terça-feira, 5 de junho de 2012

A RECAPITALIZAÇÃO DOS BANCOS



QUEM PAGA?



 Sabe-se – e sobre isso não há qualquer dúvida – que foram os sistemas financeiros americano e europeu que estiveram e estão na origem da presente crise. Claro, que a crise que rebentou em 2007, na América, assim como a de 1929, embora tenham tido ambas a sua causa próxima no capital financeiro, têm no capitalismo liberal e na profunda desigualdade de distribuição de rendimentos a sua causa mais profunda. Certamente que as crises são diferentes, principalmente nas suas consequências, mas isso não significa que não tenham causas comuns.  

Mas voltemos à actualidade. Foi a falência do sistema financeiro – umas vezes ostensivamente exibida, como aconteceu com a falência de grandes bancos na América e de outras instituições financeiras de objecto múltiplo, mas também na Islândia, na Inglaterra, na Irlanda, na Holanda, na Bélgica, enfim, por toda a Europa; outras escondidas com a cumplicidades dos Estados e dos famosos reguladores, como se está a ver na Espanha, na Itália, na Grécia, em Portugal, em França, enfim, mais uma vez em quase toda a Europa – que levou à falência dos Estados e transformou a dívida pública no centro de todas as atenções da zona euro.

A esta causalidade acresce, para agravar brutalmente a situação, a receita posta em prática para combater a crise, inspirada na pura ortodoxia neoliberal, com o propósito de aproveitar a situação existente para uma transformação estrutural da sociedade em que vivemos. Uma transformação que, não obstante todos os meios de que hoje se dispõe e dos extraordinários progressos alcançados pelas modernas sociedades, visa colocar o trabalho exactamente na mesma situação em que se encontrava há século e meio. No passado, isso acontecia em nome da acumulação primitiva, ou seja da necessidade de acumular capital que, juntamente com outras formas de rapina como a exploração colonial, permitisse a criação da massa crítica necessária aos profundos investimentos que o desenvolvimento do capitalismo impunha. Hoje, é em nome da competitividade que por toda a Europa o capital defende e tenta, até agora com relativo êxito, diminuir drasticamente os custos unitários do trabalho para aumentar brutalmente as margens de lucro, a exploração e a desigualdade social.

É neste contexto, muito sumariamente traçado, que os bancos estão a transferir para os cidadãos em geral, mas com fortíssima incidência nos rendimentos do trabalho, os prejuízos que acumularam em consequência de operações de altíssimo risco que proporcionaram lucros elevadíssimos aos seus executivos e aos especuladores, mas também em consequência dos financiamentos no sector imobiliário, ele também altamente especulativo, que obviamente colapsou mal estancou a fonte de financiamento que o alimentava, já para não falar nos empréstimos que contraíram para financiar o consumo e outras actividades que em nada beneficiaram as respectivas economias.

Estas diversas causas do colapso do sistema financeiro não têm a mesma incidência em toda a zona euro, nem as mesmas causas a mesma intensidade em todos os países. A bolha imobiliária, por exemplo, está particularmente presente na Irlanda e em Espanha, embora tenha reflexos em todo o sistema financeiro europeu.

E nem sequer se ouse dizer como alguns insinuam e os mais desavergonhados afirmam que foram os Estados que faliram os bancos. Esse argumento é falso, já que o activo constituído pelos créditos sobre os Estados continua a ser o mais seguro de todo o sistema financeiro, seja ele representado por títulos da dívida pública, seja por créditos sobre o sector público empresarial. Não só nenhum desses empréstimos ou títulos deixaram de ser pagos na data do vencimento, como uma parte considerável desses activos – os títulos da dívida pública – têm permitido aos bancos aceder aos leilões do BCE dando-os em garantia do dinheiro que recebem. Dinheiro que recebem a 1% e aplicam a taxa várias vezes superior.

O argumento de que os bancos são demasiado grandes para falir fez com que o Estado por todo os lado entrasse com o dinheiro necessário para os salvar. O modo como isso se tem feito também não é uniforme. Depende do grau de democratização das respectivas sociedades. Se as sociedades são democraticamente fortes, o Estado, embora “meta o dinheiro”, vê-se obrigado a criar simultaneamente condições de acesso à gestão do banco e de retorno relativamente satisfatórias, participando obviamente do capital social na medida dos capitais que proporcionou.

Pelo contrário, se as sociedades em que o fenómeno ocorre são democraticamente frágeis, como é o nosso caso, e se os respectivos governos actuam como agentes do capital financeiro, as operações de capitalização estão revestidas da maior opacidade, exactamente para se não saber que o Estado não impôs condições satisfatórias de retorno do capital investido, não participa da gestão nem tão-pouco passa a integrar o respectivo capital social na medida do contributo prestado.

Ou seja, neste tipo de sociedades em que do regulador aos respectivos governos todos actuam como agentes do capital financeiro reúnem-se facilmente as condições necessárias para um saque gigantesco. Saque em que as famigeradas “Troikas” se não metem, pois como agentes descarados que são do capital financeiro internacional nada têm a opor ao “fortalecimento” do sistema financeiro.

Este é um dos tais casos em que não basta apenas protestar, como se fez no BPN e no BPP, é preciso que o Ministro das Finanças ou o Primeiro Ministro expliquem “tim tim por tim tim” o que estão a fazer com o dinheiro dos portugueses. E os portugueses não querem saber muito, querem apenas, sem ambiguidades ,saber: a) quanto e a que bancos emprestaram; b) causas e natureza desses passivos; c) natureza jurídica da intervenção do Estado; d) condições de retorno (tempo e remuneração) do capital investido.

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