AFINAL, O QUE SE
PRETENDE?
O essencial do que, pela nossa parte, havia a dizer sobre o 3
D (Convergência de Esquerda) e o Livre já foi dito neste blogue. O que desde
então se passou até hoje apenas confirma o que se escreveu. Pode parecer
arrogância dizer as coisas assim, mas os factos são como são e não permitem
outra interpretação.
Os desiludidos do
Bloco de Esquerda e mais uns tantos, porventura muitos, que sempre mantiveram
uma prudente e relativa equidistância entre o PS e o BE, acham que, se não se
criar uma força convergente e aglutinadora constituída essencialmente por eles,
o PS está tragicamente condenado a lançar-se nas mãos da direita.
Portanto, a Convergência de Esquerda que tem na sua génese
essa visão salvífica, quase redentora, acha ou deixa subentender que, se não
fizer tudo o que está ao seu alcance para tentar salvar o PS dos braços
acolhedores da direita, irá por toda a vida carregar uma culpa inexpiável de
não ter feito o que devia para salvar a esquerda.
Evidentemente, o “êxito” desta estratégia passava pela inclusão
do Bloco. Mas como o Bloco não é tonto, embora tenha as suas limitações, nomeadamente
na “Questão Europeia” por herança sempre presente de Louçã, jamais poderia dar
o seu aval a uma estratégia como a defendida pelo 3 D e pelo Livre, sob pena de se dissolver ou desintegrar.
Bem podem uns e outros dizer, e até jurar, que o seu
objectivo não é o de servir de bengala ao PS, mas o de obrigar o PS a governar
à esquerda, mas a verdade crua e nua é que tendo uns e outros como principal
objectivo governar – “ninguém nos poderá acusar de não querermos governar nem
nenhum eleitor do PS poderá duvidar da nossa vontade de governar,
contrariamente ao que se passa com o PCP e o BE” – acaba essa finalidade por
estrategicamente se sobrepor a todas as demais considerações uma vez que,
depois de erigida esta máxima em princípio eleitoral, pouco mais resta.
Governar é em si um objectivo? E governar como membro
ultraminoritário ou mesmo minoritário de uma coligação dominada pelo PS é em si
um objectivo? Ou o objectivo é antes alcançar algo, realizar algo sendo a
governação, o poder, o meio adequado e necessário para o conseguir?
Ninguém de seu perfeito juízo acredita que o PCP ou o Bloco
não queiram governar. Isso não passa de uma tirada demagógica à Paulo Portas,
aproveitada pela propaganda do PS e agora adoptada, ou já adoptada, por alguns
dos seus oferecidos aliados.
Do Livre não haveria muito a esperar salvo aquilo a que o
próprio movimento se propõe: eleger Rui Tavares para o Parlamento Europeu …que
é, como se sabe, o local ideal para defender e tornar exequíveis políticas de
esquerda. Se o vai conseguir ou não logo se verá, embora do ponto de vista da
esquerda pouco haja a esperar. Infelizmente, Rui Tavares não é politicamente
confiável depois de ter feito o que fez ao partido em cujas listas foi eleito.
De facto, esta esquerda atomizada por múltiplas sensibilidades, que de vez em
quando se reúne em grupetos com vista a certos objectivos muito circunscritos,
não oferece confiança ao eleitor em geral, nem sequer ao eleitor experimentado
de esquerda. São tantas as divergências quantos os protagonistas.
A Convergência de Esquerda ou 3 D, de que tanto se tem falado
pela boca de Daniel Oliveira em artigos de promoção em que o “Eu” está mais
presente do que o programa, parece ter ficado num beco sem saída depois da recusa
do Bloco. E, agora, vai convergir com
quem?
Esta esquerda que tão altruisticamente quer ajudar o PS a
passar para a margem esquerda, com um empenhamento que só encontra paralelo na parábola
da “velhinha e do escuteiro”, parece não ter ainda percebido que o grande
problema dos nosso tempo é este divórcio consumado, de que o PS também é vítima,
embora cúmplice ou mesmo em co-autor moral, entre capitalismo e democracia.
Toda a ideologia da social-democracia depois da separação das
águas com os comunistas e muito especialmente depois da Segunda Guerra Mundial
e da vitória das ideias keynesianas assentava na ideia de que era possível
simultaneamente ter um modo de produção capitalista e um modo de distribuição
tendencialmente socialista.
E assim foi de facto nos países ricos europeus e até na
América até meados da década de 70 do século passado. Depois tudo se começou a
complicar. Primeiro foi a inflação, depois o endividamento público, a seguir ou
simultaneamente a concessão de crédito às pessoas para compensar a desigual distribuição de rendimentos e, finalmente, a austeridade como meio de consolidação de um novo modelo de
sociedade. Uma sociedade da qual a democracia vem sendo gradativa mas consistentemente
expulsa.
O que todos os dias ouvimos dos governos, dos comentadores,
das organizações económicas e financeiras internacionais é a imposição da lei
dos mercados com completa marginalização dos processos e procedimentos democráticos.
Não há forma de sair disto evolutivamente. O PS está enredado
nesta teia do pescoço até aos pés. Toda a social-democracia está, como ainda
agora se viu com Hollande. Somente através de uma ruptura – que em algum lado
se há-de dar – se poderá sair disto. Sair no sentido de iniciar uma longa e
dura luta, onde certamente vai haver, como em todas as lutas de longo alcance,
avanços e recuos.
