AS CULPAS SÃO SEMPRE
DOS OUTROS
A extensa entrevista a Felipe González que El País ontem publicou
não tem sobre a natureza da crise verdadeiramente nada de novo. Ou melhor, como
diria um espanhol bem humorado, ajuda a perceber por que razão Rubalcaba
(Secretário Geral do PSOE) à segunda está contemporizador, à terça cabreado e à
quarta dialogante. Mas serve também para compreender quão assustador é para os “felipistas”
a hipótese de a actual direcção do partido, por pressão das bases, passar a
fazer uma oposição dura e corajosa às políticas de austeridade postas em
prática por Rajoy por decisão da Troika. No caso uma troika mais informal, até talvez
mais inorgânica que a nossa, mas nem por isso menos complacente. Pelo contrário.
O que no fundo González advoga é um grande pacto com o PP
no qual se acorde o que há a fazer para que a Espanha passe a ter condições para negociar com a Europa as medidas indispensáveis para combater a crise. Ou seja, o
que é preciso é que sob a visão iluminada do PSOE, tal como González a entende,
a Espanha seja capaz de fazer uma verdadeira negociação com a Europa, coisa que
até hoje segundo ele não aconteceu. Mais: González considera que as imposições
que já fizeram a Espanha para lhe concederem essa ridicularia de 30 mil milhões
de euros deixa o governo sem margem de manobra para negociar o verdadeiro
resgate, que andará pelos 300 mil milhões de euros.
Para González as culpas da presente situação são dos que se
lhe seguiram. De Aznar e de Zapatero, que, segundo ele, deitou muita gasolina no
fogo. González nunca perdoou a Zapatero a sua ascensão a Secretário Geral do
PSOE contra o seu próprio voto e os candidatos por ele escolhidos. É verdade
que a bolha imobiliária espanhola começa a inchar com a liberalização dos solos
decretada por Aznar, mas ela tem a sua causa, em Espanha como na Irlanda, na
concepção do euro, ou se se quiser ser mais preciso, no modo como esta Europa
foi construída a partir de Maastricht. Se antes de Maastricht o modelo de
construção já era antidemocrático e relativamente indefinido também não é menos
verdade que por essa altura ele não estava em condições de causar tantos danos
às partes que o compunham como passou a estar depois de Maastricht, com a
agravante de ainda se ter tornado mais antidemocrático.
Sobre este “pecado original” e sobre o modelo de
desenvolvimento económico construído em Espanha com os fundos comunitários
entrados às catadupas, González não diz uma palavra. As asneiras vieram todas
depois e são tanto da responsabilidade de quem as cometeu como de quem emprestou
o dinheiro para que fossem cometidas.
Por outro lado, há passos da sua argumentação, toda ela no
sentido de pressionar a Alemanha a transformar o BCE numa verdadeira Reserva
Federal ao serviço dos Estados insustentavelmente endividados, que se baseiam em
factos que ele contesta quando isoladamente analisados, mas que rapidamente
perdem essa conotação quando funcionam como simples contexto da conclusão a que quer
chegar. Exemplifiquemos: argumentar com base na situação orçamental espanhola e
no endividamento do Estado anterior ao desencadeamento da crise para justificar
um tratamento preferencial ou pelo menos muito diferente do BCE, tanto mais que
ela (a situação espanhola) até era melhor do que a alemã, é um argumento que exactamente se baseia no enaltecimento do que à frente se critica. Então González não percebe que o superávide orçamental
espanhol e a baixa dívida pública foram conseguidos à custa das extraordinárias
taxas de crescimento que a bolha imobiliária proporcionava e do gigantesco
endividamento privado da economia espanhola?
Queixa-se, por fim, González de que, apesar de existir na
zona euro uma moeda única, ela não tem em todos os países o mesmo valor. Infelizmente,
é verdade. A causa desse estranho fenómeno está na sua concepção e não no uso
que dela se fez. Quem pode em capitalismo impedir o lucro? Quem pode impedir o
capital de buscar o lucro nas actividades mais lucrativas mesmo que para isso
tenha de refugiar-se nas menos sustentáveis? Aliás, que não são
sustentáveis sabe-o o capital depois, nunca antes. Basta ler Alan Greenspan
para perceber isto. Quando se está na alta, seja ela baseada no que for,
ninguém actua partindo do pressuposto de que à alta se segue a baixa. A lógica
do capital é outra: aproveitar ao máximo o que está a dar e quando deixar de dar
passar para outra.
E como pretende Gonzalez resolver o problema dos países
endividados? Pondo o BCE a comprar ilimitadamente dívida pública sempre que o
chamado “prémio de risco” ultrapasse os 200 pontos percentuais. Ou seja, sempre
que a diferença da taxa de juro entre a do país que se endivida à taxa mais baixa e
a do país em questão ultrapassar os 2%, o BCE interviria comprando dívida
ilimitadamernte.
Mas como conseguir semelhante coisa se o BCE é exactamente o
contrário disto? Mas mesmo que isso acontecesse o problema não ficaria resolvido.
Ficaria atenuado, aliviado, mas agravar-se-ia novamente lá mais à frente. Não
pode haver em capitalismo dinheiro ao mesmo preço para economias diferentes. A
comparação com os Estados Unidos e o Reino Unido não vale. Nos Estados Unidos e
no Reino Unido há uma economia – a economia americana e a economia do Reino Unido.
Na União Europeia há várias economias!
"Uma troika mais informal..."
ResponderEliminarIsto é agora, no resgate dirigido especificamente ao "saneamento" do sistema bancário. Mas com juros de hoje acima dos 7%, o resgate geral, à grega e portuguesa, parece-me inevitável e quero ver se, então, a intervenção da troika não será como cá.
Quero ver é se o orgulho tradicional dos espanhóis vai permitir o nosso "bom comportamento"