terça-feira, 22 de janeiro de 2013

AMÍLCAR CABRAL


 

A GUINÉ DEPOIS DE 1973

 

Há quarenta anos foi notícia no mundo inteiro – e por maioria de razão na Guiné – a morte de Amílcar Cabral, assassinado na véspera, à noite, em Conacri.  

Seria interessante a esta distância reler o modo como a imprensa portuguesa deu a notícia, nomeadamente a ligada ao regime fascista. Como alguns se recordarão imediatamente se insinuou a existência de uma grande divisão no seio do PAIGC, entre guineenses e cabo-verdianos, que teria estado na origem da morte do grande nacionalista e revolucionário africano. Chegou inclusive a apontar-se o nome do sucessor, Dr. Vítor Monteiro, ex-quadro da CUF, como então foi identificado.

O contexto em que a notícia foi inserida não tinha nada de novo quando comparada com as notícias das mortes de Humberto Delgado e de Eduardo Mondlane. Também nestes dois casos os assassínios de Delagado e de Mondlane eram atribuídos a divergências internas dos que lutavam contra a ditadura ou mais genericamente contra o colonialismo.

A quem então cumpria serviço militar na Guiné a notícia causou profunda apreensão. Admitiam-se retaliações em grande escala ou talvez pior do que isso a condução da guerra por parte do PAIGC em moldes diferentes dos que até então tinham ocorrido. De facto, havia a convicção generalizada entre os que cumpriam o serviço militar na Guiné, como uma inevitabilidade a que somente com uma alteração radical dos planos de vida se poderia escapar, que Cabral conduzia a guerra com ética.

Tanto assim que mesmo depois da falhada operação “Mar Verde”, o PAIGC continuou a fazer a guerra do mesmo modo sem retaliações específicas.

A morte de Cabral, ao contrário do que admitiam os que dela, secretamente, se vangloriaram, não enfraqueceu o PAIGC, nem alterou o rumo da guerra de libertação. Pelo contrário, desde então até ao colapso do colonialismo o PAIGC não deixou de somar vitórias na Guiné.

A primeira vitória do PAIGC foi a substituição pacífica e consensual do líder morto. Depois foi a declaração da Independência em Madina do Boé em 23 de Setembro de 1973 da nova República da Guiné-Bissau, reconhecida pouco depois por várias dezenas de países. Mais do que aqueles com que Portugal mantinha relações diplomáticas.

As grandes vitórias militares ocorreram, porém, antes. Primeiro com introdução dos mísseis terra-ar SAM-7, conhecidos como Strela, que abateram dois jactos bombardeiros FIAT G 91 e dois Dornier (DO) – um terceiro foi atingido mas conseguiu regressar à base - que praticamente neutralizaram a acção da Força Aérea na Guiné ; e depois com as violentas ofensivas no Norte contra Guidage e no sul contra Guileje e Gadamael, cujas regiões, principalmente a sul, passaram a ser um verdadeiro calvário para a tropa portuguesa.

As derrotas do PAIGC e da Guiné-Bissau ocorreram, infelizmente, muito mais tarde, depois da independência. Embora os primeiros grandes responsáveis pelo descalabro a que a Guiné-Bissau chegou sejam antes de mais os seus dirigentes que não souberam estar à altura da herança de Cabral, a verdade é que Portugal poderia ter feito mais, muito mais, para impedir que a Guiné-Bissau caísse no atoleiro em que agora está mergulhada.  

Sobre a morte de Amílcar Cabral escreveram entre outros Oleg Ygnatiev – “Três tiros da PIDE, quem, porquê e como mataram Amílcar Cabral” e José Pedro Castanheira – “Quem mandou matar Amílcar Cabral”.

No início de Janeiro de 1973 esteve na Guiné Alpoim Galvão, comandante da Operação Mar Verde (1970), entretanto colocado em Lisboa, salvo o erro no início de 1972. Alguns dos que à época prestavam serviço militar na Guiné, na Marinha, ou no Comando Chefe (Amura), terão conhecimento deste facto. Há relativamente poucos anos, já neste século, Otelo referiu-se a esta estadia… apesar de ela não figurar nos anais da guerra colonial portuguesa.

