sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O EURO E NÓS


 

NÓS E A ALEMANHA

  Continuo a supor que, se nos longínquos anos de meados da década de sessenta do século passado, na prova escrita de Moeda, tivesse sido perguntado aos alunos do terceiro ano da Faculdade de Direito de Coimbra, que vantagens e desvantagens decorreriam para Portugal, no plano estritamente económico, sem entrar em linha de conta com considerações de ordem política, da adopção do dólar americano, em substituição do escudo, como moeda corrente na “Metrópole e Ilhas adjacentes”, a resposta seria seguramente negativa porque todos estavam em condições de perceber, depois do que tinham estudado e dos debates havidos nas aulas sobre a então ainda hipotética mas muito falada desvalorização da libra no governo de Harold Wilson, que as desvantagens dessa alteração monetária seriam ruinosas para a economia portuguesa.
Algumas décadas mais tarde, os ministros das Finanças de Cavaco e de Guterres – todos, sem excepção – bem como os governadores e os técnicos superiores do Banco de Portugal, encararam a entrada na moeda única europeia, o euro, como uma grande vitória de Portugal. Importante era estar no pelotão da frente, como eles então diziam.
Ao reler hoje as páginas escritas por muitos desses especialistas percebe-se como as grandes opções de política económica, não apenas em matéria de moeda, mas em todos os domínios, nada tem de racional e muito menos de científico. São acima de tudo ditadas por considerações de ordem ideológica. E pelas múltiplas fantasias que a partir delas se concebem.
E na altura até havia dados empíricos muito recentes, decorrentes da crise monetária de 1992/93 e do posterior colapso do SME, que numa análise prudente levariam exactamente à conclusão oposta. Mas nada disso foi tomado em conta, apesar dessa crise monetária ter tido consequências em Portugal, traduzidas em desvalorizações do escudo, aliás sobreavaliado pela política monetária de Cavaco.
Quem não se lembra de uma entrevista de Miguel Beleza, ex-Ministro das Finanças de Cavaco, exultando com a adesão de Portugal ao euro, por assim se poder concretizar, dizia ele, um “dos grandes desígnios” (eles gostam muito da palavra, talvez por cheirar a Providência Divina) do Prof. Cavaco Silva, que era o de Portugal poder contrair empréstimos no mercado internacional ao mesmo juro da Holanda!
Acreditava-se, à revelia das experiências históricas conhecidas, que a adesão à moeda única integrava rapidamente as economias, com diferentes graus de desenvolvimento e de competitividade, pertencentes ao mesmo espaço económico quando na realidade as afasta, tanto mais quanto mais inexistentes forem os mecanismos de compensação. E mais grave ainda, o facto de realmente se tratar de várias economias e não de uma única economia com estadios e ritmos de desenvolvimentos  diferentes, acaba por empurrar as menos competitivas para insustentáveis situações de endividamento.
Pois bem, a adesão ao euro deu no que se está a ver. Mas não só. O euro, como toda a gente hoje (parece que já) percebeu, é uma moeda alemã, criada à imagem e semelhança do deutsche Mark, para vigorar numa União Monetária constituída por economias profundamente desiguais e dirigida por um banco central que obedece às mesmas regras que antes regiam o Bundesbank. Uma moeda de que a Alemanha hoje se serve para oprimir as economias europeias que com ela integram a mesma união monetária.
O euro, apesar da crise que o afecta e que está sendo relativamente superada à custa de sacrifícios brutais impostos pela Alemanha às demais economias da zona monetária comum, mais exactamente, a todas as economias que não fazem parte do chamado núcleo do deutsche Mark - Áustria, Holanda e Finlândia – o euro, dizíamos, não obstante a crise que o afecta, continua a valorizar-se face ao dólar.
Segundo a Morgan Stanley, a Alemanha pode suportar uma taxa de câmbio de 1,53 dólar, embora segundo o Deutsche Bank essa taxa pudesse subir, sem risco para os interesses alemães, até 1,94 dólar. Economias muito mais fortes do que a portuguesa, como, por exemplo, a francesa, já começam a ter grandes dificuldades quando a taxa de câmbio ultrapassa 1,23 dólar.
E por que razão a Alemanha suporta o euro forte e os outros não?
Como a Alemanha exporta produtos de alta gama, a questão do preço desses produtos no mercado internacional, embora não seja despicienda, não assume a mesma importância que assume em economias como a portuguesa, cujos produtos se forem caros podem facilmente ser substituídos por outros equivalentes mais baratos. Mesmo as economias com produtos de gama média, como a francesa, ressentem-se profundamente com a valorização cambial do euro.
É esta política vantajosa para a Alemanha? Sabe-se que uma velha aspiração alemã, conhecida desde o início do seculo XX, era a desindustrialização da Europa, reduzindo-a a zonas de produção agrícola e de recreio - assim uma coisa à moda do que Portugal está sendo hoje -, hegemonizando ela a grande produção industrial.
Dir-se-á: mas essa política é ruinosa para a Alemanha que tem na zona euro o seu principal mercado. Certamente. O euro forte, pelos efeitos que provoca nas demais economias europeias, acabará por ser prejudicial à Alemanha, da mesma forma que as políticas recessivas que a Alemanha está impondo à Europa também acabarão por lhe ser prejudiciais. E todavia…a Alemanha não muda, nem mudará de rumo enquanto se mantiver como potência económica hegemónica.
É que para a Alemanha as coisas não são assim tão claras como a nós nos parecem. Basta olhar para o passado. Indo ao mais recente: o modo como a Alemanha conduziu a última guerra tanto no plano político como militar; como tratou os povos dos territórios conquistados, principalmente os Untermenchen; como pretendeu “resolver o problema dos judeus”, entre tantas outros exemplos que poderiam ser apontados, são a prova de uma profunda irracionalidade. E todavia…tudo foi feito até ao fim.
É bom nunca esquecer que para os alemães “tudo o que é real é racional…”
Por isso, perante este dramático quadro em que a adesão europeia e a moeda única nos enredaram, nós encontramo-nos numa situação muito difícil.
Uma situação em que ficar onde estamos significa a degradação sucessiva e acentuada da nossa soberania, da nossa dignidade, em suma, do nosso futuro. Hoje os mais jovens ainda vão tendo capacidade para emigrar em condições muito diferentes das da década de sessenta do século passado e de outros períodos da nossa história, porque estudaram, porque se prepararam tão competentemente como os demais; amanhã, cada vez serão menos os que terão acesso a essa educação superior e indiferenciados é tudo o que a globalização não precisa.
Mas é também uma situação em que sair (deste quadro em que estamos inseridos e do modo como estamos inseridos) significa regressar a um ponto anterior ao ponto de partida. De facto, não obstante todos os progressos havidos em vários domínios, não podemos perder de vista que muitos deles não são sustentáveis e outros servem hoje mais quem está fora do que quem está dentro. Seria preciso, portanto, começar de novo em todas aqueles domínios em que a destruição de que fomos vítimas não causou danos irreparáveis. É uma via difícil, mas é a única com futuro, a única que assegura um futuro às gerações vindouras.
E teria uma vantagem indiscutível cujo efeito ninguém pode prever em toda a sua extensão: a vantagem de afrontar a hegemonia alemã sobre a União Europeia. Algo que fatalmente vai acontecer na Europa e que só ainda não aconteceu porque a Inglaterra está fora da moeda única.

