VALE A PENA CONHECER O CASO ARGENTINO
Não vale a pena aqui insistir sobre como foi crescendo a dívida portuguesa, a pública e privada, desde 1992, e, principalmente, neste século depois da adesão de Portugal ao euro, embora mais intensamente nos últimos quatro anos. Esse assunto já foi tratado várias vezes. Hoje a questão que se põe é saber como deve agir e o que pode fazer um país sobreendividado.
Nos países desenvolvidos, ou lá próximo, depois da Segunda Guerra Mundial, durante muitas décadas, pouco ou quase nada se ouviu falar de dívida pública e muito menos de crise da dívida. É verdade que os países beligerantes, tanto vencedores como vencidos, saíram daquele conflito muito endividados, mas a era de grande prosperidade que então, por décadas, se seguiu - – verdadeiramente até ao primeiro choque petrolífero -, e a gradual desvalorização do dólar, rapidamente esbateram em termos relativos, e nalguns casos até absolutos, a relação entre a dívida e o PIB, tornando-a perfeitamente comportável, face aos níveis de crescimento registados. Na Europa só se voltou a falar de dívida a sério depois da desagregação da União Soviética e da reconversão das respectivas economias ao capitalismo selvagem que então tomou conta, por todo o lado, da política económica dos países do leste europeu e das repúblicas soviéticas, entretanto independentes.
No entanto, coincidentemente com os períodos de grande prosperidade da América do Norte e da Europa Ocidental, a crise da dívida era uma constante da vida política noutros continentes - Ásia, América Latina e África.
Apesar de em tempos mais recuados haver exemplos sem conta de endividamentos excessivos, principalmente na época a que os historiadores económicos chamam a primeira globalização (de cerca 1880 à Grande Guerra), a ponto de alguns países se terem mesmo declarado falidos, e, consequentemente, cessado os pagamentos, a verdade é que nunca a crise da dívida havia atingido nesses tempos as proporções que passou a ter depois da liberalização da circulação de capitais, ocorrida na sequência da imposição a quase todo o mundo das doutrinas neoliberais, saídas da vitória da “Guerra Fria”.
As novas vítimas eram os chamados países em desenvolvimento e os de rendimento intermédio todos eles situados nos continentes acima referidos e também, a partir de 1991, no leste europeu. Da Argentina à Rússia, passando pela Moldávia, da África à Indonésia a crise a todos tocou com grande intensidade e a todos atingiu impiedosamente.
Colocados perante este grave problema, a reacção dos Estados é, por todo o lado, quase sempre a mesma: evitar a todo o custo a cessação de pagamentos. E sacrificam tudo o que de mais importante tinham adquirido: a saúde, a educação, o crescimento económico, enfim, os direitos mais elementares dos seus concidadãos. É muito forte a convicção de que a cessação de pagamentos os colocará numa situação muito pior do que aquela em que vão ficar “pedindo ajuda”.
E é por esta porta que entra o FMI. O FMI entra para fazer empréstimos destinados a pagar as dívidas contraídas. O dinheiro que o FMI empresta, a taxas bem compensatórias, nem sequer entra nos cofres do mutuário. Vai directamente para os credores deste, em regra bancos.
A primeira questão levantada pelo sobreendividamento, que não pode nem deve ser iludida, é a quem cabe a responsabilidade por esta situação. Dando ouvidos ao que dizem a maior parte dos políticos portugueses, a começar pelo Presidente da República, e a generalidade dos economistas, ideologicamente dominados pelo capital financeiro e pelas doutrinas neoliberais, e de outros grandes responsáveis financeiros, como o Governador do Banco de Portugal, a responsabilidade é exclusivamente de quem pede emprestado. Quem pede emprestado é que tem saber até onde pode ir e os riscos que deve assumir, mesmo quando se trata de “riscos” que só na aparência o são, já que eles não dependem de factores aleatórios mas resultam antes, directa ou indirectamente, da acção desse próprio capital financeiro e especulativo.
