A DEMAGOGIA DA NOVA
CONTESTAÇÃO
De há uns tempos a esta parte, a RTP 1, em certos dias da
semana, depois do Telejornal da noite, massacra os portugueses com uma
entrevista, normalmente a personalidades de direita, conduzida pelo sr. Vítor
Gonçalves com uma de duas finalidades: ou para promover politicamente o
entrevistado (cheira por todo o lado a novo governo e não faltam candidatos a ministros,
ao contrário do que pensa Mário Soares) ou para fazer a propaganda das teses do
governo apesar da sua validade e eficácia estar mais que demonstrada pelo
próprio resultado da acção governativa.
Hoje o convidado foi o sr. Pires de Lima do CDS. A entrevista
do ponto de vista jornalístico foi uma vergonha. O entrevistador, babado com o
entrevistado, não tendo uma verdadeira questão a pôr-lhe, limitou-se a umas
pobres deixas que permitissem ao entrevistado fazer a sua propaganda e acima de
tudo perfilar-se para o lugar por que há muito almeja (o de ministro da economia
– imagine-se por que será…).
Pires de Lima, é bom recordá-lo, disse em Agosto, na TVI 24,
que a Troika deveria “impor ao Estado português a revisão da Constituição,
porque com esta Constituição não se pode cumprir o Memorandum de Entendimento”.
Pires de Lima vociferava, então, possesso, contra o acórdão do Tribunal
Constitucional por ter inviabilizado o caminho que o Governo havia escolhido
para reduzir o défice.
Esta ideia que hoje voltou a ser repetida, embora com uma
configuração diferente, é um acto de pura vigarice política. Deixando
de lado a apreciação política do “comportamento patriótico” desta direita que
apela ostensivamente ao estrangeiro para alterar a lei fundamental do país e
deixando também de parte a avaliação penal de semelhante comportamento, importa
dizer que o agravamento do défice em 2012 não tem nada a ver com a decisão do
Tribunal Constitucional, a qual, como se sabe, não terá qualquer eficácia no
ano em curso, mas antes resulta (aquele agravamento) da imposição de uma
política económica assente em teorias pré-keynesiana, velhas, com cerca de
anos, que estão a produzir agora exactamente os mesmo resultados que já haviam
produzido logo depois da Primeira Guerra Mundial. A única diferença é que
quando estas políticas foram postas em prática naquela época, apesar de tudo
com um pouco menos de selvageria, o capitalismo corria o risco de ser varrido
por movimentos orgânicos muito fortes que advogavam a construção de uma
sociedade completamente diferente. E foi por isso que os sectores não apenas
mais lúcidos mas também humanistas do status
quo depressa concluíram que era necessário dar um volte face à política
económica, promovendo em larga escala o emprego, sob pena de tudo poder ruir a
breve trecho.
Hoje os capitalistas e, principalmente, os lacaios que nos
governos os representam, sabem que não há nem se perspectivam forças
organizadas capazes de alterar radicalmente o status quo. A preocupação deles está, portanto, circunscrita à ameaça
de rotatividade que a todo custo querem evitar para poderem retirar todas as
vantagens dos lugares que ocupam e aos efeitos da contestação inorgânica que
causa incómodos e aborrecimentos de vária ordem, até de imagem (aspecto que
eles muito prezam), mas que, tal como a rotatividade, não põe em causa a
essência do sistema económico. Pode até no limite potenciar um golpe de Estado, mas o
sistema, na sua essência, permaneceria idêntico.
Mas voltando à falsa argumentação de Pires de Lima. Se
relativamente a 2012 o acórdão do TC nada tem a ver com o défice, o mesmo se
pode dizer relativamente a 2013. De facto, o TC, contrariamente ao que deveria
ter feito, não defendeu nos seus considerandos a tese de que os ordenados dos
funcionários públicos e as pensões dos reformados não poderiam pura e
simplesmente ser “cortados” por força de uma imposição legislativa decretada em
sede não tributária, tendo-se antes limitado a dizer o mínimo que nas
circunstâncias concretas do caso sub
judice poderia ter dito: ou seja, que tem de haver alguma equidade nos
sacrifícios, não sendo juridicamente aceitável que eles recaiam exclusivamente
sobre aqueles que têm uma específica relação com o Estado.
