quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O CONSELHO EUROPEU




MAIS UM PASSO A CAMINHO DO ABISMO

O Conselho Europeu que hoje se inicia em Bruxelas constituirá um marco histórico no caminho do chamado projecto europeu. De facto, ele tem todas as condições para representar um passo decisivo a caminho do fim.
Pelo que se conhece e sabe desde o início da crise financeira e pelo modo como a União Europeia tem vindo a evoluir no actual contexto, bem pode dizer-se que a reunião de hoje reune todas as condições para marcar o início do fim da Europa como projecto político-económico.

E mais tarde, à laia de epitáfio, concluir-se-á o que desde há muito se sabia: o verdadeiro “cimento” da construção europeia era o socialismo de Moscovo, do mesmo modo que o grande regulador do capitalismo era o “espectro do comunismo”.
Sem Moscovo e sem comunismo, a Europa, embora jamais volte a ser o que outrora já foi, continuará sendo aquilo que nunca deixou de ser e que constitui a sua mais importante matriz: um pequeno espaço territorial dominado pelos ódios tribais e pelos egoísmos nacionalistas potenciados pela formação do Estado-nação.

Pois bem: é neste clima de grave crise interna, ditada antes de mais nada pela total adulteração do modo de funcionamento da União Europeia, que se realizará o Conselho Europeu. Exactamente porque as decisões estão tomadas de antemão, já se sabe o que dele seguramente não resultará: não se aprovará a criação dos eurobonus; não se aumentará o fundo de resgate; não se flexibilizará a utilização do Fundo de Estabilidade Financeira.
Aprovar-se-á seguramente uma pequena emenda ao Tratado de Lisboa, para tranquilizar a consciência dos juristas alemães – historicamente muito sensíveis a questões jurídicas, como bem se sabe…-, mediante o aditamento de um parágrafo ao artigo 136.º, com vista a permitir criar com carácter de permanência um fundo de resgate, utilizável pelos Estados da zona euro sob regras de estrita condicionalidade.
Como também já foi comunicado ao Parlamento de Berlim (Bundestag) pela Chanceler, a “estrita condicionalidade” consiste em a autorização para a sua utilização ser concedida por unanimidade, com base num estudo prévio da Comissão Europeia, do BCE e do FMI, no qual se indicarão todas as medidas que o Estado que solicita o resgate se obriga a adoptar.
As medidas que figurão no dito estudo pertencem a um cardápio bem conhecido: desregulamentação do mercado laboral, deflação salarial, desemprego estrutural, restrições orçamentais nas áreas sociais e privatização do que ainda houver para privatizar.
É, portanto, com esta estratégia recessiva e neoliberal que a União europeia se propõe afrontar a crise da dívida e do défice na zona euro.
Escusado será dizer, já que o facto é por demais evidente, que o Governo Português alinha obedientemente nesta trágica estratégia, sem sequer esboçar a menor tentativa de encontrar no próprio seio da União Europeia aliados com os quais pudesse pugnar por outras soluções. Tal hipótese está completamente fora de qualquer cogitação, pois como muito bem explicou, por outras palavras, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, o que é preciso é não fazer ondas nem levantar problemas ou objecções aos diktats da Sra. Merkel. Do lado do Primeiro Ministro até se foi mais longe: não só não se contesta o caminho para o colapso, como, pelo contrário, se acrescentam alguns passos, levando para Bruxelas o anúncio de um conjunto de medidas na esperança vã e ridícula de apaziguar a voracidade predatória dos “mercados”.
É certo que o espírito tribal e o feroz nacionalismo de que quase todos dão provas não facilitam a adopção de quaisquer medidas que assentem num mínimo de solidariedade e se fundem numa visão racional antecipadora daquilo que necessariamente vai acontecer continuando a calcorrear este trágico caminho.
A Espanha, que poderia ter nesta matéria um papel importante, já que com a sua próxima queda tudo será definitivamente posto em causa, não só não faz nada para impedir esta morte anunciada da zona euro e, por arrastamento, da UE, como, pelo contrário, dominada pelos fantasmas imperiais de que não consegue libertar-se, por maiores que sejam as humilhações sofridas, continua a ter um discurso muito semelhante ao do “directório”, a ponto de se opor ao reforço do fundo de resgate, para que se não pensasse que tal acréscimo pressupunha o implícito reconhecimento da necessidade de uma próxima utilização. Enfim, pior do que um “império de muletas”, é um império com as muletas partidas!
Portugal, por seu turno, não é menos ridículo. Desde sempre os governantes portugueses acreditaram que o mito do “bom aluno”, do Estado “bem comportadinho”, dos ministros que não levantam ondas, criaria relativamente ao país um clima de simpatia ou até de relativo favorecimento face aos demais. As medidas que Sócrates leva para Bruxelas, nomeadamente a vergonhosa decisão de facilitar o despedimento, inserem-se nesta lógica de actuação.
Neste contexto, não será preciso ser perito em artes divinatórias para imediatamente se perceber que o receituário que vem sendo seguido agravará ainda mais a situação dos Estados em dificuldades e fará com que a crise se agudize também em relação a outros que, muito brevemente, deixarão de estar em condições de poder suportar a escalada das taxas de juro. Será o caso, no imediato, da Espanha e, depois, da Itália, da Bélgica e, por fim, da própria França.
Esta crença de que a salvação dos Estados em dificuldades tem de assentar em medidas que penalizem os trabalhadores, com cujos benéficos efeitos futuros, profusamente difundidos, têm sido enganadas as populações, e de que o caminho para a recuperação económica é duro, mas seguro, apesar de estar a levar à pauperização de larguíssimas camadas sociais e à progressiva proletarização da classe média, não vai poder aguentar-se por muito mais tempo. Nem em Portugal, nem na Europa. E de nada valerá aos “sócrates” deste continente encontrarem uns “proenças” sempre dispostos a fazer o trabalho sujo para dar a entender que as medidas impostas pelo capital têm igualmente o apoio dos trabalhadores.
Volvido alguns meses sem resultados positivos, e, pelo contrário, agravadas as condições de vida com a degradação permanente da situação social, algo vai necessariamente acontecer. E não vai ser com votos, ou apenas com votos, que o problema se resolverá. Vai ser necessário refundar a democracia. E esta, como todas as refundações, legitimar-se-á a posteriori

