COM A ESPANHA RESGATADA
TUDO SE COMPLICARÁ
A direita que governa a Espanha tem poucas semelhanças com a
que está no poder em Portugal. A direita espanhola é nacionalista – aceita contrariada
os nacionalismos locais e o multilinguismo -, soberanista – continua a fazer da
independência nacional e da grandeza de Espanha um dos seus pontos de honra – e
é apenas liberal qb. O próprio europeísmo da direita espanhola não nada a ver
com o “europeísmo bacoco” daqueles que tendo perdido em casa, por amputação
territorial, a noção de Pátria julgam poder encontra-la na Europa sem
fronteiras. O europeísmo dela é como o das grandes potências europeias –
subordinado à expansão e defesa dos interesses espanhóis tal como os interpreta.
A Europa não é uma nova expressão da Pátria perdida, é um campo de reencontro
de um domínio que se perdeu e de expansão da influência espanhola. Carlos V e
Filipe II continuam na cabeça de qualquer espanhol que se preze.
Além disso é uma direita herdeira do falangismo e das várias nuances do fascismo que, tendo sido
vitoriosa em casa, logrou passar incólume durante a Segunda Guerra e manter-se no
poder, apesar das derrotas do fascismo e do nazismo na Europa, até finais da
década de 70. Sem ter sido verdadeiramente derrotada quando aceitou "jogar
o jogo democrático”, ela não teve que se descaracterizar para sobreviver, antes se manteve igual a si
própria, com as limitações impostas pelas regras do jogo que aceitou
jogar.
É essa mesma direita, internamente truculenta na sua
linguagem e nos seus processos, que hoje estrebucha e resiste a deixar-se
intervencionar pelos poderes que dominam Bruxelas, certa como está de que do
afundamento de Espanha resultará a desagregação da própria Europa, na qual outros
terão muito mais a perder do que ela.
Esta luta que a direita espanhola está travando, não sendo propriamente
quixotesca, está porém longe de poder ser vitoriosa. A Europa é hoje – se é que
alguma vez deixou de ser – um enorme campo de batalha onde se disputam
influências e se defrontam hegemonias. A crise do euro tem-no demonstrado com
mais evidência do qualquer outra crise.
O resgate do sector financeiro espanhol feito por via da
responsabilização directa do Estado não vai desanuviar a situação na Europa.
Pelo contrário, vai agravá-la. A dívida espanhola aumentará e com ela o défice,
por via do respectivo serviço. Se a Espanha já estava na mira dos mercados,
mais vai passar a está-lo depois do resgate. Agravar-se-á a situação financeira
do país onde todos os dias se detectam novos buracos. Agora é o das
auto-estradas concessionadas que não conseguem sequer angariar receitas para ir
pagando a dívida que as financiou. Um após outro os países periféricos vão caindo,
primeiro os mais pequenos, agora os grandes. Logo depois chegaria – se lá se
chegasse – a vez da França. É o edifício europeu construído com pés de
barro que aos bocados se vai desmoronando.
O caso da Espanha é muito interessante, porventura mais do
que o da Irlanda. É que na Espanha depois das turbulências causadas pela crise
monetária de 92/93, em que houve três desvalorizações sucessivas da peseta, obviamente
causadas por a paridade cambial estabelecida no quadro do SME ser completamente
irrealista, como era a da lira italiana, a da libra esterlina e a do próprio escudo,
a economia não deixou de crescer. E foi
continuando a crescer depois da adesão ao euro até 2010. A convicção
de que a economia espanhola assentava em bases sólidas era tão forte que
Zapatero até se recusou a admitir que houvesse crise!
A economia crescia impulsionada pela chamada “bolha
imobiliária” mas também por um investimento público em larga escala coroado de
sucesso. E, todavia, quando mais a Espanha crescia…mais se afundava.
A economia pode ser uma ciência e certamente sê-lo-á com
todas as limitações que acompanham as ciências sociais. Mas uma coisa de que
todos nós hoje temos a certeza é de que os economistas nunca olham para a
economia como tal mas antes baseados em factores irracionais que tendem a sobrevalorizar
muito mais do que as evidências empíricas que os ajudariam a
compreender a realidade. Pois não era evidente que o “progresso” da Espanha estava
a ter como consequência a perda constante da competitividade relativamente àqueles que
dentro da zona euro iam reforçando a sua?
Há vários factores relevantes para a perda de
competitividade, mas aquele que seguramente vai ser tido em conta, lá como cá,
para tentar recuperar a competitividade perdida vai ser certamente o
salário – o custo directo e indirecto do trabalho.
Como se vê não houve em Espanha, ao contrário do que
aconteceu em Portugal, obras que tivessem sobreendividado o Estado ou cujos
efeitos no PIB fossem quase nulos. Pelo contrário, a economia crescia e a
dívida do Estado estava bem abaixo da média da dívida da zona euro e muito
abaixo dos chamados critérios de Maastricht já que a maior parte dos
investimentos públicos que o Estado fazia era financiada pela receita fiscal proporcionada
pela construção civil. E todavia…
Esta crise não assenta portanto em culpas como alguns convictamente pretendem fazer crer, a começar pelos luteranos alemães. Isto é o capitalismo a
actuar no contexto específico da “bolha monetária” criada pelo euro. O
capitalismo não tem em vista proporcionar o interesse geral a partir da busca
do interesse individual nem tão pouco assenta na famosa destruição criativa que Shumpeter teorizou e Greenspan tanto
elogiou. O capitalismo assenta única e exclusivamente no lucro. Na busca
incessante do lucro. E dessa busca e sua concretização decorrem depois
múltiplas consequências as quais, a partir do momento em que a economia se liberalizou
e globalizou, deixaram de ser tidas em conta pela razão muito simples de elas
já não fazerem perigar a subsistência do sistema. Pelo contrário, a hegemonia
alcançada pelo capitalismo fá-lo sair mais forte das crises que provoca porque
por via dessa hegemonia pode agora recapitalizar-se ilimitadamente à custa dos
contribuintes!
E é isto o que se está a passar na Europa onde o único problema
que se põe é o da repartição dessa recapitalização pelos contribuintes. É mais
uma vez a questão nacional a ditar as suas regras…
Parece que juntou várias peças do puzzle para depois só montar algumas delas. A sua conclusão é clara, mas algo me parece que ficou por dizer... até mesmo relacionado com o titulo dado ao seu post.
ResponderEliminarSim, Rogério, é verdade. Já estava longo. O resto virá mais tarde...
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