CAVACO TÃO PREVISÍVEL QUANTO COMUM
Já toda a gente opinou sobre as opiniões de Cavaco. Por razões que não vem ao caso, não foi possível, em cima do acontecimento, dizer qualquer coisa sobre o modo como Cavaco censurou o comportamento de Sócrates, enquanto Primeiro-ministro.
Cavaco tem uma particularidade interessante: quando as pessoas já estão a tentar esquecer-se da sua última asneira - é que ele, convém recordá-lo, é o Presidente da República - ei-lo que reaparece com outra, igual ou pior que a anterior, um pouco como quem diz: “Continuo cá!”.
E como não podia deixar de ser, levou “pancada” à esquerda e à direita. Uns por umas razões, outros por outras.
Sem entrar em considerações jurídico-constitucionais, que, aprofundadas, levariam à insustentabilidade das teses de Cavaco, o que talvez seja conveniente recordar, a propósito deste episódio, é que o cidadão Cavaco Silva é absolutamente incapaz de analisar objectivamente uma situação em que tenha participado. O que, diga-se, nada tem de excepcional. Limita-se a ser como a generalidade das pessoas comuns. Nesse sentido, Cavaco é realmente um homem comum.
As suas reacções apenas são notícia porque ele se está referindo a assuntos políticos como se de questões pessoais se tratasse. Apesar de estar envolvido na política há décadas, ele continua a ter a propósito dos assuntos em que é interveniente a reacção típica do homem comum.
Foi o que ainda agora se passou com o recente ajuste de contas com Sócrates sobre a alegada falta de solidariedade institucional do ex-Primeiro Ministro.
O raciocínio de Cavaco é mais uma vez muito simples. Ele acha que Sócrates é o grande responsável por um conjunto de ciladas de que foi vítima nos últimos três anos, a saber: o Estatuto dos Açores, a espionagem durante a visita à Madeira e as escutas a Belém; as acções da SLN; e a Casa da Coelha.
Para Cavaco o “ruído” feito à volta destes assuntos só pode ser da responsabilidade de quem tinha a intenção de pessoalmente o desqualificar para o fragilizar politicamente, sem sequer lhe passar pela cabeça a responsabilidade que ele próprio tem em todos eles, uma vezes porque foram inventados dentro da sua esfera de acção, outras porque somente a falta de transparência que os rodeou e continua a rodear explica a notoriedade que atingiram.
É esta interpretação tão pessoalizada dos factos, e a correspondente interiorização de ofensas por factos que fazem parte do “jogo político”, em que ele está tão envolvido como os outros, que fazem com que Cavaco perca completamente a noção das proporções.
Foi o que se passou quando solenemente convocou o país, que estava em férias, para uma comunicação transcendente, que depois se veio a verificar dizer respeito a uma questão de lana caprina que poderia ser resolvida por outros meios, como aliás veio a ser (os poderes de PR no novo Estatuto dos Açores), e foi também o que se passou, mais tarde, quando ele próprio resolveu escrever uma incrível explicação sobre o episódio das escutas, tudo situações que perante uma oposição mais ousada lhe poderiam ter custado o segundo mandato.
E foi ainda o que se passou posteriormente, depois de assegurada a reeleição, quando procurou a desforra por métodos politicamente pouco recomendáveis para um Presidente da República ao atacar desabridamente nos dois discursos da vitória os tais responsáveis pelas “calúnias”; e ao atacar o Governo no discurso de investidura.
Perante tais factos, para o Governo de então passou a ser evidente que Cavaco deixou de ser confiável.
É que tanto o Governo como as pessoas politicamente habilitadas sabem muito bem que os “golpes políticos” podem ser sempre relativizados ou até esquecidos com a mudança da conjuntura, enquanto a interiorização dos conflitos políticos como ofensa pessoal torna os seus destinatários completamente imprevisíveis, se não mesmo irracionais, daí que tendam a ser marginalizados e sempre que possível afastados dos critérios de decisão política.
Parece ter sido o que se passou…
No fim de contas tudo isto não passa objectivamente de uma manobra de diversão da qual Cavaco volta a sair mal ferido.