Na recente biografia de Alpoim Calvão – “Uma Quase Biografia – Alpoim Calvão, Honra e Dever” - de Rui Hortelão, Luís Sanches de Baena e Abel Melo e Sousa, não consta qualquer referência desta viagem de Alpoim Calvão à Guiné, embora nela se reconheça que Calvão continuava empenhado na guerra da Guiné, no quadro de um plano por ele denominado “Dragão Marinho”, o qual implicaria conversações com altos dirigentes da guerrilha, Cabral e irmão, entre outros – factos nunca confirmados pelo PAIGC nem sequer alguma vez referidos onde quer que fosse. O que terá havido, bastante mais tarde, mas dessas diligências Calvão estava completamente à margem, foram diligências exploratórias em Londres, conduzidas por diplomatas portugueses, com vista ao estabelecimento de negociações com o PAIGC. Isto, porém, numa altura em que a guerra já estava completamente perdida.

Nesse mesmo mês de Janeiro de 1973 o que a biografia refere é uma guerra de Alecrim e Manjerona entre Alpoim Calvão, então Comandante da Polícia Marítima do Porto de Lisboa e o Comandante da Guarda Fiscal para saber qual das duas instituições (ou ainda a PIDE) deveria ficar com uns caixotes com livros que a bordo de um cargueiro dinamarquês seguiam para o MPLA. Os ofícios ou notas de Alpoim Calvão transcritos no livro estão datados (2 e 12 de Janeiro); os da Guarda Fiscal não estão. Enfim…

 

5 comentários:

  1. Nessa altura acabava eu de tomar contacto com algumas expressões da oposição, no meio estudantil, ao regime, onde pontificavam como encarniçados "Marxistas/leninistas/stalinistas/maoistas" alguns dos actuais arautos e influentes do liberalismo radical caseiro. Hoje é risível a mitificação, com uma indisfarçavel dose paternalismo, que se fazia dos dirigentes dos "movimentos de libertação"; viu-se depois a "massa" de que muitos deles eram feitos. Também hoje parece incrivel como é que todo uma população (sem dúvida a sua maioria) acreditava nas patranhas nacionaleiras e não se via aquilo que deveria entrar pelos olhos dentro: o regime estava no seu estertor, mas, a verdade é que a maior parte não o via, fundamentalmente não víamos o significavam a inferioridade tecnoclógica em que o exército português tinha sido colocado, as votações na ONU, o discurso do principe inglês "consorte" acrescentava a imprensa do regime) em Guimarães, a recepção do Papa aos dirigentes dos tais movimentos etc. etc., e o pessoal não via.. é incrivel! Mas tanta gente, tantos povos se têm enganado...

    Penso que o citado autor (António Abreu (do IST?)) seja o orador (inflamado!) da primeira sessão de esclarecimento a que assiti no verão de 74 no salão dos bombeiros da terra, ele na qualidade de membro do PCP, ainda me lembro de algumas das questões com que tentaram ensarilha-lo, quase do tipo das criancinhas ao almoço e da injecção atrás das orelhas dos velhos, sim, sim.. eram assim as dúvidas e receios.
    Fiquei com curiosidade, vou tentar arranjar e ler

    lg

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  2. Desconheço por completo o papel de António Abreu no pós 25 de Abril. Desconheço mesmo se à época ainda pertencia ao Exército. O que sei pelo li da sua escassa biografia é que nunca estudou no IST. É um homem de Letras, suponho que do Porto.
    Nada no livro aponta no sentido de um comportamento coincidente com o referido no comentário. Nada mesmo.

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  3. Peço descula, precipitei-me. Logo que carreguei no "enter" percebi que não se tratava da mesma pessoa. O António Abreu em que eu pensei até já foi candidato a uma eleição importante pelo PCP há não muitos anos ...e efectivamente (também penso.. são muitos anos) que ele ou o pai foram estudantes/professores no IST, mas para o caso não importa, não é o Abreu do livro que aqui foi citado). Não quis dizer nada sobre o comportamento dele, apenas que os tempos eram dados a uma "inflamação" generalizada e ele tinha, de facto, um grande traquejo para aquela situação, ai isso tinha. Também não era a ele que me referia quanto aos MLs, pois o meu contacto com ele limitou-se a essa "sessão". Pode crer que aquilo gravado dava para agora nos divertirmos.
    lg

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  4. O Antonio Abreu que refere é o militante do PCP que foi candidato a Presidente da República?

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  5. Sim. Uma grande confusão e precipitação a minha.

    LG

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