LUTA SEM TRÉGUAS CONTRA O CAPITAL FINANCEIRO
O grande objectivo das correntes progressistas nos tempos que correm tem de ser a luta, por todos os meios, contra o capital financeiro e contra quem o apoia ou protege. Enquanto não há condições para adoptar medidas mais radicais, só possíveis no quadro de profundas transformações proporcionadas pelas grandes convulsões sociais que se avizinham, é dever de todos os que se não conformam com o governo plutocrático das nossas sociedades lutar contra o capital financeiro, boicotando-o, sabotando-o, defendendo os direitos dos cidadãos da sua prepotência e rapinagem.
Os exemplos dessa descarada actuação plutocrática estão presentes nas mais diversas manifestações da vida económica, quer contra cidadãos indefesos, contra Estados cúmplices das suas actuações, quer pelas crises económicas e sociais que os desmandos financeiros do capital especulativo propagam a todo o mundo, fazendo pagar com o desemprego, a miséria e a fome de muitas dezenas de milhões de pessoas o restabelecimento da sua capacidade predadora!
Ainda agora se viu como um banco português, depois de ter pressionado e exigido da empresa de que era accionista o pagamento antecipado de dividendos para fugir a uma tributação que no ano seguinte incidiria sobre os lucros obtidos, gizou a inacreditável manobra de aumentar nessa mesma sociedade a sua participação accionista …para ficar completamente isento de impostos.
A gente ouve e toma conhecimento disto e pensa que se está a falar da mulher do Ben Ali, mas não está. Está-se a falar de um banco português!
Vem tudo isto a propósito de duas decisões tomadas por dois tribunais espanhóis sobre um assunto da máxima actualidade.
Como se sabe, a crise financeira que em fins de 2007 rebentou na América, e depois se espalhou com particular intensidade por todo o “mundo desenvolvido”, dando lugar a uma crise económica e social sem paralelo desde 1929, teve a sua origem na especulação imobiliária, na chamada “borbulha imobiliária”insuflada pela concessão desregulada de crédito barato para a aquisição de casas, que se iam artificialmente valorizando num movimento especulativo igualmente sem precedentes, dando simultaneamente lugar à criação dos mais diversos produtos financeiros derivados daquele negócio inicial, que numa espiral especulativa incontrolada iam sendo vendidos nos quatro cantos do mundo, até que…sucedeu o inevitável: os compradores das casas sobreavaliadas deixaram de ter dinheiro para pagar os empréstimos contraídos, a saturação do mercado imobiliário baixou drasticamente os preços das casas…e tudo dá para a frente ruiu como um baralho de cartas com as consequências tsunâmicas de uma onda que não parava de crescer e de se espalhar por todo o lado onde houvesse o menor vestígio daquela especulação.
Nos Estados Unidos e na Inglaterra quando o devedor hipotecário deixa de cumprir o empréstimo, salda a dívida entregando ao credor, ao banco, a coisa hipotecada (a casa). O risco da eventual diferença entre o valor da dívida e o valor da casa corre por conta do banco que, obviamente, o transferiu a uma seguradora. Ou seja, numa linguagem simples: pela divida apenas responde o bem hipotecado e não o restante património do devedor, no caso de o valor resultante da venda da casa não ser suficiente para pagar o capital em dívida.
Nos direitos europeus continentais, com o nosso e o espanhol, por exemplo, as coisas não se passam assim. Se uma pessoa contrai um empréstimo no banco para aquisição de uma casa, dando esta em hipoteca, pelo incumprimento do devedor responde a casa, mas se o valor desta não for suficiente para pagara a totalidade da dívida, pelo remanescente responde o património do devedor, desde logo o salário.
Na prática as coisas passam-se assim: o banco avalia a casa que o cliente quer comprar e empresta-lhe uma percentagem daquele valor, pelo qual responde a casa como hipoteca. Em situações normais, esta garantia é suficiente para assegurar o crédito do banco. Em épocas de crise como a actual, além de a casa ter sido muito provavelmente sobreavaliada, em consequência da tal “bolha”especulativa de que acima falámos – e em Espanha essa “bolha” existiu” –, o mais certo é ela ter agora um valor menor do que aquele que teria em condições normais de mercado.