Para já não falar do rol de latrocínios e outros crimes que foram cometidos pelos seus colaboradores e amigos mais chegados, este homem continua sem explicar a Casa da Coelha e as acções da SLN.
ResponderEliminarNão concordo por isso que se diga que é um "homem comum" ... nem sequer no sentido em que a expressão é utilizada no post.
V
É difícil descortinar politicamente um fundamento racional para a intervenção de Cavaco. Qualquer que seja o ângulo de análise deste ataque, todos eles o desfavorecem. Seria mais avisado actuar mais tarde, quando deixasse de ser Presidente, de modo fazer incidir sobre Sócrates a responsabilidade pelas consequências, políticas e pessoais, da opção que tomou.
ResponderEliminarNão foi capaz. Cavaco, porque se sentiu ofendido e actuando manifestamente pelo desejo vulgar de vingança, achou que deveria desde já esclarecer tudo, pôr tudo em pratos limpos, como fazem normalmente as pessoas que não sabem actuar politicamente.
Talvez seja inapropriado caracterizar este comportamento como típico do “homem comum”. Talvez. Mas o que ele não é certamente é um comportamento próprio de um “homem político”. Não obviamente por via de qualquer censura de natureza ética, como muitas das que criticaram a actuação de Cavaco. Não, não é por isso. É apenas por a actuação do “homem político” ter por pressuposto uma certa racionalidade. Uma certa inteligência táctica ou estratégica…
Um outro aspecto da questão, que somente ao de leve está abordado no texto, tem a ver com o fundamento jurídico-constitucional da posição de Cavaco.
ResponderEliminarHavia um velho ditado francês que dizia: “Dans le mariage triompe qui peut” (um adágio popularizado por Antoine Loysel). E na política? Como se passam as coisas entre representantes de órgãos de soberania pertencentes a partidos diferentes? Cavaco parece interpretar a competência do Primeiro ministro de "informar o Presidente da República acerca dos assuntos respeitantes à condução da politica interna e externa do país" como uma manifestação da existência de uma relação de subordinação hierárquica.
É óbvio que essa interpretação não faz sentido. Mas também não faz qualquer sentido confundir uma competência com um dever. A competência é um conjunto de poderes ou faculdades de um órgão ou de uma entidade ou de membro desse órgão ou dessa entidade para tomar decisões. Decisões que ele tem o direito e o dever de tomar. Portanto, é o Primeiro Ministro, e não a qualquer outro membro do Governo, que tem competência para informar o Presidente da República e é também ao Primeiro Ministro que incumbe a responsabilidade de densificar o conceito de informação previsto na alínea c) do n.º 1 do art.º 201.º da Constituição.
Quer isto dizer que o Primeiro Ministro goza de total discricionariedade sobre o conteúdo e amplitude da informação que presta? Em princípio, não. Antes de mais é preciso esclarecer que essa informação tem necessariamente um grau de minúcia diferente consoante se trata de matérias em que o Presidente da República tem uma competência específica, sem o exercício da qual o acto não pode ser praticado (por exemplo, nomear embaixadores, ratificar tratados internacionais, matérias respeitantes às Forças Armadas), daqueles em que o Presidente tem apenas uma competência genérica.
Por outro lado, é preciso também ter em conta que neste segundo tipo de actos as consequências de uma “informação menos correcta” do Primeiro Ministro tanto podem ser simplesmente políticas como jurídicas. Em princípio, as consequências serão apenas politicas o que significa que serão avaliadas pela opinião pública consoante a forma e o modo como a mensagem dos agentes políticos for interpretada. Mas também podem ser jurídicas se o Presidente da República na avaliação discricionária que delas fizer concluir que põem em causa o regular funcionamento das instituições, caso em que demitirá o governo, com todas as consequências que daí decorrem, inclusive para o próprio Presidente da República.
De acordo com os 2 comentários de CP.
ResponderEliminarQuando acima disse que Cavaco não é um homem comum pensava na sucessão de escândalos que - mesmo esquecendo agora a Coelha e a SLN -foram e são protagonizados pelos seus homens de mão e que seriam motivo de impeachment se a nossa Constituição o previsse.
Só quem tiver muita fé pode acreditar que tanto roubo cometido por tantos amigos é mera coincidência.
V