UMA DÚVIDA…E UMA HISTÓRIA EXEMPLAR
Warren Buffett escreveu no NYT um artigo incitando o governo americano a deixar de “apaparicar” os ricos; George Soros numa entrevista ao Le Monde (18 Agosto) concorda com Buffett, mas adverte que o patrão da Berkshire Hathaway, não obstante todo o seu altruísmo, faz aquele apelo em defesa dos ricos; na Europa, os ricos franceses manifestaram-se favoráveis à sua participação no esforço financeiro que o país vai ter de fazer, apelando ao governo para que os taxe com um imposto excepcional (taxez nous) e Sarkozy já declarou que estava de acordo, propondo-se fazer umas pequenas cócegas na fortuna dos ditos com um imposto excepcional de 3% sobre os rendimentos superiores a meio milhão de euros.
Em Portugal os ricos são contra. Todos eles. Primeiro porque não são ricos, mas sim trabalhadores assalariados como é o caso do Amorim, do Belmiro e do Soares do Pingo Doce; depois porque já devem muito dinheiro…ao Estado, como é o caso do Berardo.
Todo visto e ponderado, propendo a concordar com os ricos portugueses. Um imposto excepcional sobre as grandes fortunas e os grandes rendimentos é antes de mais um meio de legitimação da concentração do capital e depois seria seguramente usado como arma demagógica para ideologicamente justificar uma extorsão ainda mais ampla dos pequenos e médios rendimentos.
Por isso, sou antes apologista do contrário: a concessão em certas circunstâncias de um subsídio aos ricos.
A propósito uma história exemplar. Em 1975, governava então o IV Governo Provisório, ouviam-se algumas queixas sobre a situação difícil por que estariam a passar latifundiários expropriados e patrões de empresas nacionalizadas. Perante este quadro, foi então decidido, na Presidência de Conselho de Ministros, propor ao Governo a concessão de um subsídio mensal de 7500$00 às pessoas que se encontrassem naquelas condições, enquanto outras soluções não viessem a ser encontradas. Coube-me fazer a apresentação e a defesa do diploma em Conselho de Ministros.
Perante as justificações apresentadas, Salgado Zenha (PS), Ministro da Justiça, naquele seu estilo irónico e mordaz, interrogou-me directamente: “ O sr. dr. acha razoável a concessão de um subsídio do montante que propõe a quem foi desapossado dos seus bens e vai certamente ter direito a uma justa indemnização, podendo sempre mais tarde deduzir-se no que vier a ser devido o que agora for provisoriamente atribuído”?
E eu respondi-lhe: “Senhor Ministro, o que vai acontecer mais tarde nós não sabemos. O que sabemos é que essas pessoas precisam agora de algum dinheiro para viver. E o montante que fixamos tem uma justificação. É o montante acima do qual, como o Senhor Ministro sabe, os vencimentos da função pública estão congelados e é também o montante que qualquer português pode converter em divisas quando se desloca ao estrangeiro. Além de que, Senhor Ministro, há um outro argumento que nos pareceu decisivo. Um trabalhador que receba o salário mínimo (à época uma miséria, apesar de o montante fixado pela Revolução representar um progresso extraordinário relativamente ao que se passava na ditadura) – e tantos são – pode ver o seu ordenado penhorado num terço para pagamento de uma qualquer dívida incumprida. Ora, os latifundiários e os capitalistas têm uma dívida incomensuravelmente maior para com a sociedade portuguesa. Foram décadas e décadas de promiscuidade com a ditadura e com o pior que ela tinha. Por isso, 7500$00 já representa uma grande generosidade da nossa parte”.
E a conversa ficou por ali…Mais tarde, porém, os ricos recuperaram muito mais do que aquilo que momentaneamente perderam. Está na hora de voltarem a ter direito a um subsídio. Mas desta vez vitalício…
Ora ainda bem que as memórias começam a fluir. Abraço
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