4 comentários:

  1. Vão-te chamar catastrofista. Com o pouco que valho, aqui me tens ao lado a apoiar-te. Afinal, ironia das coisas, muito do que dizes se deduzia, por absurdo e do outro lado do espelho, do "fim da história" do Fukuyama.

    Estive fora de circulação, até hoje, por sobreocupação profissional. Agora, tenho direito a uns dias de repouso do guerreiro. Para a semana, estão-me já a trabalhar os neurónios para uma publicitação política porventura importante. Depois verás e conversaremos. Temos de gritar "É a esquerda, estúpido!", mas mostrando que a esquerda tem coisas muito sérias, medidas, realistas, tecnicamente corretas, a propor, não só chavões.

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  2. "E mais tarde, à laia de epitáfio, concluir-se-á o que desde há muito se sabia: o verdadeiro “cimento” da construção europeia era o socialismo de Moscovo, do mesmo modo que o grande regulador do capitalismo era o “espectro do comunismo”." Permita-me o autor que faça esta citação para dizer que sintetiza o que eu há muito penso

    "espaço territorial dominado pelos ódios tribais e pelos egoísmos nacionalistas" Também concordo em absoluto e foi bem avivado nos Balcãs onde a Alemanha pontificou na blitzkrieg relativamente ao ex-protetorado nazi -Croácia-. No entanto não me parece que estes egoísmos e nacionalismos sejam exclusivo da Europa; onde não há história e chão propício aos seu desenvolvimento alguém se encarrega de os acicatar (lembro-me sempre da América Latina mas também das chamadas "revitalizações culturais" do nosso vizinho País Basco.... etc.

    Se o dominó atingir a Bélgica e a França, então que fica? Há dois três anos a Skynews fazia uma reportem de como era possível comprar-se um fato em Inglaterra por 14 libras. Em Portugal compram-se calças e o resto por menos que custa mandar fazer as baínhas; isto parecia magia e não afectou só os do Sul, e indicava, mesmo sem grandes elucubrações teóricas, que iria ter consequências: desemprego, endividamento,...empobrecimento da maioria.
    LG

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  3. O Pulido Valente, no artigo de hoje no Público, também é de opinião que a Europa sem guerra fria tem poucas hipóteses de existir

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  4. Um boa analise ao que se esta a passar actualmente na Europa.

    Não faz sentido essa critica a Alemanha, foi Imigrante na Alemanha, voltei para Portugal, e actualmente sou Imigrante na Inglaterra.

    Essa sua teoria de não liberalizar o mercado de trabalho também não esta certa.

    A responsabilidade dos patrões, a sua cultura, formação cívica....faz uma nação forte economicamente e socialmente, não são os SUCATEIROS que proliferam em Portugal que vão cumprir as leis laborais por muito que elas em /TEORIA/ sejam amigas de quem trabalha.

    E a Alemanha deve ser exemplo para muitos países, nessa matéria.

    Como pode haver solidariedade Europeia, se todos os países estão de tanga..

    E foi essa esquerda, que em tempos tivemos na Europa, que hoje esta a dar os seus frutos... o liberalizar da economia mundial, com as consequências que sabemos.. essa esquerda solidaria com os imigrantes ilegais, que vivem hoje dos subsídios.

    A esquerda tem que ser reinventada, e tem que saber dizer não...Portugal tem hoje 300 mil jovens dos 15 aos 30 anos sem exercerem qualquer actividade...

    O Nacionalismo será o futuro da Europa

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