UM LIVRO DE ANTÓNIO GRAÇA DE ABREU
Vem a propósito do quadragésimo
aniversário da morte de Amílcar Cabral falar num livro publicado há cerca de
seis anos mas de que somente há dias tive conhecimento – Diário da Guiné,
escrito por António Abreu, entre Junho de 1972 e Abril de 1974, quase dia por
dia o tempo da minha comissão de serviço na Guiné, em Bissau, na secção de
Justiça do Comando da Defesa Marítima.
Para além da enorme diferença que
à época representava ser colocado em Bissau ou no mato, há ainda uma outra porventura não menos negligenciável: fazer o serviço militar na Marinha ou no Exército.
A diferença era sob todos os aspectos abissal.
António Abreu foi mobilizado para a Guiné com 23 meses de tropa cumpridos em Portugal, tendo sido sucessivamente colocado em Canchungo (antiga Teixeira Pinto), Mansoa e Cufar. Ou seja, quanto mais a comissão se aproximava do seu termo mais perigoso era o local para onde o mandavam.
Tendo muito presente as grandes datas dos dois últimos anos de guerra e as ocorrências que tragicamente as assinalam, segui, como se estivesse a reviver esses mesmos tempos, esta narrativa contada por quem viveu de muito perto esses mesmos acontecimentos.
O livro de António Abreu é, a
vários títulos, um testemunho notável do que foram os dois últimos anos de
guerra na Guiné não apenas no plano militar, mas também no plano das relações
entre os milicianos e os soldados, do comportamento das chefias militares mais
próximas, do estado de espírito dos combatentes, do relacionamento dos soldados
com a população, das dificuldades correntes do quotidiano que se agravavam
dramaticamente quanto mais perigoso era o teatro de operações, da filosofia de
vida com que se encarava a inevitabilidade de uma comissão de 22 ou 24 meses,
da incerteza sobre o dia seguinte, a partir de certa altura, do minuto seguinte…
Tudo isto António Abreu conta numa
prosa elegante, sempre com muita grandeza de espírito e notável humanismo. O
modo como salpica a narrativa com alguns episódios burlescos acontecidos no dia-a-dia
da guerra e a fina ironia com que os trata fazem lembrar alguns dos melhores gags de Chaplin. Por outro lado, o
equilíbrio das suas apreciações e o sentido de justiça sempre presente, mesmo
nas condições mais difíceis, fazem com que ele seja capaz de apreciar as
qualidades e até as virtudes daqueles de cuja acção discorda. A suposta
ingenuidade com que aceita o inevitável, mantendo-se sempre íntegro e igual a
si próprio, e a sua vasta cultura contribuíram certamente para que tenha saído sem
traumatismos de uma guerra que se ia tornado mais violenta à medida que se ia
aproximando fim.
Das muitas leituras sobre a
Guerra Colonial, desde as narrativas de militares até à obra de ficcionistas
consagrados, passando pela obra dos historiadores,
tenho na minha modesta capacidade de apreciação literária o “Diário de Guerra”
de António Abreu como uma das obras mais interessantes que sobre o tema já li.
Concordo com a apreciação feita ao livro. Li-o aquando da publicação e achei-o uma maravilha. Um facto que me diz muito foi o sr Graça de Abreu ter estado em Mansoa,localidade onde eu permaneci 25 meses entre 67/69.
ResponderEliminarNo artigo anterior um anónimo estabeleceu uma confusão entre o meu camarada António Abreu (do PCP), e o Graça de Abreu autor deste livro.
Sim, foi uma confusão que o autor do comentário já reconheceu.
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ResponderEliminarMuito obrigado pelo comentário e pelos elogios.
O meu Diário é um pouco do meu orgulho.
Mas tenho mais catorze livros publicados, todos eles com a China lá dentro.
Depois da Guiné veio a China, e nunca mais parei com estudos, trabalhos e extremadas vivência sobre, e na China.
Abraço,
António Graça de Abreu