A PROPÓSITO DA REUNIÃO DE HENDAYA DE 23 DE OUTUBRO DE 1940
Como muita gente, também estou um pouco cansado das sucessivas manipulações da História, principalmente as que se referem aos períodos mais recentes e que nos dizem directamente respeito.
Há mitos na Ibéria, criados e amplificados no tempo das ditaduras espanhola e portuguesa, que, por estranho que pareça, se mantêm hoje, acriticamente, mas quase nunca inocentemente.
No dia passado dia 23 deste mês de Outubro cumpriu-se o 70.º aniversário do célebre encontro de Hendaya entre Hitler e Franco
Um dos mitos mais celebrados da ditadura franquista, que ainda hoje perdura entre os seus sequazes ostensivos ou escondidos, é o que atribui ao génio e à astúcia de Franco a não entrada da Espanha na guerra ao lado das potências do Eixo
Depois, segue-se, como não poderia deixar de ser, a exploração doméstica do feito, exaltando a clarividência do Caudilho, que, tendo sabido resistir às pressões do ditador alemão, defendeu os interesses nacionais e soube preservar a Espanha de uma catástrofe.
Do lado de cá da fronteira, a tese é outra, igualmente amplificada pelos defensores do regime, a começar pelo próprio Salazar e depois defendida até hoje por muitos historiadores com foros de “verdade científica”: foi Salazar, com o seu génio de brilhante estadista, que impediu a entrada da Espanha na guerra, pela influência que soube exercer sobre o seu colega ditador espanhol.
Salazar, já caquéctico e sem preocupações diplomáticas, disse numa linguagem simples aquilo que, noutro estilo, sempre veiculou durante a sua governação: “O Hitler veio até Hendaya, mas não se atreveu a atravessar a Península. Franco, servido da minha opinião, convenceu Hitler a não entrar em Espanha. Convenci Franco de que a Inglaterra entraria imediatamente em Portugal seu aliado, e ele não se poderia opor. Houve umas coisas aborrecidas com os ingleses, mas nós, servindo-lhes vinho do Porto, conseguíamos deles algumas coisas”.
Começando pela Espanha. O “caderno de encargos” que Franco apresentou a Hitler para entrar na guerra – ajuda militar indispensável à preparação do Exército franquista, reincorporação de Gibraltar na Espanha e cedência de territórios em África – não constituía, no entender do ditador espanhol, uma exigência impossível de cumprir , mas antes o razoável que a sua megalomania considerava exigível para a participação da Espanha numa empresa de interesse comum.
Franco não percebeu a importância estratégica do Armistício que os alemães tinham acabado de celebrar com a França, nem o papel que "Vichy" poderia desempenhar em África, o que desde logo cortava cerce qualquer possibilidade de satisfazer as suas pretensões territoriais no norte de África à custa da França.
Depois, feitas as contas, analisadas as vantagens e desvantagens da entrada da Espanha na guerra, os alemães concluíram (aliás, já tinham concluído antes da reunião de Hendaya) que tinham mais a perder do que a ganhar com a beligerância espanhola. O exército de Franco, apesar de vitorioso na Guerra Civil, era “una mierda”, a Espanha não tinha combustíveis e a sua entrada na guerra, não obstante a hegemonia - ou talvez por isso mesmo – de que a Alemanha desfrutava em toda a Europa continental, acabaria por ser contraproducente para os interesses alemães.
Em conclusão, a não entrada da Espanha na guerra deve-se muito mais a Hitler do que a Franco.
Quanto a Portugal: é evidente que Salazar tinha interesse na neutralidade espanhola. Apesar das suas inegáveis simpatias pelos Estados do Eixo – facto que hoje alguns historiadores se esforçam por negar –, Salazar sabia bem que a entrada da Espanha na guerra, ou mesmo a passagem de tropas alemãs pelo seu território, implicaria, mais tarde ou mais cedo, a invasão de Portugal pela Inglaterra. E como para Salazar, no bom estilo clássico, o mais importante do poder é a sua conservação, fácil seria concluir que a entrada de Portugal numa convulsão militar com a amplitude da que estava ocorrendo na Europa, qualquer que fosse o seu desfecho, não lhe asseguraria nada de bom no futuro.
