quinta-feira, 26 de julho de 2012

AS PRIVATIZAÇÕES E O MINISTÉRIO PÚBLICO

É MESMO PARA INVESTIGAR?




Há dias os jornais davam conta de que o Ministério Público estava a investigar as privatizações da EDP e da REN, ou com mais rigor, “estava a investigar a intervenção e conduta de alguns assessores financeiros do Estado nos processos de privatização da EDP e da REN”.

Muito provavelmente, como é hábito em Portugal em circunstâncias idênticas, esta investigação não vai dar em nada por maiores que tenham sido as irregularidades. Além de que há males que já estão feitos e que nenhuma investigação pode agora reparar.

Mas se o MP está realmente interessado na investigação dos processos de privatização que aproveite o facto de estarem neste momento a correr três - TAP, ANA e RTP -, todos eles muito importantes, e tente perceber o que se passa nestes processos exactamente nas mesmas matérias que ditaram as investigações em curso nas privatizações já concluídas. Que a investigação se faça enquanto o ovo ainda está no ninho e não mais tarde quando já se encontrar “cá fora” a cantar de galo.

Ainda ontem o Presidente do BCI protestava contra os milhões que o seu banco tem pago a consultores estrangeiros escolhidos pelo Ministério das Finanças e pelo Banco de Portugal para assessorar o processo de recapitalização da banca. E até se queixou de as reuniões para tratar desses assuntos, ou seja, de assuntos exclusivamente portugueses, do Governo português, serem todas em inglês, porque é essa a língua que os senhores consultores falam. 
Pois bem, sabe-se pelos jornais que nos processos de privatização em curso há várias entidades a assessorar o Ministério das Finanças e as empresas a privatizar, mas da leitura dessas mesmas notícias depreende-se que a informação é escassa. Veio a lume o nome de um ou outro consultório de advogados, mas percebe-se que haverá mais gente envolvida, porventura muito mais. Assim sendo, o racicínio é simples: se se está a averiguar as asssessorias às privatizações da EDP e da REN, se se sabe como essas assessorias foram escolhidas, se se suspeita de terem permitido o acesso a informação privilegiada ou de ter havido abuso de acesso a essa informação, então que se investigue também o que se está a passar  nos actuais processos de privatização, pois mais vale que depois da investigação feita não restem dúvidas sobre a lisura dos processos utilizados do que  no fim sobrem as incertezas ou mesmo as suspeitas de graves irregularidades que já não podem ser evitadas.

Se a privatização da RTP levanta à partida todas as suspeitas, qualquer que seja o ponto de vista de quem suspeita, por estar a ser conduzida por um ministro que perdeu politicamente credibilidade, as outras duas não levantam menos. Há muitos interesses e muito dinheiro em jogo. Perceber-se-ia muito mal que tais privatizações estivessem a ser conduzidas por consultores estrangeiros, sabendo-se, como se sabe, a teia de ligações que esses gabinetes mantêm com o capital financeiro e os hipotéticos compradores. Se for esse o caso, e cabe ao MP investigar, a história recente noutros países (e, ao que parece, também em Portugal) demonstra que os consultores desempenham frequentemente o papel de pontas de lança de outros interesses, como se tem visto nos Estados Unidos e na Inglaterra onde os conluios têm sido frequentes. Claro que se os consultores forem portugueses poder-se-ia passar exactamente o mesmo, mas há apesar de tudo limitações objectivas que uma empresa de projecção internacional, por exemplo, um banco, obviamente não tem.

O Ministério Público tem de partir do princípio que não está a investigar um negócio do equivalente sr. Relvas ou de Vítor Gaspar, mas um negócio do Estado português. E que os negócios do Estado têm regras que têm de ser respeitadas por mais que os liberais suponham que podem actuar nos negócios públicos nos mesmos termos em que actuam nos negócios privados.
Além disso, o Ministério Público também não pode esquecer-se que há em Portugal um responsável oculto pelas privatizações, cujas funções estão revestidas da maior opacidade, que teve ligações muito estreitas com um potentado financeiro, acusado de ter praticado todo o tipo de tropelias pelo mundo fora, obviamente interessado, directa ou indirectamente, em todos os processos de privatização. Ainda há pouco tempo num estudo muito fundamentado um jornalista do Monde demonstrava a rede de ligações ocultas que esse potentado financeiro mantém por todo o lado, nomeadamente com ex-empregados e outros que contrata para actuar por sua conta, com vista a colocá-lo numa posição privilegiada nos negócios em que está interessado.

Que o MP investigue enquanto é tempo…

Sem comentários:

Enviar um comentário