E UM OBJECTIVO:
AUMENTAR A POBREZA E A DESIGUALDADE SOCIAL
Há uns dez anos seria inimaginável que algum responsável da
União Europeia apontasse como modelo de desenvolvimento da Europa um país como
é hoje a Letónia. Fê-lo, porém, na semana passada o Comissário Olli Rehn no seu blogue
quando resolveu aconselhar a Espanha a seguir o caminho da Letónia para sair da
crise em que se encontra mergulhada desde que a crise financeira de 2008
começou a propagar os seus efeitos à Europa, potenciados nos países da zona
euro mais expostos à “arquitectura institucional” do euro.
Diz cinicamente Olli Rehn: “A Espanha não tem que se resignar
a taxas abissais de desemprego e a um crescimento anémico. Se quer sair do
fosso em que se encontra deve fazer esforços. Esforços da mesma dimensão dos
que fizeram outros países que tiveram êxito. Por exemplo, os trabalhadores
devem aceitar uma baixa generalizada dos salários da ordem dos 10%. Só assim a
Espanha se poderá tornar numa “história de sucesso” como a Irlanda e a Letónia”.
Em Espanha, as palavras de Olli Rehn tiveram a feliz
consequência de provocar a unanimidade contra elas, conseguindo Olli Rehn o que
desde o início do Governo Rajoy ninguém tinha logrado alcançar: pôr de acordo o
PP, o PSOE, a restante oposição, os sindicatos e os patrões.
Infelizmente, o que se passou em Espanha não é reproduzível
em Portugal. Toda a propaganda feita à volta da política de austeridade, apenas
iniciada pelo Governo, pelos muitos comentadores alinhados e pelos intelectuais
orgânicos que pululam nas televisões e enchem os jornais com artigos de opinião
assenta na ideia, transmitida sob a forma de verdade insofismável, de que não
há outro remédio para a saída da crise que não seja o “ajustamento” rápido e
brutal das despesas às receitas.
Esta receita apela para o entendimento mais básico e primário
da política económica, pretendendo disso tirar partido. Pois não é óbvio que se
não pode gastar mais do que se recebe? Não, não é óbvio. Nem nunca o sistema
capitalista funcionou assim, nem o modelo capitalista neoliberal, apesar das
suas diferenças de país para país ou de região do mundo para região do mundo,
pode hoje prescindir de um consumo muitíssimo superior aos rendimentos
distribuídos. Se aquela aparente regra da experiência fosse seguida à risca em
todos os domínios de actividade do sistema, o capitalismo colapsaria a breve
prazo mergulhado numa crise recessiva sem saída.
Antes de a crise se manifestar com a crueza e a violência com
que se abateu sobre os Estados Unidos, os grandes arautos do neoliberalismo não
se cansavam de elogiar as vantagens da desregulação em todos os sectores da
actividade económica, nomeadamente no sector financeiro, por acreditarem
piamente que a riqueza (falsamente) gerada pelos produtos financeiros construídos
a partir dos múltiplos créditos que as instituições financeiras detinham sobre
todos aqueles que financiavam compras superiores aos rendimentos de quem as
fazia assegurava uma nova era da actividade económica susceptível de garantir
uma oferta ilimitada de crédito capaz de manter sem sobressaltos o funcionamento
do sistema. A chamada “alavancagem” e a abundância de recursos financeiros permitiram,
de facto, criar a ilusão de que as novas regras de funcionamento do sistema,
nomeadamente a desregulação laboral, asseguravam a prosperidade que a todos
permitia, por via do crédito barato, aceder a bens que não estavam ao alcance
dos seus rendimentos.
O resultado desta política está hoje bem patente não apenas nos
Estados Unidos mas em todos os países desenvolvidos, nomeadamente na Europa.
É hoje um dado empírico incontornável que a “receita
neoliberal” faz crescer a pobreza e acentua consideravelmente as desigualdades
sociais. Sem necessidade de recuar muito no tempo basta atentar no que se está
a passar nos dois países que Olli Rehn apresenta como as “histórias de sucesso”
– a Irlanda e a Letónia.
A Irlanda, o verdadeiro “bom aluno” de Bruxelas, apesar de
ter diminuído drasticamente o défice, que chegou a atingir 30% do PIB em consequência,
como se sabe, do resgate bancário, e de ter seguido à risca as imposições do
BCE, da Comissão Europeia (ou seja, da Alemanha) e do FMI, continua em recessão.