3 comentários:

  1. Concordo com quase tudo. Mas, parece-me, carrega demasiado as responsabilidades alemãs. 1)O tratado de Maastricht, sempre se disse, pretedia garantir à Alemanha que o euro seria uma moeda à imagem do DM. 2)É hoje sabido que a maioria dos alemães gostaria de voltar à sua moeda nacional. 3) O próprio autor do Blog já mais de uma vez aqui escreveu (pelo menos foi assim que intrepertei)que a criação do euro foi imposta por Miterrand para amarrar a Alemanha, aliás são hoje do conhecimento geral episódios com isso relacionados. Por fim, não entendo a "simpatia" pelos ingleses; a)Afinal não se sujeitaram aos ditâmes monetários do alemães mas nem por isso deixaram de sofrer um profundo processo de desindsutrialização e terem um grau de endividamento que só ainda não deu bronca porque os holofotes têm mais com que se ocupar. b)Uma das razões (expressa) para não aderir ao euro foi manter vários paraísos fiscais a começar pelo gigantesco "offshore" que é a City. c) Os súbditos de sua magestade não suportariam ser trbutários dos primos (assim os considerava Hitler)do continente mas não se importam de ser o caniche da ex-colónia.Claro que numa perspectiva de desmantelamento da UE será o aliado mais óbvio.

    Ainda que concorde com quase tudo oq ue o autor diz, menos a conspiração alemã, não devemos esquecer, sabe melhor que eu, que não é possivel voltar à situação anterior, penso até que muitos problemas de Portugal resultaram do que se passou após a adesão e que, também penso, ninguém imaginaria: O alargamento e a mundialização do capitalismo que, afinal, tornaram menos importante para a Alemanha o projecto da Europa Ocidental. Não havia Gauleiters no BPN...
    lg

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  2. Embora a minha profª de há 45 anos não possa ver e aplicar o correctivo que se imporia, queria pedir desculpa pelo erro ortográfico, valha isso o que valha, em "magestade".
    lg

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  3. Sim, é verdade que o euro foi imposto pelos franceses. Já aqui relatei o juízo (simplista)que os franceses fizeram ao impor o euro - acabar com a tirania do deutsche Mark. Isto são factos.
    Outra coisa é a moeda única ter sido criada à semelhança do DM e o BCE à imagem do BuBa. As alterações que os franceses introduziram à última hora não alteraram nada. O objectivo prioritário do BCE manteve-se.
    Concordo com lg relativamente ao que diz dos ingleses (exactamente dos primos...embora não tratados assim por simples deferência de consanguinidade, mas por medo e respeito!) e a citação que deles faço não envolve nenhuma especial simpatia, mas apenas a constatação de um facto: se os ingleses lá estivessem os alemães não mandariam sozinhos. E os pequenos sempre tiram partido dessas diferenças...
    É também verdade que são os serviços,mais especificamente o capital financeiro, que hoje hegemonizam a economia inglesa. A desindustrialização não os prejudica, até os pode beneficiar, embora prejudique os trabalhadores ingleses.
    Na Europa nem todos podem dizer o mesmo...

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