Por isso, foi defendendo uma neutralidade manhosa, variável, não apenas em função das suas simpatias ideológicas, mas também da correlação de forças no teatro de operações.
Sendo esta a verdade, não deixa de constituir uma megalomania a ideia amplamente difundida de que Salazar foi determinante na neutralidade espanhola. Franco olhava para Portugal e para Salazar numa dupla perspectiva: procurando, por um lado, tirar deles todas as vantagens, a começar por a que lhe poderia oferecer a própria situação geográfica do país e, inclusive, nos momentos de maior aperto, a sua relação com a Inglaterra; e, por outro, como um “pedaço” que nem a geografia, nem a história justificavam – bastava olhar para o mapa da Península, como dizia o Cuñadíssimo (Serrano Suñer), para imediatamente se perceber que Portugal era uma aberração. Tal como o “lobo” da fábula, também Franco apenas esperava a ocasião ou o pretexto para engolir o “cordeiro”.
Basta este enquadramento que a História inequivocamente confirma para se perceber até que ponto é fantasiosa a tal ideia da influência determinante.
Por isso, não deixa de ser lamentável, que Filipe Ribeiro de Meneses, na sua biografia sobre Salazar, continue a defender a mesma tese, com algumas cautelas e alguns “mas”, perdendo um tempo infinito na descrição das conversas de sacristia entre Salazar e Pedro Teotónio Pereira, sem fazer a menor referência à reunião de Hendaya e ao Protocolo nela assinado entre Hitler e Franco, a não ser a acima citada num contexto que tem exactamente em vista fazer prevalecer a tese salazarista.
Aliás, Salazar, governante, é tratado com extrema benevolência e compreensão por Meneses, como um homem defensor do estado de direito e da democracia cristã, rodeado por gente da extrema-direita, fascistas e nazis, que ele se esforça, com êxito, por neutralizar.
Pelo menos, até ao fim da Segunda Guerra Mundial (e mais não li) é esta a imagem que ele nos deixa do ditador de Santa Comba Dão.
A biografia tem, como não poderia deixar de ter, um breve apartado relativo à repressão, exactamente concebida como um apartado. A repressão não é tratada como um elemento estruturante do regime, sem a qual ele perde todo sentido, mas como um tema que pode ser tratado isoladamente ao lado de outros de menor importância.
Enfim, como se já não nos bastasse o presente, ainda temos de suportar as manipulações do passado!
Salazar, já caquéctico e sem preocupações diplomáticas, disse numa linguagem simples aquilo que, noutro estilo, sempre veiculou durante a sua governação: “O Hitler veio até Hendaya, mas não se atreveu a atravessar a Península. Franco, servido da minha opinião, convenceu Hitler a não entrar em Espanha. Convenci Franco de que a Inglaterra entraria imediatamente em Portugal seu aliado, e ele não se poderia opor. Houve umas coisas aborrecidas com os ingleses, mas nós, servindo-lhes vinho do Porto, conseguíamos deles algumas coisas”.
Começando pela Espanha. O “caderno de encargos” que Franco apresentou a Hitler para entrar na guerra – ajuda militar indispensável à preparação do Exército franquista, reincorporação de Gibraltar na Espanha e cedência de territórios em África – não constituía, no entender do ditador espanhol, uma exigência impossível de cumprir , mas antes o razoável que a sua megalomania considerava exigível para a participação da Espanha numa empresa de interesse comum.
Franco não percebeu a importância estratégica do Armistício que os alemães tinham acabado de celebrar com a França, nem o papel que "Vichy" poderia desempenhar em África, o que desde logo cortava cerce qualquer possibilidade de satisfazer as suas pretensões territoriais no norte de África à custa da França.
Depois, feitas as contas, analisadas as vantagens e desvantagens da entrada da Espanha na guerra, os alemães concluíram (aliás, já tinham concluído antes da reunião de Hendaya) que tinham mais a perder do que a ganhar com a beligerância espanhola. O exército de Franco, apesar de vitorioso na Guerra Civil, era “una mierda”, a Espanha não tinha combustíveis e a sua entrada na guerra, não obstante a hegemonia - ou talvez por isso mesmo – de que a Alemanha desfrutava em toda a Europa continental, acabaria por ser contraproducente para os interesses alemães.
