terça-feira, 13 de agosto de 2013

A UNIÃO EUROPEIA TEM UM MODELO: A LETÓNIA!


 

E UM OBJECTIVO: AUMENTAR A POBREZA E A DESIGUALDADE SOCIAL

Há uns dez anos seria inimaginável que algum responsável da União Europeia apontasse como modelo de desenvolvimento da Europa um país como é hoje a Letónia. Fê-lo, porém, na semana passada o Comissário Olli Rehn no seu blogue quando resolveu aconselhar a Espanha a seguir o caminho da Letónia para sair da crise em que se encontra mergulhada desde que a crise financeira de 2008 começou a propagar os seus efeitos à Europa, potenciados nos países da zona euro mais expostos à “arquitectura institucional” do euro.

Diz cinicamente Olli Rehn: “A Espanha não tem que se resignar a taxas abissais de desemprego e a um crescimento anémico. Se quer sair do fosso em que se encontra deve fazer esforços. Esforços da mesma dimensão dos que fizeram outros países que tiveram êxito. Por exemplo, os trabalhadores devem aceitar uma baixa generalizada dos salários da ordem dos 10%. Só assim a Espanha se poderá tornar numa “história de sucesso” como a Irlanda e a Letónia”.

Em Espanha, as palavras de Olli Rehn tiveram a feliz consequência de provocar a unanimidade contra elas, conseguindo Olli Rehn o que desde o início do Governo Rajoy ninguém tinha logrado alcançar: pôr de acordo o PP, o PSOE, a restante oposição, os sindicatos e os patrões.

Infelizmente, o que se passou em Espanha não é reproduzível em Portugal. Toda a propaganda feita à volta da política de austeridade, apenas iniciada pelo Governo, pelos muitos comentadores alinhados e pelos intelectuais orgânicos que pululam nas televisões e enchem os jornais com artigos de opinião assenta na ideia, transmitida sob a forma de verdade insofismável, de que não há outro remédio para a saída da crise que não seja o “ajustamento” rápido e brutal das despesas às receitas.

Esta receita apela para o entendimento mais básico e primário da política económica, pretendendo disso tirar partido. Pois não é óbvio que se não pode gastar mais do que se recebe? Não, não é óbvio. Nem nunca o sistema capitalista funcionou assim, nem o modelo capitalista neoliberal, apesar das suas diferenças de país para país ou de região do mundo para região do mundo, pode hoje prescindir de um consumo muitíssimo superior aos rendimentos distribuídos. Se aquela aparente regra da experiência fosse seguida à risca em todos os domínios de actividade do sistema, o capitalismo colapsaria a breve prazo mergulhado numa crise recessiva sem saída.

Antes de a crise se manifestar com a crueza e a violência com que se abateu sobre os Estados Unidos, os grandes arautos do neoliberalismo não se cansavam de elogiar as vantagens da desregulação em todos os sectores da actividade económica, nomeadamente no sector financeiro, por acreditarem piamente que a riqueza (falsamente) gerada pelos produtos financeiros construídos a partir dos múltiplos créditos que as instituições financeiras detinham sobre todos aqueles que financiavam compras superiores aos rendimentos de quem as fazia assegurava uma nova era da actividade económica susceptível de garantir uma oferta ilimitada de crédito capaz de manter sem sobressaltos o funcionamento do sistema. A chamada “alavancagem” e a abundância de recursos financeiros permitiram, de facto, criar a ilusão de que as novas regras de funcionamento do sistema, nomeadamente a desregulação laboral, asseguravam a prosperidade que a todos permitia, por via do crédito barato, aceder a bens que não estavam ao alcance dos seus rendimentos.

O resultado desta política está hoje bem patente não apenas nos Estados Unidos mas em todos os países desenvolvidos, nomeadamente na Europa.

É hoje um dado empírico incontornável que a “receita neoliberal” faz crescer a pobreza e acentua consideravelmente as desigualdades sociais. Sem necessidade de recuar muito no tempo basta atentar no que se está a passar nos dois países que Olli Rehn apresenta como as “histórias de sucesso” – a Irlanda e a Letónia.