Se o governo fosse constituído por gente de bem, se o governo
não fosse composto simultaneamente por fanáticos neoliberais e por
inescrupulosos ministros desprovidos dos mais elementares valores de ética
social não seria certamente necessário qualquer decisão do TC para impedir
semelhante enormidade porque qualquer governante minimamente imbuído de
princípios elementares de justiça rejeitaria, sequer como hipótese, a solução
encontrada pelo Governo Passos Coelho e tão acaloradamente defendida por Pires
de Lima e seus iguais.
O que acontece é que a prevista redução do défice de 2013,
pelas razões acima explicitadas, não pode ser alcançada apenas com o famigerado
“corte” dos salários e das pensões dos funcionários públicos e dos
pensionistas, sendo necessário ir muito mais além. E então o governo,
demonstrando a sua total falta de ética – a tal falta de princípios elementares
de justiça que leva o povo a chamar-lhes “gatunos” de cada vez que se cruza com eles – aliada à imbecil convicção de que conseguiria relançar a actividade
económica transferindo para a “oferta” (isto é, para as empresas) uma vultosa
quantia líquida extorquida à “procura” (isto é, ao salário dos trabalhadores),
tentou pôr em prática um saque nunca antes visto em nenhuma outra parte do
mundo - pôr a cargo do salário a maior parte da contribuição para a segurança social que cabia a capital.
Sabe-se o que aconteceu. Posto perante a rejeição inequívoca
do “extraordinário povo português”, agora também promovido a “melhor povo do
mundo”, o governo perdeu o rumo e verdadeiramente ainda não sabe bem o que
há-de fazer. A primeira ideia que lhe ocorreu foi pôr em prática uma enorme
carga fiscal seguramente paralisadora da actividade económica. Postos perante esta
situação aqueles que até aqui não tinham contribuído com nada, nem sequer com o
receio de ver perigar o lugar que ocupam, começaram a protestar em voz muito
alta tentando abafar a voz sofrida daqueles que desde há muito vêm arcando com
todos os sacrifícios.
E aqui é preciso distinguir com muita lucidez o protesto dos
que já não podem suportar mais impostos do protesto daqueles que tendo altos
rendimentos não querem pagar mais impostos. São estes que demagogicamente fazem
campanha contra os impostos e pugnam pelo corte na despesa. Que ninguém iluda e
que ninguém se deixe enganar em alianças de ocasião com a demagogia do CDS e
com os apelos daqueles que recusam o aumento de impostos para agravar o corte
na despesa. O que eles realmente querem dizer quando pedem mais cortes na
despesa é: confisco de salários e de pensões de funcionários públicos e de
pensionistas; despedimento de dezenas de milhares de funcionários públicos; eliminação
ou drástica redução de prestações sociais (RSI; subsídio de desemprego, etc.);
e, finalmente, cortes na saúde e no ensino.
Uma coisa, porém, é certa: esta política com mais ou menos
impostos, com mais ou menos cortes na despesa, levará o país à desgraça. Ela
tem de ser rápida e radicalmente alterada, mesmo que para isso seja necessário
promover profundas mudanças naquilo que até agora tem sido o posicionamento de
Portugal posterior a 25 de Abril de 1974.
O teu dedo na ferida: a economia faz-se pelo lado da oferta ou pelo lado da procura? É isto, essencialmente, que separa os economistas - e, claro, os politicos.
ResponderEliminarE, curiosamente, nunca vi uma definição, em equação, de uma qualquer "oferta agregada"...