O QUE NINGUÉM (APARENTEMENTE) QUER VER
Estará tudo dito sobre o acórdão do Tribunal Constitucional
que declarou inconstitucionais as normas do Orçamento de Estado para 2012 que “cortam”
os subsídios de férias e de natal do sector publico e dos pensionistas? Talvez
não.
Na intervenção de ontem à noite na TVI Marcelo Rebelo de
Sousa confirmou, no essencial, o que aqui se disse sobre a interpretação do
acórdão. Há, porém, uma questão quer o ilustre Professor não tratou
apesar de a ela ter aludido ao de leve. É a questão da natureza dos subsídios
de férias e de natal e das consequências que dela decorrem. Como já tínhamos dito
em post anterior, o TC considerou sem
margem para qualquer dúvida que aqueles subsídios fazem parte do salário dos trabalhadores do sector público ou da reforma dos pensionistas. São, portanto, salário ou
pensão de reforma, logo um direito, e não um qualquer bónus que possa ser retirado
por lei de acordo com os critérios políticos de quem decide.
O reconhecimento dos subsídios como salário ou pensão implica
que eles estejam juridicamente tão protegidos como o próprio salário ou pensão
de que fazem parte integrante.
Acontece que deste reconhecimento decorrem várias
consequências que não têm sido levadas em conta na discussão deste assunto. A primeira,
aliás óbvia, foi também ontem apontada por Rebelo de Sousa. Depois da decisão do
Tribunal Constitucional não mais poderá dizer-se que o governo vai eliminar os
subsídios. A verdade é que daquele reconhecimento não decorre somente esta conclusão. Há mais. Pondo a questão
na forma interrogativa: pode uma medida que incida sobre a totalidade ou
sobre parte dos subsídios ser tomada pela forma que para o efeito foi adotada
na lei de aprovação do Orçamento para 2012? Poderá o Parlamento pura e
simplesmente adoptar relativamente àqueles salários e pensões uma medida de
natureza semelhante à que adopta para alcançar uma qualquer outra diminuição de
despesa?
De facto, os salários dos funcionários públicos e as pensões dos
reformados são despesa do Estado da mesma forma que constituiu despesa do Estado
a manutenção em funcionamento do tribunal de Castro Daire, da Maternidade Alfredo
da Costa ou da Escola Afonso Benevides. Mas terão estas despesas todas elas
mesma natureza? Se o Estado (no caso, o Governo) pretender fechar aquelas
instalações para diminuir a despesa pública poderá certamente fazê-lo contanto
que continuem no essencial assegurados os serviços que através delas se
prestavam. Porventura em condições mais incómodas para os utentes mas desde que
o direito destes à saúde, ao ensino ou à justiça não fique de tal modo afectado
na sua consistência prática que equivalha à sua denegação não há meio, por mais
que politicamente se discorde, de impedir o governo de o fazer. E poderá o Estado,
neste caso o Parlamento, fazer o mesmo relativamente aos subsídios de férias e
de natal? Poderá pura e simplesmente o Parlamento decretar que aqueles
subsídios ficam suspensos enquanto durar o Programa de Assistência Financeira?
Ou terá antes o Estado, se quiser recuperar aquelas verbas, que usar uma outra
via, como necessariamente teria de usar relativamente a qualquer outro direito da
mesma natureza cuja efectividade não dependesse dele?
Essa a grande questão. Então, o direito ao salário ou à
pensão de reforma têm a mesma natureza do direito ao ensino, do direito à saúde
ou do direito à justiça? Ou dito de uma forma mais precisa: a suspensão dos
subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos e dos pensionistas afecta
o direito ao salário e à pensão da mesma forma que o encerramento daquelas
instalações afecta o direito à justilça, à saúde ou ao ensino? Não terá o
governo se quiser neutralizar a despesa com os subsídios de férias e de Natal,
nos termos decididos pelo Tribunal Constitucional – isto é, com respeito pelo
princípio da igualdade – que operar essa neutralização pela via de um imposto
extraordinário, aprovado pelo Parlamento, exactamente nos mesmos termos em que teria
de o fazer se decidisse atingir os subsídios correspondentes do sector privado?
Ninguém até hoje, que seja do nosso conhecimento, se
pronunciou sobre este assunto. Nem o Tribunal Constitucional abordou o assunto,
nem tão-pouco ele foi tratado desta forma política ou juridicamente em termos
que sejam do conhecimento público ou do conhecimento técnico especializado. É,
porém, nossa profunda convicção que somente por esta via se assegurará o
princípio da igualdade e se defenderá integralmente a conclusão a que o
Tribunal chegou de que os subsídios fazem parte integrante do salário ou das
pensões e são, como tal, um direito da mesma natureza destes.
Bem visto, como sempre.
ResponderEliminarV
Vou partilhar Zé Manel.
ResponderEliminarBrilhante, como sempre.
:))
Passe a presunção, descabida e só aparente, sempre tive o ponto por evidente e, mais, implícito sempre.
ResponderEliminarOs pontos, de que 'subsídios' são salário (1/7 da soma anual), e de que o respeito da decisão do T.Const. não se cinge a tributar os trabalhadores do privado, roubando-lhes os tais subsídios, exige pelo contrário o reforço da tributação universal...
Porque a igualdade, como é óbvio, afere-se no universo dos cidadãos, de todos, não no segmento laboral, entre trabalhadores do público e do privado.
Aliás, se assim não fosse, como explicar (e justificar) juridicamente os cortes dos pensionistas (do público e do privado)?
A.M.
Claro, a tributação universal é que assegura o princípio da igualdade. Também o disse em posts anteriores, embora tenha depois concluído que, na prática, ela acaba por recair quase só sobre os rendimentos do trabalho. Daí que somente a estes agora me tenha referido.
ResponderEliminarMas ainda bem que há quem pense o mesmo...apesar do silêncio que há sobre o assunto.
Obrigado
CP
me tenha referido. e só aparente os cortes dos pensionistas.
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