Segundo a lei espanhola, em caso de incumprimento, a casa vai à “praça” por um preço relativamente abaixo do valor de mercado. Mas se a “praça” ficar deserta, vai uma segunda vez por metade do preço. Se não aparecer comprador, o banco normalmente fica com ela.
Foi o que aconteceu: um cidadão pediu emprestado ao banco 71 225 € para comprar uma casa que o banco tinha avaliado em 75 900 €. Três anos depois, por incumprimento, o banco ficou com a casa por 42 895 €, ou seja, por 33 005 € menos do que avaliação que ele próprio tinha feito há três anos, objectivamente correspondente a uma desvalorização de 43,5%!
Feitas as contas, depois de três anos de pagamentos, o devedor, apesar de ter entregado a casa ao banco, devia-lhe ainda 28 129€ mais 8 438 € de juros e despesas, num total de 36 612 €! Por outras palavras, depois de ter pago as prestações durante cerca de três anos e de ter perdido a casa a favor do banco, este infeliz comprador ainda ficava com uma dívida de 36 612€ por uma casa que já não tinha.
Com o baixo ordenado que tinha, e as limitações à penhora, ficaria durante toda a sua vida a pagar o empréstimo para a compra de uma coisa que ficou para o credor e ainda deixaria um apreciável património passivo aos seus herdeiros!
O tribunal de Navarra não teve dúvidas, apesar das disposições do Código Processo Civil e da Lei dos créditos hipotecários, decidiu, com base no artigo 3.º do Código Civil Espanhol, que manda “interpretar as leis de acordo com a realidade social do tempo em que são aplicadas”, que apenas o valor da coisa hipotecada, e não a totalidade do património do devedor, garante o cumprimento do empréstimo por ser moralmente inaceitável que o banco continue a reclamar um crédito que nunca teria sido concedido se o valor real da coisa que o sustenta o não garantisse na totalidade. E concluiu: “se houve perda de valor, isso se deve à crise económica, fruto das más práticas do sistema financeiro”!
Foi assim, com decisões ousadas e justas, que o pretor desenvolveu e transformou o direito romano fazendo dele uma das maiores criações do génio humano!
Felizmente, ainda há juízes!
Felizmente!
ResponderEliminarGrande Post!
Lamentavelmente, por cá as coisas são diferentes. Ainda. Haja igualmente coragem. Esse caso do BES é inaceitável. Ou deveria ser. A atitude da Banca, uma banca ave de rapina, por cá é o que sabemos, por complacência de quem o permite e não deveria permitir. A mesma Banca que está falida e aguarda ansiosamente pela vinda do FMI para lhe injectar "sangue" que nós contribuintes, depois, iremos pagar, a peso de ouro! Com o nosso sangue!
Até ao dia!
P.Rufino
Esse juiz arrisca-se a ser castigado.
ResponderEliminarQuanto ao BES, se bem me lembro era um dos sustentáculos da ditadura e agora...agora...deixa lá ver... é um pilar desta democracia
O Direito dá para tudo (ou quase...).
ResponderEliminarA sentença espanhola está (bem) fundamentada, segundo relata o poste.
A ver se é mantida, em recurso...
A.M.
Peço desculpa de chegar atrasado, mas gostaria de deixar aqui o meu agradecimento ao autor deste blog, pela limpidez e escorreiteza da sua escrita, e, ao mesmo tempo, lembrar as boas práticas desse banco, do qual nem é necessário referir o nome por tão contumaz ser. Lembremos apenas: acolhedor de depósitos suspeitos de Pinochett, buscas às suas instalações de Madrid, envolvimento no "mensalão" brasileiro, história dos sobreiros da Portucale com dinheiro para o CDS, envolvimento nas contrapartidas dos submarinos através da ESCOM e outras histórias que me escapam.
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