A Irlanda, o verdadeiro “bom aluno” de Bruxelas, apesar de ter diminuído drasticamente o défice, que chegou a atingir 30% do PIB em consequência, como se sabe, do resgate bancário, e de ter seguido à risca as imposições do BCE, da Comissão Europeia (ou seja, da Alemanha) e do FMI, continua em recessão. O verdadeiro “sucesso” da Irlanda, tal como o da Letónia, a seguir analisado, tem consistido na maior transferência de recursos da história do país das classes médias e baixas para as mais altas. Quem tem ganho, e muito, com este “sucesso” são as empresas, principalmente as multinacionais, e os altos cargos privados. O povo, esse ficou mais pobre e assim continuará, com tendência para piorar, se nada de muito radicalmente diferente não vier a ser posto em prática.

Na Letónia, o brutal programa de ajustamento posto em prática no país revelou-se, como já se tinha anteriormente revelado nos países da Ásia, da América Latina e da África que a ele se submeteram, a “arma bélica” mais mortífera de que o neoliberalismo dispõe para implantar o seu modelo – 40% da população mergulhada na pobreza sem qualquer expectativa de dela sair e a segunda maior taxa de desemprego da Europa. A par disto, que já não seria pouco, uma queda brutal da procura interna, uma redução considerável do PIB e uma queda acentuada dos salários, acelerando a acção conjugada destes factores o fosso entre ricos e pobres – irrecuperável na vigência do sistema - e a desigual distribuição dos rendimentos por força da colossal transferência de recursos das classes médias e baixas para o capital e para os sectores mais abastados da população. Para culminar este “assinalável êxito”, a Letónia tem hoje uma população idêntica à que tinha em meados do século passado em consequência do decréscimo demográfico e da emigração maciça de todos os que vislumbravam hipóteses de uma vida melhor no estrangeiro.

Afirmar que a Letónia, depois deste verdadeiro massacre da sua população, dá agora indícios de começar a crescer não passa de uma mistificação destinada a consolidar o resultado alcançado. De facto, muitos anos se passarão até que o PIB da Letónia regresse aos níveis anteriores à crise e os lugares paralelos conhecidos demonstram que as desigualdades geradas na sociedade pelos programas de ajustamento são para manter.

Foi por isso que a Espanha considerou como um insulto aos espanhóis e como uma ofensa nacional as palavras de Olli Rehn aconselhando os espanhóis e a Espanha a empobrecerem, apresentando-lhes como paradigma a seguir um país que, por junto, não deve ter mais que 50 anos de existência, e cujo “sucesso” assenta numa verdadeira catástrofe social provocada por uma fanática visão da economia contemporânea em que as pessoas, a generalidade das pessoas, deixaram de ser o centro do mundo para passarem a ser meros instrumentos descartáveis ao serviço do lucro, da competitividade, das empresas, enfim, “novos escravos” ao serviço de uma ínfima parte da população.

Depois das palavras de Olli Rehn, conhecido serventuário do capital financeiro e empenhado lacaio do neoliberalismo, bem podem os países mediterrânicos e periféricos da União Europeia dizer que se o que a Europa tem para lhes oferecer como modelo é a Letónia, então mais vale esquecer de vez a União Europeia, deixando-a entregue à sua sorte e à logica autofágica que hoje inequivocamente a domina.

 

4 comentários:

  1. Olhando para a expressão baça e suína do Sr. Rehn e ouvindo o seu incrível inglês, martelado por neurónios emperrados, é caso para se dizer que “sob o manto diáfano do discurso tecnocrático, a nudez crua da estupidez”.

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  2. Completamente de acordo com o ponto de vista do Senhor Dr. José Manuel. No entanto, em Portugal,como essa gente já viu que com esse discurso não convence ninguém, está a usar outra estratégia que consiste em entoxicar a opinião pública com as mentiras de que a econonia está a melhorar, as exportações a crescerem, certas dívidas aos credores externos a experimentarem um alívio, etc., etc.O objectivo é simples:convencerem os Portugueses que está a valer a pena os sacrifícios que lhes vêm impondo e que se aceitarem mais estes cortes brutais que se preparam para impor vai valer a pena. Porém a realidade é bem outra, pois nem a economia está a melhorar nem o poder tem qualquer controlo sobre as despesas.O País segue a passos largos para o abismo, sem que alguém seja responsabilizado.
    Com os meus cumprimentos.

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  3. "Portugal cresce 1,1% e espreita fim da recessão". Então, a ser assim por que querem obrigar novamente os Portugueses a sacrifícios brutais?Apanha-se mais depressa um mentiroso do que um coxo, lá diz o ditado.

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