segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A ANTECIPAÇÃO DO FUTURO

UMA EXPERIÊNCIA AMARGA

A antecipação do futuro pode ser uma experiência amarga. Se é certo que o homem dificilmente poderia viver em sociedade sem um mínimo de segurança sobre como será o amanhã – esse o papel das normas – também não é menos certo que dificilmente o homem conviveria com um futuro permanentemente antecipado. Aliás, deixaria de haver futuro, já que a sua antecipação mais não seria do que uma permanente extensão do presente.
Vem tudo isto a propósito da experiência por que ontem passei numa tasquinha de Matosinhos, onde, quando estou na zona do Porto, costumo ver os jogos do Benfica. Encontrei-a por acaso num dia em que procurava um local público para assistir a um jogo de futebol. A partir desse dia fiquei freguês, não apenas porque sempre lá vi o Benfica ganhar, mas também porque o dono e a generalidade da clientela eram benfiquistas.
Como ontem estava por aquelas bandas, não hesitei muito na escolha. Algo, porém, desde início correu mal: o dono e a mulher estavam ausentes e duas pessoas que eu desconhecia estavam agora de serviço ao balcão.
Timidamente perguntei se a pessoa que eu conhecia (cujo nome desconheço) ainda era o proprietário do estabelecimento. Com poucas palavras, disseram-me que sim. Um pouco depois voltei a insistir, indagando se estava tudo bem com ele. Com a mesma concisão disseram-me que sim.
Ainda hesitei lá continuar…porque nestas coisas do futebol, tudo conta…
Na assistência, um pescador de tez escura, causticada pelo sol, envergava uma camisola do FCP e um cachecol. O resto tudo muito neutro. São do Sporting, pensei. Talvez do Leixões.
Não me senti em casa, mas fiquei. Pouco depois de o jogo começar, o tal pescador do FCP que assistia, tal como os restantes espectadores, ao jogo em silêncio, disparou que nem uma bala em direcção à porta e gritou: “Golo do Pooooorto , Gooooolo do Porto”.
Olhámos uns para os outros como se o homem estivesse com alucinações. O homem, sem mais explicações, regressou ao seu lugar, sentou-se e ficou a aguardar que o anunciado se cumprisse. E assim aconteceu, tudo isto talvez com uma diferença de vinte segundos entre a sua inicial explosão de alegria e a confirmação via TV do que ele havia anunciado.
Só então reparei, que ele tinha nas orelhas uns pequenos headphones que lhe permitiam escutar pela rádio, em tempo real, o que se estava a passar no campo.
A partir desse momento nunca mais me concentrei no jogo, mas no homem, sempre à espera que um gesto de grande contrariedade preanunciasse um golo do Benfica. Mas qual quê? Passado mais uns minutos, a mesma cena. Um pouquinho depois, outra vez…
No intervalo, hesitei, fico, vou embora? Resolvi ficar. Não ganhei nada com isso. Apenas por uma vez o ouvi dizer grande defesa e bater palmas. Um pouco mais tarde, ouviu-o gritar: “Até que enfim que expulsam esse…”. Lá mais para o fim gritou “penalty!” e o resto. E depois outra vez golo.
Foi uma experiência inesquecível. Pior do que perder por cinco, foi saber antecipadamente por quantos ia perder

3 comentários:

  1. Meu caro,
    também sou do Benfica (também estou na casa dos 60) e claro que também sofri. Mas a leitura deste bonito texto aliviou um pouco a disposição.
    António Marquês

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  2. Doutor Correia Pinto,

    podia ter passado lá por casa. São só mais 40 Kms a norte. É que o meu pai costuma fazer isso.

    Os relatos da TV são bons remédios para insónias, enquanto que os relatos de rádio são mais vivos.

    O facto é que a emissão de rádio chega, em média, 5 segundos mais cedo que a emissão de TV por cabo, e 9 segundos mais cedo que pelo satélite.

    Então, se fizer a experiência com jogos da Liga Espanhola, ligando o rádio nas estações espanholas que se captam à noite na Onda Média (MW), o intervalo de tempo é abissal. Já cheguei a ouvir golo (em castelhano) numa baliza quando, na TV, a bola estava ainda nas mãos do GR na outra baliza ...

    Esta diferença gera a vantagem de podermos fazer outras coisas, e só olhar para a TV quando o rádio "dá sinal".

    Também apercebemo-nos de quais são os melhores relatores desportivos da rádio nacional, ou seja, aqueles que relatam ao vivo o mesmo jogo que estamos a ver na TV. Nesse aspecto, na minha opinião, estamos mal servidos: Muitos, nessas comparações, denunciam clubites (ou fobias contra determinado clube, que, para o efeito é a mesma coisa), sendo que, dos poucos que se aproveitam, destaco Fernando Eurico da Antena 1.

    Desculpe estar a fulanizar a coisa, citando o nome dum deles, mas se o ouvir, e comparar com o que verá dali a 5 segundos na TV, verá que ele não faz espalhafato a não ser que a situação mereça ...

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