O QUE INTERESSA TER EM CONTA
A propósito de certas conversas….
Discutir o caso argentino tendo apenas presente o que se passou depois de a Argentina ter rompido as negociações com o FMI não é uma forma séria de abordar o assunto.
Em primeiro lugar, não podem omitir-se os antecedentes: o que se passou na década de 70, contracção excessiva de dívida a juros baixos, e que se passou na década seguinte, pagamento a juros altíssimos da dívida contraída a juros baixos.
Em segundo lugar, não pode tão-pouco omitir-se a política neoliberal posta em prática por Carlos Menen, o “aluno preferido” do FMI na aplicação do “consenso de Washington”.
E também não pode abordar-se seriamente o assunto sem estabelecer, pelo menos no plano conjectural, a diferença entre o que se teria passado, nos próximos dez anos, se a Argentina tivesse seguido o programa que o FMI lhe queria impor para lhe conceder o empréstimo e o que realmente se passou, depois de decidida a cessação de pagamentos e a redução a um terço da dívida privada.
Por outro lado, também não pode dizer-se, sem as explicações complementares necessárias, que a Argentina acabou por pagar tudo o que devia ao FMI e a outros credores institucionais. É verdade que sim, mas com duas precisões. Primeira: o FMI acabou por não declarar a Argentina falida, contrariamente ao que durante as negociações sempre foi ameaçando – se o tivesse feito não teria recebido nada; segunda: o pagamento foi feito nas condições decididas pela Argentina e não pelo FMI (aliás, o crescimento económico da Argentina foi de tal ordem que Kirchner numa de “grande senhor argentino” – à semelhança de Lula – até pagou antecipadamente o que devia para se ver livre do FMI).
Depois, como aqui se disse, a comparação entre Argentina e Portugal não pode fazer-se, não tanto pelas consequências decorrentes da cessação de pagamentos, mas porque a estrutura económica dos dois países é muitíssimo diferente.
Num processo desta natureza, pelo qual passaram a Rússia e a Argentina, e agora também Portugal, para falar apenas das situações mais conhecidas, não há soluções boas. Todas as saídas tem custos e implicam sacrifícios. E os sacrifícios não se atenuam vociferando contra quem criou a situação ou mais contribuiu para ela, até porque, na maior parte das vezes, a crise é uma consequência inevitável do sistema.
O que interessa é escolher a solução que distribua de forma mais equitativa os sacrifícios, sem hipotecar o futuro.
E é isso que não se vê. O que se vê, por quase todo o lado, é aceitação acrítica de programas muito gravosos, injustos na distribuição dos sacrifícios, ou até pedidos de agravamento.
As soluções alternativas esboçadas ou assentam na ilusão de que é possível reformar o capitalismo financeiro, ou apontam para uma ruptura radical com o actual estado de coisas.
A primeira não leva a nada porque parte da ideia de que o capitalismo financeiro que hoje hegemoniza o sistema é reformável. E não é. Alguma vez a Europa plutocrática do euro vai admitir que o BCE financie os Estados? Alguma vez os bancos que dominam completamente o sistema vão aceitar que a dívida seja reestruturada (leia-se, paga apenas em parte) sem que simultaneamente exigissem a ostracização, em todos os planos, desde logo no monetário, do mutuário que enveredasse por tal caminho? Veja-se o que já está a acontecer à Grécia (juros acima dos 20%) só por ter sido posto a correr o rumor de que ia reestruturar a dívida. Alguma vez os bancos, falidos como estão, vão recapitalizar-se sem ser com dinheiro do contribuinte?
O capitalismo não se auto-reforma. Nem o fará agora, como não o fez no passado. Quem conhece a história do capitalismo, desde a “primeira globalização” (de cerca de 1880 até 1914), as fases subsequentes (de 1914 a 1945; e de 1945 a 1989, não obstante a fase actual ter começado por volta de 1980) até hoje, sabe que somente o socialismo, sem adjectivos, o “reformou”. Uma reforma que não chegou a durar meio século, mas cujos efeitos, embora parcialmente, perduram em alguns países apesar de tudo até hoje, e não em todos, em virtude de a dita reforma ter incidido com intensidade variável nos diversos países capitalistas desenvolvidos, não obstante haver um relativo denominador comum fundamentalmente traduzido numa distribuição directa e indirecta de rendimentos que mantinha as extremidades do sistema incomparavelmente mais próximas do que hoje estão.
É por isso enganador fazer hoje aos portugueses um discurso que os leve a acreditar que é possível dentro do sistema tal como ele existe melhorar as coisas. Não é. Os portugueses têm de saber que se quiserem continuar no euro vão ter de sujeitar-se, por muitos anos, às duras medidas de austeridade que os credores lhes vão impor. Não há meio-termo. E vão ter de suportar essas medidas sem qualquer garantia de reversão da situação. Pelo contrário, tudo aponta no sentido oposto: recessão prolongada sem saída.
A segunda alternativa é que aponta para uma ruptura com a situação existente. Mas também não será, não haja qualquer ilusão quanto a isso, uma solução sem sacrifícios. A diferença, a grande diferença, é que ela tem uma saída e aponta um caminho de futuro, que desde logo pressupõe um posicionamento de Portugal no mundo mais consentâneo com o seu passado e a sua história.
Meu caro,
ResponderEliminarSe me permite irei fazer referência aos três posts, transcrevendo partes dos seus textos. Não se importa?
Claro que não.
ResponderEliminarBrilhante! So falta aqui criar um movimento para que haja um levantamento geral.Mas..o conformismo continua no topo..so depois da fome viram as greves.E porque nao ja?
ResponderEliminarUm abraco pelo tempo que gasta a informar-nos.