O verdadeiro “sucesso” da Irlanda, tal como o da Letónia, a seguir analisado, tem
consistido na maior transferência de recursos da história do país das classes médias
e baixas para as mais altas. Quem tem ganho, e muito, com este “sucesso” são as
empresas, principalmente as multinacionais, e os altos cargos privados. O povo,
esse ficou mais pobre e assim continuará, com tendência para piorar, se nada de
muito radicalmente diferente não vier a ser posto em prática.
Na Letónia, o brutal programa de ajustamento posto em prática
no país revelou-se, como já se tinha anteriormente revelado nos países da Ásia,
da América Latina e da África que a ele se submeteram, a “arma bélica” mais
mortífera de que o neoliberalismo dispõe para implantar o seu modelo – 40% da
população mergulhada na pobreza sem qualquer expectativa de dela sair e a
segunda maior taxa de desemprego da Europa. A par disto, que já não seria
pouco, uma queda brutal da procura interna, uma redução considerável do PIB e
uma queda acentuada dos salários, acelerando a acção conjugada destes factores o
fosso entre ricos e pobres – irrecuperável na vigência do sistema - e a desigual
distribuição dos rendimentos por força da colossal transferência de recursos
das classes médias e baixas para o capital e para os sectores mais abastados da
população. Para culminar este “assinalável êxito”, a Letónia tem hoje uma
população idêntica à que tinha em meados do século passado em consequência do decréscimo
demográfico e da emigração maciça de todos os que vislumbravam hipóteses de uma
vida melhor no estrangeiro.
Afirmar que a Letónia, depois deste verdadeiro massacre da
sua população, dá agora indícios de começar a crescer não passa de uma
mistificação destinada a consolidar o resultado alcançado. De facto, muitos
anos se passarão até que o PIB da Letónia regresse aos níveis anteriores à
crise e os lugares paralelos conhecidos demonstram que as desigualdades geradas
na sociedade pelos programas de ajustamento são para manter.
Foi por isso que a Espanha considerou como um insulto aos
espanhóis e como uma ofensa nacional as palavras de Olli Rehn aconselhando
os espanhóis e a Espanha a empobrecerem, apresentando-lhes como paradigma a
seguir um país que, por junto, não deve ter mais que 50 anos de existência, e cujo
“sucesso” assenta numa verdadeira catástrofe social provocada por uma fanática
visão da economia contemporânea em que as pessoas, a generalidade das pessoas,
deixaram de ser o centro do mundo para passarem a ser meros instrumentos descartáveis
ao serviço do lucro, da competitividade, das empresas, enfim, “novos escravos”
ao serviço de uma ínfima parte da população.
Depois das palavras de Olli Rehn, conhecido serventuário do
capital financeiro e empenhado lacaio do neoliberalismo, bem podem os países
mediterrânicos e periféricos da União Europeia dizer que se o que a Europa tem para lhes oferecer como modelo é a Letónia, então
mais vale esquecer de vez a União Europeia, deixando-a entregue à sua sorte e à
logica autofágica que hoje inequivocamente a domina.
Olhando para a expressão baça e suína do Sr. Rehn e ouvindo o seu incrível inglês, martelado por neurónios emperrados, é caso para se dizer que “sob o manto diáfano do discurso tecnocrático, a nudez crua da estupidez”.
ResponderEliminarDE acordo com JVC.
ResponderEliminarAbraço
Completamente de acordo com o ponto de vista do Senhor Dr. José Manuel. No entanto, em Portugal,como essa gente já viu que com esse discurso não convence ninguém, está a usar outra estratégia que consiste em entoxicar a opinião pública com as mentiras de que a econonia está a melhorar, as exportações a crescerem, certas dívidas aos credores externos a experimentarem um alívio, etc., etc.O objectivo é simples:convencerem os Portugueses que está a valer a pena os sacrifícios que lhes vêm impondo e que se aceitarem mais estes cortes brutais que se preparam para impor vai valer a pena. Porém a realidade é bem outra, pois nem a economia está a melhorar nem o poder tem qualquer controlo sobre as despesas.O País segue a passos largos para o abismo, sem que alguém seja responsabilizado.
ResponderEliminarCom os meus cumprimentos.
"Portugal cresce 1,1% e espreita fim da recessão". Então, a ser assim por que querem obrigar novamente os Portugueses a sacrifícios brutais?Apanha-se mais depressa um mentiroso do que um coxo, lá diz o ditado.
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