E, muito francamente, para esta questão o contributo da
Convergência, 3 D, é nulo. A Convergência, independentemente das intenções de
alguns ou muitos dos seus membros, com a estratégia que pôs em campo o mais que
poderia conseguir seria subtrair apoios à esquerda para os enredar na teia de
que o PS está prisioneiro. Mas nem isso vai alcançar, porque o PS, tal como a “velhinha”,
não quer atravessar a rua…
ResponderEliminar"E assim foi de facto nos países ricos europeus e até na América até meados da década de 70 do século passado. Depois tudo se começou a complicar. Primeiro foi a inflação, depois o endividamento público, a seguir ou simultaneamente a concessão de crédito às pessoas para compensar a desigual distribuição de rendimentos e, finalmente, a austeridade como meio de consolidação de um novo modelo de sociedade. Uma sociedade da qual a democracia vem sendo gradativa mas consistentemente expulsa."
Corrija-me se estou enganado, mas creio que não foi por essa ordem. Creio antes que começou pela estagnação do ordenado mínimo, cortes de IRS para os escalões superiores, cortes de IRC para as grandes empresas e estímulo do crédito,depois veio então consequentemente a inflação da moeda, endividamento público e cortes no programas sociais do estado.
Meu Caro
ResponderEliminarA inflação começou na década de 70 e acabou por ser a inflação que serviu de excelente pretexto para que os bancos centrais uns anos mais tarde viessem a ser o que são hoje...
Caro JM Correia Pinto
ResponderEliminarSalvaguardando as naturais diferenças resultantes dos caminhos que cada um percorre até chegar ao momento presente, confesso que dificilmente encontraria na blogosfera algum ângulo de análise mais próximo do meu do que aquele que há anos encontro nos seus sempre excelentes 'posts' (que me lembre, só discordei radicalmente na questão da legitimidade da ocupação chinesa do Tibete). Mas se concordo em geral com a etiologia e com o diagnóstico sempre lúcido do Politeia, resta avaliar as propostas terapêuticas. De facto, é triste assistir à fragmentação da esquerda. Lembrei-me dos tempos do PUP, do PCP-ML da FEC-ML, etc. A ideia de uma «ruptura – que em algum lado se há-de dar...» encerra, do meu ponto de vista, a chave da questão. O problema é que ainda não vi a esquerda - nenhuma esquerda - romper com os velhos mitos que servem de suporte às diferentes ideologias representadas no espectro político com assento em S. Bento, do PCP e do BE ao PSD e ao CDS: a crença no Progresso alimentada pelo fetichismo do PIB, da "criação de riqueza" e do "valor",com a delirante e perniciosa fantasia do crescimento económico e da retoma. Mesmo os que se sentam mais à esquerda, acreditam no regresso a um capitalismo bom, socializante, e falam nostalgicamente dos 30 gloriosos, sem nunca mencionarem que essa vã glória foi feita com o sangue, o suor e as lágrimas do 3º mundo. Que eu dê por isso, não há nenhum horizonte de ruptura nos programas esclerosados da nossa (que também é minha) esquerda. É preciso inventar novas formas que conduzam à implosão do capitalismo, e para isso é preciso abandonar as relações sociais que lhe servem de suporte; é preciso que nos libertemos da crença de que o trabalho é a base da dignidade humana. É preciso sair da economia - o mito da imaculada escassez e a soteriologia da escolha racional. Enquanto a esquerda não o fizer, nada mudará. O tempo não volta atrás. Não há capitalismo bom. Pessoalmente, vejo imenso potencial no Rendimento Básico Incondicional...
Abraço Fraterno
MaioMaduroMaio (em hibernação temporária)
Caro JM Correia Pinto
ResponderEliminarSalvaguardando as naturais diferenças resultantes dos caminhos que cada um percorre até chegar ao momento presente, confesso que dificilmente encontraria na blogosfera algum ângulo de análise mais próximo do meu do que aquele que há anos encontro nos seus sempre excelentes 'posts' (que me lembre, só discordei radicalmente na questão da legitimidade da ocupação chinesa do Tibete). Mas se concordo em geral com a etiologia e com o diagnóstico sempre lúcido do Politeia, resta avaliar as propostas terapêuticas. De facto, é triste assistir à fragmentação da esquerda. Lembrei-me dos tempos do PUP, do PCP-ML da FEC-ML, etc. A ideia de uma «ruptura – que em algum lado se há-de dar...» encerra, do meu ponto de vista, a chave da questão. O problema é que ainda não vi a esquerda - nenhuma esquerda - romper com os velhos mitos que servem de suporte às diferentes ideologias representadas no espectro político com assento em S. Bento, do PCP e do BE ao PSD e ao CDS: a crença no Progresso alimentada pelo fetichismo do PIB, da "criação de riqueza" e do "valor",com a delirante e perniciosa fantasia do crescimento económico e da retoma. Mesmo os que se sentam mais à esquerda, acreditam no regresso a um capitalismo bom, socializante, e falam nostalgicamente dos 30 gloriosos, sem nunca mencionarem que essa vã glória foi feita com o sangue, o suor e as lágrimas do 3º mundo. Que eu dê por isso, não há nenhum horizonte de ruptura nos programas esclerosados da nossa (que também é minha) esquerda. É preciso inventar novas formas que conduzam à implosão do capitalismo, e para isso é preciso abandonar as relações sociais que lhe servem de suporte; é preciso que nos libertemos da crença de que o trabalho é a base da dignidade humana. É preciso sair da economia - o mito da imaculada escassez e a soteriologia da escolha racional. Enquanto a esquerda não o fizer, nada mudará. O tempo não volta atrás. Não há capitalismo bom. Pessoalmente, vejo imenso potencial no Rendimento Básico Incondicional...
Abraço Fraterno
MaioMaduroMaio (em hibernação temporária)