DECLARAÇÕES PATÉTICAS
Luis Amado em declarações transmitidas pela Antena 1 mostra-se muito preocupado com os acontecimentos no Mediterrâneo e no Golfo e lamenta que a Europa tenha olhado demasiado para leste e tivesse esquecido do sul.
São declarações difíceis de interpretar, para quem se ativer às simples palavras, esquecendo o seu autor e o seu contexto. Aparentemente, todas as interpretações são possíveis, mas diz a experiência que, quando o hermetismo da frase comporta múltiplos sentidos, normalmente aquele que o autor lhe quer atribuir é o que não pode ser clarificado. É assim na política, é assim por maioria de razão na diplomacia.
Comecemos pelo Leste: demasiado preocupados? A verdade é que os factos aí estão a confirmar as “preocupações”: então não houve uma deliberada política de cerco à Rússia, alargando a NATO até às suas fronteiras ocidentais e apenas falhando o cerco a sul por inépcia de Saaskashvili e decisão do Kremlin?
Será, então, esta declaração uma auto-crítica? Ninguém acredita nisso. O que é legítimo retirar das palavras de Luís Amado é que a UE se preocupou com as armas e desprezou o povo. Onde não havia armas de destruição em massa, a União Europeia entregou a “defesa dos seus interesses”aos regimes despóticos do sul, conluiando-se com os tiranos a quem encarregou de vigiar e neutralizar por qualquer meio todos aqueles que, de perto ou de longe, pudessem ameaçar os seus interesses. E esqueceu-se do povo! Portanto, o que Amado quer dizer é que a Europa deveria ter estado mais presente para poder condicionar agora a evolução dos acontecimentos.
São declarações patéticas estas do Ministro dos Negócios Estrangeiros. Próprias de quem não aceita a evolução dos acontecimentos, de quem tudo quer orientar e condicionar, próprias, enfim, de quem ainda não percebeu que o mundo está a mudar. E a mudar muito. Está a dar uma volta, uma grande volta. Aqueles que desde há mais de seis séculos têm condicionado o destino da humanidade estão em vias de passar eles próprios a ser condicionados pela acção da maioria. Por muito que isto custe ao Ocidente, o que se está a passar é mais um passo, um grande passo, no sentido de um movimento que já tem décadas.
Primeiramente, os povos subjugados libertaram-se das grilhetas políticas da descolonizaçãp por acção dos movimentos nacionalistas que despontaram no século XX, principalmente na Ásia e em África. Em muitos lados, a descolonização não foi muito além disto. Embora “isto” já seja muito, do ponto de vista da dignidade humana. Noutros, ela foi mais profunda. Atingiu uma parte do poder económico. Mas dessa “nacionalização” do poder económico nem sempre, ou poucas vezes, resultaram as vantagens que seria legítimo esperar para a generalidade da população, apesar de esta, entretanto, ter mudado muito, principalmente no plano sanitário e educacional.
Nada mais natural, portanto, que depois de se terem libertado da dominação política, esses povos, várias décadas mais tarde, se queiram agora libertar das tiranias internas que os oprimem, exploram, marginalizam e acima de tudo os roubam.
Este caminho, para a segunda "libertação", que agora está acontecendo na orla sul do Mediterrâneo e nos Estados árabes do Golfo, não vai ser prosseguido em linha recta, nem vai seguir modelos pré-estabelecidos. Não vai necessariamente adoptar conceitos ocidentais, forjados na luta dos povos europeus contra a tirania e a opressão, nem vai ser teleguiada a partir de nenhuma capital imperial. Vai seguir o seu próprio caminho, como sempre com muitas dificuldades e adversidades.
Por isso nos parece tão ridícula a ilusão daqueles que querem ver no actual movimento revolucionário que varre o sul do Mediterrâneo e algumas zonas do Golfo um “remake” de revoluções já ocorridas na Europa, como a da daqueles que se lamentam por não terem condicionado a evolução dos acontecimentos e agora, colhidos de surpresa, tentam desesperadamente posicionar-se supondo que ainda podem parar o movimento da História!
O Ocidente, e muito particularmente a Europa, vai sofrer durante muitos anos as consequências de ter apoiado (e continuar a apoiar) regimes despóticos no Mediterrâneo e no Golfo numa estreiteza de vistas de quem não se importou (nem se importa) de sacrificar o futuro aos interesses egoístas de um presente julgado eterno e imutável. Mais uma vez é a hipocrisia europeia que é posta a nu pela evolução dos acontecimentos: direitos humanos, democracia e tudo o mais que a estes conceitos anda ligado não passam de palavras para esgrimir contra aqueles que se opõem aos interesses europeus na defesa dos seus próprios interesses, mas que nada valem nas relações com aqueles que aceitam fazer estrategicamente o “jogo do Ocidente”.
Como nos grandes movimentos telúricos, o reajustamento vai ser longo e doloroso. Todavia, se alguma coisa devemos acreditar é que a Humanidade se tornará melhor à medida que o relacionamento entre os povos se for libertando das relações de domínio.
Luis Amado em declarações transmitidas pela Antena 1 mostra-se muito preocupado com os acontecimentos no Mediterrâneo e no Golfo e lamenta que a Europa tenha olhado demasiado para leste e tivesse esquecido do sul.