Em conclusão, a não entrada da Espanha na guerra deve-se muito mais a Hitler do que a Franco.
Quanto a Portugal: é evidente que Salazar tinha interesse na neutralidade espanhola. Apesar das suas inegáveis simpatias pelos Estados do Eixo – facto que hoje alguns historiadores se esforçam por negar –, Salazar sabia bem que a entrada da Espanha na guerra, ou mesmo a passagem de tropas alemãs pelo seu território, implicaria, mais tarde ou mais cedo, a invasão de Portugal pela Inglaterra. E como para Salazar, no bom estilo clássico, o mais importante do poder é a sua conservação, fácil seria concluir que a entrada de Portugal numa convulsão militar com a amplitude da que estava ocorrendo na Europa, qualquer que fosse o seu desfecho, não lhe asseguraria nada de bom no futuro.
Por isso, foi defendendo uma neutralidade manhosa, variável, não apenas em função das suas simpatias ideológicas, mas também da correlação de forças no teatro de operações.
Sendo esta a verdade, não deixa de constituir uma megalomania a ideia amplamente difundida de que Salazar foi determinante na neutralidade espanhola. Franco olhava para Portugal e para Salazar numa dupla perspectiva: procurando, por um lado, tirar deles todas as vantagens, a começar por a que lhe poderia oferecer a própria situação geográfica do país e, inclusive, nos momentos de maior aperto, a sua relação com a Inglaterra; e, por outro, como um “pedaço” que nem a geografia, nem a história justificavam – bastava olhar para o mapa da Península, como dizia o Cuñadíssimo (Serrano Suñer), para imediatamente se perceber que Portugal era uma aberração. Tal como o “lobo” da fábula, também Franco apenas esperava a ocasião ou o pretexto para engolir o “cordeiro”.
Basta este enquadramento que a História inequivocamente confirma para se perceber até que ponto é fantasiosa a tal ideia da influência determinante.
Por isso, não deixa de ser lamentável, que Filipe Ribeiro de Meneses, na sua biografia sobre Salazar, continue a defender a mesma tese, com algumas cautelas e alguns “mas”, perdendo um tempo infinito na descrição das conversas de sacristia entre Salazar e Pedro Teotónio Pereira, sem fazer a menor referência à reunião de Hendaya e ao Protocolo nela assinado entre Hitler e Franco, a não ser a acima citada num contexto que tem exactamente em vista fazer prevalecer a tese salazarista.
Aliás, Salazar, governante, é tratado com extrema benevolência e compreensão por Meneses, como um homem defensor do estado de direito e da democracia cristã, rodeado por gente da extrema-direita, fascistas e nazis, que ele se esforça, com êxito, por neutralizar.
Pelo menos, até ao fim da Segunda Guerra Mundial (e mais não li) é esta a imagem que ele nos deixa do ditador de Santa Comba Dão.
A biografia tem, como não poderia deixar de ter, um breve apartado relativo à repressão, exactamente concebida como um apartado. A repressão não é tratada como um elemento estruturante do regime, sem a qual ele perde todo sentido, mas como um tema que pode ser tratado isoladamente ao lado de outros de menor importância.
Enfim, como se já não nos bastasse o presente, ainda temos de suportar as manipulações do passado!
Sempre se manipulou o passado e o branqueamento das ditaduras é muito maior no leste, do que na europa ocidental.
ResponderEliminarPara hitler Gibraltar era desprezível no contexto da guerra e não merecia cedências tamanhas
mas custou-lhe o norte de áfrica
e posteriormente quando já não havia divisões disponíveis pensou-se na invasão peninsular
agora a da escassez de combustível
também existia para os aliados italianos
e o exército espanhol demonstrou o seu valor e o seu fanatismo anti-rojo com a divisão azul
10 ou 12 divisões espanholas seriam preferíveis às apáticas italianas