SOBRE AS VICISSITUDES
DE UMA CERTA “ESQUERDA”
Não é tanto sobre o desconseguimento
da venda em leilão pela Christie, nem mesmo sobre a frustacional acção do valido de Moedas que aceita desempenhar o
triste papel que lhe distribuíram como Secretário de Estado da Cultura que importa
hoje falar. Sobre esse lamentável episódio já quase tudo se disse para vergonha
dos intervenientes.
Só que quando eles já estavam completamente encostados à
parede, um (o Secretário de Estado) a meter os pés pelas mãos e o outro (o Primeiro
Ministro) enredado num ridículo jogo de empurra com a leiloeira sobre quem tem a
culpa do que se passou, eis que um recém-ardente defensor da convergência de
esquerda vem dar uma mãozinha ao Governo, advogando a venda dos quadros por bom
preço.
Ou seja, sobre um tema em que a esquerda não poderia estar
mais convergente, desde o PS ao PCP, passando pelo Bloco, toda a esquerda
reprova a venda dos quadros e tenta judicialmente impedi-la com o apoio do
Ministério Público como defensor da legalidade democrática e de primeiro
advogado de defesa dos interesses do Estado, eis que surge alguém que, tendo
ultimamente falado várias vezes em nome de uma parcela da esquerda, vem agora defender com nuances de ocasião uma posição semelhante à do Governo, fazendo completa tábua rasa da posição unanimemente
defendida pela esquerda.
Nada pior para o futuro da quase falida intenção do 3 D em pugna pela
convergência de alguma esquerda do que ter no seu seio quem objectivamente se
ponha do lado do Governo ou quem numa exacerbação ególatra típica dos partidos
de direita se suponha detentor de uma solução muito criativa e venha propor uma
espécie de terceira via para os quadros de Miró com completo desprezo pelo
combate que sobre o tema está em curso. Uma terceira via que, tal como a outra,
a de Guiddens, acaba sempre, na prática, por fazer o jogo do adversário quer por
situar o problema no campo por ele escolhido e quer por buscar uma solução no
contexto por ele defendido, mesmo que com pequenas especificidades de ocasião.
É esta incapacidade de aceitar a posição da maioria, em
muitos casos acentuada por vedetismos fugazes típicos da sociedade
comunicacional dos nossos dias, que torna, de facto, muito difícil qualquer
espécie de unidade de acção naquele espaço situado entre o PS e o PCP em
virtude de cada um dos intervenientes mais conhecidos desse espaço exigir uma
quota de protagonismo nem que seja para dizer ou fazer aquilo que num concreto
momento não pode ser dito nem feito, seja por razões tácticas ou não, sob pena
de o desrespeito dessa unidade, por mais inventiva que possa parecer a posição defendida,
fortalecer o adversário que se está combatendo.
A propósito da disciplina em política não posso deixar de me recordar
daquelas conversas que durante a longa noite cavaquista íamos tendo nos quatro
cantos do mundo com António Russo Dias e Seixas da Costa sobre a nossa comum
participação nessa extraordinária festa colectiva que foi o PREC. Tendo cada um
de nós sido actor em cenários diferentes naqueles extraordinários dezoito meses
que vão do 25 de Abril de 74 ao 25 de Novembro de 75, a narrativa dessas
diversas experiências, quanto mais não fosse pelo desconhecimento que cada um de
nós tinha da acção dos outros, tornava a conversa muito interessante e
interminável. E é a propósito dessas conversas que não posso deixar de recordar
algumas das tiradas com que António Dias ilustrava “as palavras de ordem e os
ensinamentos” recebidos do Grande Timoneiro (nacional) que, sempre atento às
tentações pequeno-burguesas dos militantes do seu partido, se não cansava de
lhes lembrar que “A Revolução não é propriamente
um chá dançante!”
É este desconhecimento das “máximas revolucionárias”, esta
tentação pequeno-burguesa de dar nas vistas, ou, como, ironicamente, diria
Seixas da Costa, citando outro grande clássico, “esse cosmopolitismo
reaccionário”, que acaba por ser fatal a uma parte da esquerda. A uma esquerda que
prodigaliza princípios …para os outros mas que encontra sempre uma boa razão para
que o comportamento individual de cada um dos seus componentes seja diferente do
dos demais. Bem andava o António Dias quando sintetizava essa mentalidade nas
palavras de um desses chefes de ocasião: “A
luta é dura…mas vós não vergais!”.
Meu Caro
ResponderEliminarBelos tempos esses em que, por entre as gargalhadas sobre episódios em que ríamos de nós próprios, íamos resistindo ao cinza pardo dos dias. Mal nós sabíamos o que é que, nos depois de amanhãs que por aí iriam espumar, nos iria ainda sair em rifa.
Era importante chamar os bois pelos nomes, porque tenho a sensação de que as pessoas que o leem a si podem não entender.
O Miró nunca me enganou
ResponderEliminarnem os que o vendem a saldo
Eu sou de esquerda , e é coisa que não me incomodo muito é com a venda dos Mirós , a unidade seria preciso em coisa muito mais importantes que venda ou não venda duns quadros. E a unidade é fixe , mas prefiro a liberdade de pensamento.
ResponderEliminarNão Senhor Dr., essa gente não quer protagonismo; essa gente só quer dinheiro sem trabalhar; só quer viver à tripa forra sem esforço, com palavreado.Antigamente,este era usado pelos que pretendiam vender o "vigésimo premiado"; agora passou para os partidos políticos. Não perca tempo com essa gente, Senhor Dr.
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