração, quer da medida e LIMITES dos "prémios", uns e outros devendo reflectir a realidade do país e não a de OUTROS PAÍSES ou meios financeiros, cuja opulência lembra o Xeque do Brunei.
    No nosso caso a imoralidade será gritante sempre que os "modestos" prémios revertessem parcialmente para o Eatado através dos lucros, a redistribuir em despesa.
    Mas para mim a questão central está na amoralidade republicana da nomeação de ex-governantes para principescos lugares de gestores, no caso com um sugestivo colorido salmão, entre o laranja e o rosa.
    A promiscuidade que advém de um potencial de "vasos comunicantes" é fortemente sugerida pela frequência com que grandes interesses aparecem obscuramente ligados a altos governantes, e cuja averiguação se salda em impasses: sempre só fumo artificial fabricado por execráveis conspiradores decididos a desacreditar o Estado de Direito democrático?
    Muito me custaria a acreditar na tese de alguns que insinuam que, através dessas afinidades cúmplices, funcionaria uma eficiente lavandaria de dinheiro para financiamento partidário, tal a perversidade da coisa, e por me custar ainda mais a acreditar que o PGR Pinto Monteiro e a tão proficiente PGA Cândida deixassem escapar as evidência disso.
    Impressiona entretanto que no nosso País apenas se prove o fumo e que as instituições vocacionadas para o efeito se arrastem penosamente num inconcludente "non liquet" sobre incendiários e fumígenos.
    Na geométrica Alemanha o Chanceler Kohl declinou mentir ou inculpar, mas saíu envolvido pelo ensurdecedor ruído do silêncio.
    Se parece que por vezes se passa por prostíbulos sem se ser prostituta - "Belle de Jour" - acontece há milénios que se sabe que à mulher de César não basta a presunção de inocência para que a República a não condene.
    Parece que só em Aveiro se encontraram uns chamiços... bons para grelhar carapaus e, quem sabe, para queimar os dedos.

    jlsc
    'corruptisima re publica plurimae leges' (Terêncio)

    ResponderEliminar