AS DUAS PERSPECTIVAS
Quem ouvir a maior parte dos nossos economistas, desses a que me tenho aqui frequentemente referido como não sabendo nada de economia e que dela têm, enquanto ciência, uma visão puramente ideológica, fica convencido de que a crise do euro assenta ou tem as suas causas na crise da dívida. O euro está em dificuldade, porque esses irresponsáveis países do Sul gastam muito mais do que aquilo que produzem, endividam-se muito acima das suas posses, estão à beira da falência e é esse estado de coisas que arrasta a moeda europeia para uma situação crítica. Ponto de vista igualmente sufragado pelos austeros países do norte e até pelo ministro das finanças da Bélgica que, como se sabe, tem uma dívida pública muito superior ao PIB.
Mas há outra perspectiva: outra maneira de ver as coisas. As dificuldades da Europa não resultam da dívida, a dívida é que resulta das dificuldades da Europa, desde logo da criação de uma moeda única sem que estivessem reunidos os requisitos mínimos indispensáveis para a sua existência!
Como a maioria das pessoas hoje já reconhece, embora só muito recentemente os “entendidos” tivessem começado a ser sensíveis a alguns argumentos, a moeda única pressupõe economias com o mesmo grau de competitividade, um mercado de trabalho que permita sem dificuldades a deslocação dos trabalhadores de uma região para outra e uma política económica e social comum. Quando a competitividade de alguns fica muito abaixo da média do conjunto, a moeda única não estaria de todo excluída se assentasse, além dos requisitos acima indicados, num orçamento federal digno desse nome e numa política de solidariedade semelhante àquela que ocorre nos estados federais ou regionais.
Não foi nada disso o que aconteceu. A moeda única foi criada como contrapartida política da reunificação alemã e deixou o seu futuro entregue a um pacto repressivo. E claro, ao fim de dez anos as consequências estão à vista. Houve Estados que nunca mais cresceram, perderam competitividade, endividaram-se e acumularam défices. Outros, os mais competitivos, compensaram no interior da União Europeia a perda de competitividade relativamente a Estados terceiros, nomeadamente emergentes. Os superavides destes são os défices dos outros.
Quando a moeda foi criada nenhum dos economistas que entre nós agora se manifesta alertou na altura para as possíveis consequências da adesão ao euro. Pelo contrário, de Cavaco aos demais só se ouvia falar em estar no “pelotão da frente”!
Esta constatação não desculpa os graves erros cometidos na condução da economia portuguesa, pelos banqueiros (que só querem o lucro), pelos empresários (que só querem o apoio do Estado) e pelos governos (que só querem o apoio de uns e de outros para se manterem no poder), nem tão pouco significa que Portugal possa sequer encarar a hipótese de abandonar a moeda única.
Se ela se aguenta ou não, é outra questão. Aparentemente tudo aponta no sentido de que a continuação desta política europeia é incompatível com a manutenção da moeda única. O reforço das medidas repressivas, a estratégia recessiva, o aumento constante do desemprego e a queda continuada do rendimento, o favorecimento da especulação financeira, só pode trazer mais crise e falências em cadeia, inclusive dos próprios Estados.
A alternativa passa por uma rígida regulamentação dos mercados financeiros, um reforço da competitividade dos países mais endividados, pela existência de um orçamento federal, por uma política económica e social comum, por uma mais equitativa distribuição da riqueza. Ou seja, exactamente o contrário de tudo aquilo que a hegemonia do capital financeiro e especulativo propõe e pratica.
O mais provável, melhor dizendo, o mais certo, se não houver uma resistência generalizada que recorra a todos os meios ao seu alcance para impedir as políticas em curso, é que o capital financeiro, seus aliados e representantes façam os salários, nomeadamente os mais baixos, pagar os juros da dívida e do défice até ao limite das possibilidades de sacrifício exigível, sem que esta via constitua uma solução nem para nós, nem para a Grécia, nem para a Espanha, nem para a Europa no seu conjunto.
