segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A CRISE DO OCIDENTE



OS SINAIS SÃO CADA VEZ MAIS PREOCUPANTES

aqui abordámos o tema e apesar de meu colega e amigo, Horta Pinto, me ter desencorajado de o aprofundar, esmagando-me com uma citação do sapientíssimo Cutileiro, que até sabe o que pensam os milhares de milhões de chineses e muçulmanos, eu, refeito que estou do peso de tamanha erudição, volto ao tema que cada vez mais inquietantemente vai pondo a nu a incapacidade de o Ocidente ser capaz de conviver harmoniosamente com a situação que ele próprio criou.
Na América, o Tea Party, com o seu grito de revolta contra o Estado, os impostos e o socialismo, mobiliza em cada dia que passa milhares de pessoas, brancas, oriundas das camadas mais conservadoras e ignorantes, que piamente acreditam que os sectores progressistas radicais cultos, aliados às (grandes) minorias étnicas e sociais, lhes estão a roubar o país que os seus antepassados construíram.
A eleição de Obama, um preto na Casa Branca, foi a gota de água que fez transbordar o copo. A obsessão paranóica com que combatem tudo o que não represente uma rejeição inequívoca de qualquer tipo de contemporização com as “esquerdas” leva a situações impensáveis ainda há bem pouco tempo: o Governador da Florida, o conservador republicano Charlie Christ, que acalentava ambições presidenciais e era o candidato previsivelmente vitorioso para, nas próximas eleições de Novembro, ocupar um lugar no Senado, foi ostracizado e derrotado nas primárias do seu partido por Marco Rubio, branco de origem cubana, apoiado pelo Tea Party. Porquê? Porque numa visita de Obama ao Estado, ele, como anfitrião, o cumprimentou e abraçou!
Por outro lado, os neocons que inicialmente olharam para o Tea Party com alguma desconfiança aparecem agora apoiar com “rios de dinheiro” muitas das candidaturas do movimento. O mestre do jogo sujo, Karl Rove, ex-assessor de Bush e seu conhecido spin doctor, fundou uma organização com fins não lucrativos, American Crossroads, que, juntamente com a Câmara de Comércio, canaliza milhões de dólares para a campanha eleitoral, de origem completamente desconhecida, já que as organizações daquele tipo não estão obrigadas por lei a indicar a origem dos seus fundos.
Na Alemanha, Merkel pressionada pelos sectores mais reaccionários da democracia cristã e, principalmente, por largas camadas da população alemã, vem declarar o fim do multiculturalismo e lançar um sério aviso aos emigrantes, que representam cerca de 20% da população alemã, para que se integrem no país, segundo os padrões germânicos. Tal como Sarkozy, também Merkel vê nos emigrantes uma causa da decadência, a prazo, do país, embora numa linguagem politicamente mais cuidada que a de Thilo Sarrazin (Deutschland Schafft Sich Ab).
E os exemplos poderiam multiplicar-se com citações da Itália, de Berlusconi, da Holanda e até da Suécia, para não falar nos países de leste, ostensivamente racistas, e dos bálticos do sul onde elevadas percentagens da população são constituídas por não cidadãos, com a mais completa aquiescência de Bruxelas.
A perda gradual, mas inevitável, da hegemonia ocidental vai certamente gerar as maiores convulsões em todo o Ocidente. Os primeiros a ser atingidos serão os mais indefesos, os emigrantes, paradoxalmente indispensáveis, tanto na América, como na Europa, para a sustentação dos respectivos modelos económicos. Mas interessa ao Ocidente em crise, como sempre tem interessado à América, que os emigrantes existam…todavia com menos direitos, ou mesmo sem direitos. Também a este respeito as prelecções de Milton Friedman eram elucidativas sobre o que pretende o capitalismo.
Mas não são apenas estes os visados. No complexo e insustentável, a prazo, modelo de União Europeia em vigor, as consequências da crise e da perda de hegemonia tendem a repercutir-se drasticamente nos países economicamente mais fracos e depois, dentro destes e nos demais, sobre o trabalho por conta de outrem, sobre o qual recai, por todo o lado, o ónus de restaurar a prosperidade hegemónica do capitalismo ocidental…

