terça-feira, 14 de junho de 2011

A INCOMODIDADE DE CAVACO POR ACTOS DO CAVAQUISMO

A PROPÓSITO DA QUEIXA-CRIME CONTRA O DIRECTOR DA SÁBADO

Soube-se na semana passada que Cavaco Silva exprimiu a sua indignação pelo que dele se disse a propósito dos dois discursos que proferiu no “dia da vitória” dando luz verde ao Ministério Público para avançar com um processo-crime contra o director da revista Sábado, acusado de crime de ofensa à honra do Presidente da República.
O escrito de Miguel Pinheiro está na rubrica "Sobe e Desce" daquela revista, onde a propósito dos tais discursos o jornalista disse: “Tal como Fátima Felgueiras e Isaltino Morais, Cavaco Silva acha que uma vitória eleitoral elimina todas as dúvidas sobre negócios que surgem nas campanhas”.
É evidente que não é preciso ser especialista em Direito Penal ou sequer licenciado em Direito para imediatamente se perceber que o escrito de Miguel Pinheiro em nada atenta contra a honra do Presidente da República. O que o jornalista quis dizer é que os resultados eleitorais sejam eles de quem forem não servem para apagar as condenações não transitadas em julgado, nem tão pouco as acusações ou simples suspeitas de actos praticados por políticos no exercício de funções ou fora delas.
É isto que toda a gente percebeu, como toda a gente percebeu o profundo ressentimento e azedume de Cavaco Silva por, durante a campanha eleitoral para as presidenciais, terem sido trazidos a público negócios em que o candidato era parte numa altura em que não exercia qualquer função política, embora continuasse a ser, como é desde 1979, uma personalidade política de grande relevo.
Uma personalidade política com grandes responsabilidades na actual situação do país enquanto governante, nas diversas funções tem ocupado, e por isso também com acrescidas responsabilidades no esclarecimento de todas as dúvidas surgidas a propósito de negócios em que tenha participado fora do exercício daquelas funções.
Esclarecimentos que Cavaco Silva não prestou ou quando tentou fazê-lo fê-lo de modo incompleto, com reticência, e num dos casos de modo a permitir uma interpretação errada dos leitores.
Essas questões foram minuciosamente analisadas neste blogue, em múltiplos posts, à medida que os factos se tornaram mais claros para quem os queira analisar com o rigor que eles merecem.
A profunda indignação de Cavaco Silva parece, porém, resultar de, pela mesma data ou um pouco antes, mas de qualquer modo com grande actualidade na agenda política, se estar a discutir publicamente e a investigar judicialmente a participação de conhecidas personalidades do cavaquismo nos negócios ilícitos do BPN, dos quais resultaram como toda a gente sabe danos avultadíssimos para o erário público português.
É claro que Cavaco Silva não é pessoalmente responsável pelos actos por que estão sendo investigados ou acusados alguns dos seus antigos “ajudantes” ou “colaboradores”, embora esses actos sejam politicamente relevantes, como o próprio Cavaco é o primeiro a reconhecer pela incomodidade que essa antiga ou mais recente proximidade lhe causa.
 De facto, houve erros de avaliação de personalidade em que um político não deve incorrer. Por outras palavras, como teria agido Cavaco Silva enquanto Primeiro Ministro ou mesmo como Presidente da República se tivesse admitido como provável que tais pessoas iriam praticar (ou tinham praticado) os actos de que estão acusados ou simplesmente investigados mesmo sabendo que somente ocorreriam depois do exercício de funções?
Dir-se-á que são uma minoria quando confrontados com os muitos sobre os quais não recai qualquer suspeita. É verdade. Todavia, também é verdade que grande parte dos seus “colaboradores” ou “ajudantes” foi escolhida no mundo dos negócios, que não era ( e continua a não ser) na opinião de muitos o meio mais indicado para recrutar gente encarregada de lidar com a coisa pública, tanto assim que a “promiscuidade” de que hoje tanto se fala entre a política e os negócios se desenvolveu com gente saída desse meio no exercício de funções governamentais.
Todas estas questões são particularmente embaraçosas do ponto de vista político, tanto mais quanto maior é a proximidade dos que prevaricam com antigos ou actuais governantes. E muito mais ainda para aqueles que a todo o momento querem fazer crer que nada têm a ver com a política e pretendem que do exercício dos cargos públicos que ocupam apenas se diga que o fazem por amor à grei e com pesado sacrifício para os seus interesses pessoais.
De certo modo, voltamos ao discurso de Barreto: uma conversa falsamente moralizante feita por quem está de fora, se julga acima e gostaria de estar dentro. Aqui é uma conversa de quem está dentro, quer continuar por cima e pretende ser visto como se estivesse de fora. São as duas faces da mesma moeda…