São declarações difíceis de interpretar, para quem se ativer às simples palavras, esquecendo o seu autor e o seu contexto. Aparentemente, todas as interpretações são possíveis, mas diz a experiência que, quando o hermetismo da frase comporta múltiplos sentidos, normalmente aquele que o autor lhe quer atribuir é o que não pode ser clarificado. É assim na política, é assim por maioria de razão na diplomacia.
Comecemos pelo Leste: demasiado preocupados? A verdade é que os factos aí estão a confirmar as “preocupações”: então não houve uma deliberada política de cerco à Rússia, alargando a NATO até às suas fronteiras ocidentais e apenas falhando o cerco a sul por inépcia de Saaskashvili e decisão do Kremlin?
Será, então, esta declaração uma auto-crítica? Ninguém acredita nisso. O que é legítimo retirar das palavras de Luís Amado é que a UE se preocupou com as armas e desprezou o povo. Onde não havia armas de destruição em massa, a União Europeia entregou a “defesa dos seus interesses”aos regimes despóticos do sul, conluiando-se com os tiranos a quem encarregou de vigiar e neutralizar por qualquer meio todos aqueles que, de perto ou de longe, pudessem ameaçar os seus interesses. E esqueceu-se do povo! Portanto, o que Amado quer dizer é que a Europa deveria ter estado mais presente para poder condicionar agora a evolução dos acontecimentos.
São declarações patéticas estas do Ministro dos Negócios Estrangeiros. Próprias de quem não aceita a evolução dos acontecimentos, de quem tudo quer orientar e condicionar, próprias, enfim, de quem ainda não percebeu que o mundo está a mudar. E a mudar muito. Está a dar uma volta, uma grande volta. Aqueles que desde há mais de seis séculos têm condicionado o destino da humanidade estão em vias de passar eles próprios a ser condicionados pela acção da maioria. Por muito que isto custe ao Ocidente, o que se está a passar é mais um passo, um grande passo, no sentido de um movimento que já tem décadas.
Primeiramente, os povos subjugados libertaram-se das grilhetas políticas da descolonizaçãp por acção dos movimentos nacionalistas que despontaram no século XX, principalmente na Ásia e em África. Em muitos lados, a descolonização não foi muito além disto. Embora “isto” já seja muito, do ponto de vista da dignidade humana. Noutros, ela foi mais profunda. Atingiu uma parte do poder económico. Mas dessa “nacionalização” do poder económico nem sempre, ou poucas vezes, resultaram as vantagens que seria legítimo esperar para a generalidade da população, apesar de esta, entretanto, ter mudado muito, principalmente no plano sanitário e educacional.
Nada mais natural, portanto, que depois de se terem libertado da dominação política, esses povos, várias décadas mais tarde, se queiram agora libertar das tiranias internas que os oprimem, exploram, marginalizam e acima de tudo os roubam.
Este caminho, para a segunda "libertação", que agora está acontecendo na orla sul do Mediterrâneo e nos Estados árabes do Golfo, não vai ser prosseguido em linha recta, nem vai seguir modelos pré-estabelecidos. Não vai necessariamente adoptar conceitos ocidentais, forjados na luta dos povos europeus contra a tirania e a opressão, nem vai ser teleguiada a partir de nenhuma capital imperial. Vai seguir o seu próprio caminho, como sempre com muitas dificuldades e adversidades.
Por isso nos parece tão ridícula a ilusão daqueles que querem ver no actual movimento revolucionário que varre o sul do Mediterrâneo e algumas zonas do Golfo um “remake” de revoluções já ocorridas na Europa, como a da daqueles que se lamentam por não terem condicionado a evolução dos acontecimentos e agora, colhidos de surpresa, tentam desesperadamente posicionar-se supondo que ainda podem parar o movimento da História!
O Ocidente, e muito particularmente a Europa, vai sofrer durante muitos anos as consequências de ter apoiado (e continuar a apoiar) regimes despóticos no Mediterrâneo e no Golfo numa estreiteza de vistas de quem não se importou (nem se importa) de sacrificar o futuro aos interesses egoístas de um presente julgado eterno e imutável. Mais uma vez é a hipocrisia europeia que é posta a nu pela evolução dos acontecimentos: direitos humanos, democracia e tudo o mais que a estes conceitos anda ligado não passam de palavras para esgrimir contra aqueles que se opõem aos interesses europeus na defesa dos seus próprios interesses, mas que nada valem nas relações com aqueles que aceitam fazer estrategicamente o “jogo do Ocidente”.
Como nos grandes movimentos telúricos, o reajustamento vai ser longo e doloroso. Todavia, se alguma coisa devemos acreditar é que a Humanidade se tornará melhor à medida que o relacionamento entre os povos se for libertando das relações de domínio.
Caro JM Corrreia-Pinto,
ResponderEliminarDesculpe mas não posso de integrar o link para este post no Leituras Cruzadas de ontem... pela habitual qualidade e frontalidade!
OBrigado.
Um grande abraço.
Uma pequena nota a lembrar que, entre o colonialismo e outras formas de imperialismo, como os protetorados, houve o movimento do Terceiro Mundo, dos não alinhados, Bandung.
ResponderEliminarQuem deu cabo dele, de Nkruma, de Lumumba, de Sukarno, etc, está agora a pagar e a ver as suas marionetas a irem à vida e, sabe-se lá, a tremer pelo futuro do controlo do petróleo. Este movimento revolucionário árabe ainda está no segundo 0,0001 de um grande big bang. E as suas ondas podem galgar o Mediterrânio.