E DE COMO AS COISAS
ESTÃO TODAS LIGADAS
Não fora a notável investigação da TVI sobre a trágica noite
do Meco e a persistência das famílias das vítimas, que não se acomodaram à
versão oficial, e lá teríamos mais um assunto gravíssimo votado ao esquecimento
tanto pela justiça como, principalmente, pela opinião pública.
Mesmo assim a tentativa de enquadrar o que se passou no
domínio da simples ilicitude de um comportamento anómalo praticado no exercício
de uma actividade lícita e normal continua a ser a dominante do discurso da
direita. Isso foi notório nas palavras do Secretário de Estado da Juventude,
nas das bancadas do PSD e do CDS durante o debate parlamentar de ontem, nas de
Marcelo no domingo passado, nas de Paulo Rangel hoje e, obviamente, naqueles brilhantes exemplos de
sucesso escolar dos que orgulhosamente exibem a juvenil idade académica de
quarenta ou sessenta anos e mais de vinte ou trinta matrículas na universidade.
Falta ainda explorar com a devida profundidade a
responsabilidade das escolas, nomeadamente da Lusófona, nas práticas que vinham
desde há muito sendo seguidas pelas ditas “praxes académicas” de que se
conheciam apenas alguns exemplos, que não poderiam deixar de ser do
conhecimento público pela notoriedade da sua prática, mas que, apesar de tudo,
estavam longe de revelar o que de mais perverso se passava na intimidade dos
grupos secretos que as praticavam.
Não adianta perguntar à Lusófona nem ao seu ilustre “patrão”
se foi a Universidade ou a Entidade Instituidora ou lá o que lhe queiram chamar
que pagou o fim-de-semana na casa do Meco. É fácil saber quem materialmente fez
o pagamento e donde veio, na sua relação mais imediata, o dinheiro. O que
interessa saber é se a Lusófona financia a Comissão de Praxe (ou lá como se
chama a organização que a dirige) com subsídios mensais ou anuais, já que é
muito difícil acreditar que sejam os estudantes a custear as grandes despesas
que a “preservação inovadora destas notáveis tradições académicas” exigem. E na
descoberta destes factos, a palavra do Sr. Damásio não vale rigorosamente nada.
Ou seja, vale tanto como valeu para afiançar a regularidade da licenciatura do
Relvas (mais outro assunto que, no plano puramente jurídico, já caiu no
esquecimento; qualquer dia prescreve…e o Relvas ainda acaba por ficar
licitamente com a licenciatura por usucapião).
O deputado do CDS, que no Parlamento invocou a autonomia das
universidades para deixar tudo na mesma em matéria de praxe, tocou sem o saber
no ponto fundamental da questão que nos ocupa.
A praxe e o código de conduta que ela impõe não são imunes,
como qualquer outro corpo normativo, ao tempo da sua aplicação. Se é certo que
a base da praxe assenta numa pseudo-autoridade e superioridade baseada na
antiguidade, desprovida de qualquer outro critério, por mais ignominiosa que
essa antiguidade seja, e tem como consequência uma subordinação acrítica
geradora de comportamentos obedientes, cuja eficácia é assegurada por via
sancionatória, não é menos verdade que a aplicação da norma que a impõe está
altamente influenciada pelo contexto económico, ideológico e político da sua
aplicação.
Numa época como a actual em que o público tende a ser banido
da esfera pública em
nome de uma pseudo liberdade, que não liberta, mas oprime, transferindo-se muito do que antes era público para a mera esfera privada, na qual a disponibilidade dos direitos, por
mais indisponíveis que sejam, tende a ser a regra, o mais normal é que essa
“autonomia da vontade” imponha a lei do mais forte, qualquer que seja o
critério de aferição desta força, e se vá gradualmente transformando no pior dos despotismos.
É que não há tanta diferença como à primeira vista se poderia
supor entre o Deputado que admite referendar qualquer direito e o Secretário de
Estado que abria uma garrafa de champanhe por cada empresa nacionalizada num
sector estratégico da economia. Começa-se numa ponta e acaba-se na outra…
Quando politicamente algum responsável se propõe referendar o
que ainda há bem pouco tempo parecia indisponível é porque já está
suficientemente seguro de que a sociedade encara com normalidade a
possibilidade de os direitos inerentes à pessoa humana poderem ser eliminados
pela vontade da maioria.
E o despotismo é exactamente isto: um poder legítimo exercido
sobre povos naturalmente servis que aceitam despojar-se dos seus próprios
direitos. A grande diferença entre o despotismo clássico teorizado por
Aristóteles e o moderno despotismo para que tende a sociedade neoliberal dos
nossos dias está no facto de o antigo decorrer daquilo a que hoje poderíamos
chamar a “natureza das coisas” (a incapacidade de autogoverno) enquanto o
moderno tende a assentar perversamente na própria vontade dos “governados”.
E é também por isso que as revoltas, as rebeliões e as
revoluções são cada vez menos frequentes. Só se revolta e repõe pela violência
a ordem subvertida o cidadão livre, aquele cuja liberdade de consciência o
impele à deposição do tirano, exactamente por esse cidadão ter consciência de
que o tirano (contrariamente ao que se passa com o déspota) exerce um poder
ilegítimo – um poder sem título ou cujo título, tendo sido licitamente
adquirido, está deturpado por um uso corrupto do poder.
Aplausos, Correia Pinto.
ResponderEliminarMagistral, como sempre.
ResponderEliminarAbraço e bom fim de semana.
:)AM
e ontem, que dizer do pimba & contras?
ResponderEliminarentão a lusófona não tem auditório?
e as privadas, porque não compareceram???