As recentes declarações de Paul Krugman, que a direita logo se encarregou de aproveitar, descontextualizando-as, dizem exactamente o que acaba de ser referido. Desde o início da criação da moeda única que Krugman vinha alertando para o que agora se está a passar. Ou seja, que a mesma moeda aplicada a economias tão diferenciadas, sem hipótese de a diferença de competitividade entre elas poder ser vencida por via da desvalorização da moeda, iria inelutavelmente reflectir-se nos salários. Porém, as diferenças são tão grandes que só reduções salariais absolutamente incomportáveis as poderiam atenuar, sem que, contudo, os efeitos recessivos de tais medidas, no plano interno, pudessem ser compensados por um aumento das exportações.
A via, portanto, tem de ser outra!
Sendo as regras do sistema o que são, haverá alternativa à redução dos salários nominais (dos reais na hipótese sem euro)? Aqui há uma "dificuldade"; Estando as famílias (e não só), cujo rendimento depende dos salários, fortemente endividadas, que acontecerá aos credores, nomeadamente aos bancos? E, na hipótese de saída do euro, em que moeda ficavam tituladas essas dívidas, no euro ou na nova moeda nacional e, neste caso, com que taxa e naquele caso (divida em euro exterior) quem suportava a diferença cambial? Um imbróglio!!
ResponderEliminarSabia-se, quando da adesão, que o euro funcionaria para nós como um sistema-ouro e não se tiraram daí as ilações correspondentes. Podemos admitir todo o tipo de teorias, inclusive as mais ou menos conspirativas, chegaremos sempre à conclusão de fomos mal governados, basicamente uma ilusão consumista combinada com investimentos sem critério, tudo temperado com corrupção. Nas férias da Pascoa dei uma volta pelo Douro, passei pela estrada que vai ser substituída pela auto-estrada de Foz-Coa a Celorico, uma lição inesperada sobre o desatino nacional!!
Anónimo 24 de Maio de 2010 15:13,
ResponderEliminarilustrar o desatino nacional com uma auto-estrada, num tempo em que o governo anda com uma sanha tremenda em pôr portagens em algumas SCUT, não sei se é o melhor exemplo.
Já é bem melhor exemplo de desatino a desculpa que a existência das SCUT forneceu para que o Estado pagasse altíssimas verbas às suas concessionárias sem vir a terreiro justificar tais despesas com, nomeadamente, o nº de carros que passaram em cada via em determinado período (conforme os governos de Guterres prometeram que o Estado faria).
Espero que não seja daqueles que colam, nesta matéria, ao princípio do "utilizador, pagador". É que, se ver bem, a maior parte do alcatrão está colocado em estradas que não têm portagens, de norte a sul do país. Ruas, avenidas, estradas nacionais ...
Para além disso, há auto-estradas sem portagens noutros países da UE, e não se ouve falar em que essas mesmas estradas passarão a ter portagem, mesmo com esta crise. Porque será?
Nestas coisas das obras públicas, lembro-me logo do General Almeida Bruno, de João Cravinho, da antiga JAE, etc ... Mais me parece que os governos acham mais fácil por portagens nas estradas que pôr o lobbie das obras públicas nos eixos.
Caro J. Almeida
ResponderEliminarO exemplo não será o mais feliz, foi o que me ocorreu dada a proximidade de ter visto a "obra" . No entanto, não deixa de ser um exemplo: O tráfego não justifica o custo que todos vamos suportar e não é por ela que a região vai resolver ou minorar sequer os problemas que tem. Quanto ao princípio do utilizador sempre concordará que o principio não deixa de ter alguma lógica embora possa conduzir a sérias disfunções sociais. certas aberrações. Para acabar, nisto das SCUTS penso que o problema está sobretudo na ausência de um critério que, independentemente das nossas conveniências particulares, fosse relativamente inquestionável.Não é isso que tem acontecido. A fixação desta categoria de equipamentos tem sido ao sabor do tacitismo político/eleitoral, tudo começõu, como se lembrará, com a do Algarve, depois foi o Guterres a fazer figura de "um Beirão como vocês" etc. etc. Poderio ainda dar-lhe outro exemplo: Em Agosto fiz, às 10h, o percurso Mirandela-Bragança; não me cruzei nem fui ultrapassado por qualquer outra viatura. Justifica uma AE? Bom, nos Emiratos talvez..