5 comentários:

  1. Pois, tem toda a razão, mas o sábio Povo, o português, como os outros, não quer saber disso! E compreende-se: Soube-se das patifarias dos ajudantes e ajudantes de ajudantes apenas, é o que parece, quando foi necessário responder a outras revelações. Alguém se lembra do caso do fax?, das revelações do Mateus? Não!(é verdade que na altura voava-se um bocadinho mais baixo, ainda não tinham chegados os milhares de milhões mas a ética era a mesma neste caso com o "pai" da democracia). São umas atrás das outras, lançadas meticulosamente, às vezes parece que combinadas com os agentes da justiça,de acordo com a refrega politico-partidária, de modo que o pessoal limita-se a exclamações do género: que queres, não andam todos ao mesmo?

    ResponderEliminar
  2. Este Xico Burro se o meu sexto sentido nao me atraicoar, banhou-se muitas vezes nas aguas do rio Lima!
    Dr. Correia Pinto o seu Posts e extraordinario e suficiente esclarecedor para quem o queira entender de boa fe! Eu sou Lusitano!
    H.

    ResponderEliminar
  3. O ar exageradamente condoído do Barreto aborrece. Soa até a falso. Onde estava ele há uns anos atrás, quando Sócrates se preparava para governar?

    É o "opinion maker" do vento, ou seja opina consoante a direcção para onde o vento sopra. Quero com isto dizer que as suas opiniões geralmente são ao sabor e agrado da opinião pública. Raramente o vi assumir uma opinião contra o "mainstream" ou pró-activa.

    É um "opinion maker" reactivo mas não pró-activo, actua por arrastamento, atrás das circunstâncias e não por antecipação.

    Já estou a vê-lo, daqui por alguns anos, a lamuriar-se dos resultados das políticas de Passos Coelho e de Portas, da mesma forma que agora assesta a arma da sua crítica contra os resultados das políticas do primeiro-ministro cessante.

    ResponderEliminar
  4. Respondendo ao primeiro comentário: sim, é verdade que a tal "promiscuidade" de que se fala no post começou com Soares, embora, tem de reconhece-se, de forma ainda embrionária. Depois é que se desenvolveu a sério...

    ResponderEliminar
  5. Parabéns mais uma vez por esta brilhante análise.

    Uma coisa é certa: o que se passou no universo BPN/SLN saiu-nos caro a todos, muito mais aos pobres que aos ricos, pela dificuldade com que cada um suporta os impostos, e quer Cavaco queira quer não, já foi testemunhado em tribunal que aquilo que gentilmente lhe venderam por 1, gentilmente lhe recompraram num curto espaço de tempo por 2 e tal, e foram negócios daqueles que levaram o Banco ao estado em que está. Não sabemos que configuração têm estes movimentos naquelas contas mas sabemos que foram afinal menos-valias que fazem parte do buraco que estamos a pagar.

    Uma vergonha este processo à Sábado, que desconhecia. Cavaco não sai para mim mais limpo ainda que ganhe, pelo contrário, é cada vez mais fosca a sua esfinge.

    ResponderEliminar