AS VIAS QUE NINGUÉM QUER TRILHAR
Refiro-me à crise da dívida. De facto, a única questão verdadeiramente importante. Que o Dr. Mário Soares diga que Sócrates cometeu um erro que lhe pode ser fatal, é assunto que não me interessa mesmo nada. Apenas registo o facto de os velhos se terem tornado cada vez mais vingativos. Provavelmente porque se crêem eternos.
Voltemos à crise. O modo mais fácil de analisar e de dissertar sobre ela é atribuir as culpas a quem está em dificuldades. E depois, mais concretamente, a quem governou e governa.
Mas vamos admitir que a situação interna dos países em dificuldades poderia ser outra, bem melhor: sem défice e sem dívida. Se esse fosse o caso, a questão sobre a qual interessaria ter a certeza era se as dificuldades por que agora estão passando aqueles que as sentem não as estariam passando outros. Se a resposta for positiva, então o que interessa averiguar é a raiz do problema: o que está estruturalmente mal e que medidas podem ser tomadas para corrigir esse”desajustamento estrutural”.
Antes de prosseguir é preciso dizer que não fará qualquer sentido uma resposta do género: “Com o mal dos outros posso eu bem”, ou qualquer outra semelhante. Porque no conjunto em que estamos inseridos, em caso de crise aguda, como a actual, só se pode falar nos “outros”, como algo diferente de nós, muito conjunturalmente. A sorte de cada um (dentro do conjunto) está ligada à sorte dos demais.
Antigamente, ainda há não há muito tempo, antes da criação de um grande mercado comum e antes da criação da moeda única, cada um dos países que agora a integram tinha (com excepção do Luxemburgo) a sua moeda nacional. E actuava com base nela (e com base noutros instrumentos) para manter um certo equilíbrio das suas contas públicas e privadas. Quando algum desajustamento mais grave ocorria (e suscitava uma crise de divisas), o Estado em questão, além de ter de recorrer a empréstimos externos, tentava resolver o problema diminuindo as importações e aumentando as exportações. Taxava mais pesadamente os bens importados (política que está na origem de muitos conflitos) e barateava os bens exportados, principalmente recorrendo à desvalorização da moeda, à inflação e a cortes salariais. Objectivo era voltar a crescer, ter mais divisas, voltar a redistribuir alguns rendimentos, aumentar a procura e por ai adiante até se reencontrar algum equilíbrio. É preciso dizer que a lógica económica do salazarismo foi outra completamente diferente, assente naquilo a que alguns mais tarde chamarão estagflação. Por isso é que os elogios de Rui Ramos ao ditador e à sua política o situam naquilo a que com toda a propriedade se poderia chamar “um atraso de vida”. Mas deixemos o Rui Ramos para outra altura...
Depois da criação da moeda única, deixou de haver o problema das divisas. A crise das divisas foi substituída pela crise da dívida.
Agora há um grande mercado livre dentro do qual actuam dezasseis países com uma moeda comum. O que obviamente foi acontecendo é quem não era competitivo em determinadas áreas foi tendo gradualmente de as abandonar. E à medida que a esta falta de competitividade foi alastrando cada vez foi maior o número de áreas abandonadas e os paises que sofreram estas consequências foram-se virando para as tais actividades não transaccionáveis. O conceito é um pouco estúpido – é dos economistas – até porque muitos desses bens são transaccionáveis. O com isto se quer dizer é que se trata de bens que não podem trocar-se no comércio internacional.
E a verdade é que alguns países construiram “em cima” dos tais bens não transaccionáveis uma prosperidade aparentemente invejável, com aumentos salariais notáveis, grande crescimento da procura, muito recurso ao crédito, uma grande dívida, principalmente privada, de tal modo que, quando o crédito se contraiu por força de uma crise financeira - imputável a instituições que assentavam a sua prosperidade numa base ainda mais falsa do que esta - o “tombo” dos que estavam na tal situação atrás descrita foi e é tanto maior quanto maior parecia ser a sua prosperidade (como é o caso da Espanha).
Por isso é que é completamente errado dizer, conmo disse na semanna passada Josep Borrell, que a crie na Grécia ocorreu por causa o défice, enquanto na Espanha o défice ocorreu por causa da dívida. A causa remota da crise num e noutro país é a mesma. Assim como a de Portugal e a de outros daqui a mais algum tempo. As causas da crise são comuns a todos.
E só há duas formas de sair desta crise: uma, é rejeitar a dívida ou parte dela e sair do euro. Já se sabe que consequências isto tem. Vai ser uma saída dramática para muita gente, mas em termos nacionais pode ter um relativo êxito. Não comparável, em qualquer caso, ao da Argentina, porque Portugal não as mesmas potencialidades. Mas já não é verdade que os bancos tenham necessariamente de ir para a falência. Agora, o que não podem é pagar a dívida que têm no exterior.
A outra, é a Alemanha e outros que têm tirado grandes vantagens do euro (apenas mais dois ou três) apostarem na criação de mecanismos compensatórios – Stiglitz chama-lhes fundos de solidariedade para esbater as diferenças – e de natureza federal para salvar o euro.
Uma coisa é certa: o caminho que está a ser seguido não leva a qualquer solução e quanto mais tempo nele se persistir, pior, quer sejam apenas os trabalhadores a pagar (como muito provavelmente vai acontecer), quer uma parte considerável do ónus recaia também sobre os ricos (o que dificilmente acontecerá).
Sem crescimento e sem emprego ninguém consegue pagar o que deve. A recessão e a austeridade apenas agravam a dívida e a situação geral do país.
Se os países em dificuldades fossem um pouquinho mais racionais, às vezes até são mais irracionais do que os animais, já tinham abertamente conversado entre si e traçado uma estratégia conjunta. Mas não, o que eles verdadeiramente gostam é que se diga que eles não são a Grécia. Imbecis! Se aquela estratégia fosse bem conduzida, por verdadeiros estadistas, a Alemanha começaria a sentir as “barbas a arder”...Assim, é ela que vai impondo, tal como no modelo colonial e neo-colonial, as condições que garantam e mantenham a actual degradação da relação de troca...
Ignorância a minha, mas não percebo como se pode repudiar a dívida, que já vi defendida num outro sítio, sem abrir um conflito com os credores? E nessa hipótese, admitindo que os credores são pacíficos, quem emprestava no dia seguinte para comprar alimentos e combustíveis? Não era melhor pedir o perdão da mesma?
ResponderEliminarLG
O repúdio da dívida chama-se na linguagem moderna reestruturação. Já muitos, na América Latina, o fizeram. E se não foram mais longe foi porque os credores, ou os Estados a que eles pertencem, não deixaram. Ou seja: encontraram soluções para o devedor, atendendo ao interesse deste.
ResponderEliminarO que aqui se propõe não é o repúdio. Verdadeiramente do que se fala é da ameaça que os devedores coligados já deveriam ter feito. Porque se é verdade que o devedor está nas mãos do credor não é menos verdade que o credor também está nas mãos do devedor, nomeadamente se a dívida é grande....
CP