Há, porém, quem pense de outra maneira. Quem entenda que as responsabilidades estão repartidas, devendo ser imputadas em maior grau ao detentor do dinheiro, porque sabe, ou tem obrigação de saber, melhor do que ninguém, até onde podem ir as “forças do devedor”. Faz parte do negócio de quem lida com dinheiro, como objecto, saber até que ponto vai a solvabilidade do devedor.
Por outro lado, no que respeita aos riscos, quem ouve por cá Cavaco, Carlos Costa, Cantigas, Duques, Leites e outros, fica a saber, sem a menor dúvida, de que todos os riscos ligados ao endividamento devem recair sobre o devedor. Riscos que vão desde as flutuações das taxas de câmbio (problema que para Portugal não se põe), até á subida, por vezes exponencial, das taxas de juro, passando por fenómenos de outra natureza, uns resultantes directamente da acção humana, outros sem qualquer interferência da acção humana , mas que podem, tanto uns como outros, ter um efeito muito negativo sobre o endividamento.
Sendo assim, por que razão devem tais riscos ser suportados apenas pelo devedor? São as leis do mercado, dizem aqueles sujeitos acima citados, ideologicamente identificados com o capital financeiro especulativo, mesmo quando estão em jogo os interesses do seu próprio povo.
“Leis”? Mas então por que não chamar o mesmo nome aos comportamentos impostos pelo gang do Al Capone em Chicago ou aos do “Tony Soprano” em New Jersey?
Bem, mas então como se cobram as dívidas, quando os devedores não estão em condições de fazer face aos seus compromissos?
Historicamente, os credores intervinham manu militari para cobrar as suas dívidas, um pouco à semelhança do que acontecia em Roma, antes da Lex Poetelia Papiria de Nexis, onde se reduzia à escravidão o devedor inadimplente.
Um dos casos mais conhecidos, embora haja outros, de cobrança manu militari, aconteceu no início do século passado na Venezuela, quando a Inglaterra, a Alemanha e a Itália, com o consentimento explícito dos Estados Unidos, armaram uma grande expedição naval que bloqueou e bombardeou os portos venezuelanos, para obrigarem o país a pagar as suas dívidas. Valeu à Venezuela a solidariedade latino-americana, nomeadamente do MNE argentino, Luís Maria Drago, que se insurgiu, principalmente nos EUA, contra este tipo de agressões a um Estrado, que não pode perder as suas prerrogativas soberanas, e muito menos ser ocupado ou anexado por outro país, em virtude das suas dívidas – a isto se chama até hoje, no Direito Internacional, a “doutrina Drago”.
E o que acontece hoje, quando um país não pode reembolsar os credores? Apenas três soluções são possíveis:
A primeira é o perdão da dívida;
A segunda é a reestruturação ou o reescalonamento; a dívida mantém-se mas alteram-se os prazos de vencimento, na esperança de que no futuro melhores dias virão;
A terceira é a cessação de pagamentos, pura e simplesmente.
A Argentina escolheu a última solução (cont.).
És um chato! O que é que me fica para eu escrever? :-)
ResponderEliminarSigo-o, atentamente...
ResponderEliminarSeguimos todos...
ResponderEliminarA.M.
Espero o desmantelar do circo...estara perto...
ResponderEliminarPois, mas a Argentina possuía e possui, apesar de tudo, trunfos de que Portugal não dispõe, à partida não tem uma dependência alimentar do exterior como nós. A "solução" seria uma acção "periféricos" confrontando em bloco os devedores.
ResponderEliminarRespondendo ao segundo anónimo: o post ainda não terminou
ResponderEliminarDo anónimo das 15:55
ResponderEliminarPeço desculpa, não me apercebi da trapalhada. Queria escrever: -A "solução" seria uma acção dos "periféricos" confrontando em bloco os credores-
NG