3 comentários:

  1. Meu Caro Correia Pinto
    Quando defendo "o Ocidente" não elejo como paradigma os E.U.A. - que até considero um país pouco civilizado (pena de morte, Guantanamo, torturas, fundamentalismos evangélicos, pacovice provinciana do americano médio, Tea Party, etc.)- mas sim a Europa, a velha Europa, que produziu o Galileu, o Rousseau, o Voltaire, o Marx - sim, o Marx - e até... o Correia Pinto! (É certo que também produziu o Hitler e o Salazar, mas isso foram fenómenos esporádicos e reaccionários, isto é, que tentaram, felizmente por pouco tempo, contrariar o sentido da evolução europeia).
    Será que tu pensarias como pensas se tivesses tido o azar de nascer na China? É evidente que não. E não me digas que a culpa de a China ser como é é do Ocidente: a China sempre foi assim; do Ocidente apenas importou a tecnologia (que copiou) e o marxismo-leninismo(que "achinesou").
    Mas mesmo nos E.U.A. a verdade é que se conseguiu levar à Presidência um preto, e os Tea Parties estão na oposição (e espero que dela não saiam).
    Também acho preocupantes os sinais que te preocupam; mas, meu caro, esses sinais preocupam-nos justamente porque são contrários ao verdadeiro espírito europeu!
    Defendes o multiculturalismo. Tudo bem. Mas o multiculturalismo é uma ideia tipicamente europeia. Há multiculturalismo na China? Poderá uma europeia, no Irão, andar de mini-saia? Poderá um europeu, no mesno Irão, beber uns tintos como nós bebemos? Não, não e não. Se tu dissesses, no Irão, aquilo que realmente pensas, designadamente sobre religião - penso que ainda serás, como eu, ateu - cortavam-te logo o pescoço.
    Em suma, meu caro Correia Pinto, o que eu defendo, intransigentemente, na cultura "ocidental", é a liberdade que tu tens de, em pleno Ocidente, dizeres "cobras e lagartos" do Ocidente.
    O que nos separa é que eu tenho a veleidade de pensar que aquilo que é bom para nós também é bom para os outros, isto é, que a liberdade é um valor universal, que deve ser defendido na Europa, mas também na China e no Irão.
    Um abraço (também europeu, porque só na Europa é que aqueles que discordam um do outro se abraçam!)

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  2. Meu Caro Amigo de sempre

    O meu problema não é bem o que tu enuncias. O meu problema é, em linguagem grasmsciana, um problema de hegemonia. Isso que tu dizes que defendes - e eu sei que defendes - vale cada vez menos no Ocidente. Por isso é que eu acho - e aqui é que discordo de ti - que devemos cada vez menos contemporizar com as práticas que, por todo o lado, no Ocidente, estão em curso. Não posso deixar imolar-me em nome da liberdade para que os outros me imponham o que não quero, inclusive a falta de liberdade.
    Sim, eu sei o que disse Voltaire...mas poucos terão lutado tanto como ele pela liberdade que ele defendia

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  3. Olha o Gramsci a vir à conversa! Que bom que era que o lêssemos com cuidado, nestes tempos em que os economistas de serviço, peritos em nos anestesiarem mentalmente, não nos deixam pensar em termos "simplesmente" políticos.

    A questão da hegemonia é hoje crucial. Se não fosse a hegemonia, a situação objetiva, económica e social, era revolucionária. Como diz a mais que tudo, como é que não se consegue convencer as pessoas à única grande revolução pacífica, a desobediência - não pagar impostos, taxas, multas? Ela ainda pensa no Gandhi! Mas não será que tem razão?

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