TENDO EM CONTA OS
RESUMOS DA IMPRENSA
Embora pudesse ser interessante conhecer o que pensa o principal
responsável pela política económico-financeira deste país, tenho de reconhecer
que o facto de esse responsável ser Vítor Gaspar e o livro ter sido escrito por Maria
João Avilez constituiria uma dose dupla muito difícil de suportar por um cidadão
indefeso, fustigado por sucessivos “cortes” salariais. Por isso me contento com
os resumos de imprensa.
E é tendo em conta esses resumos que agora acho oportuno
dizer aquilo que sempre me pareceu óbvio, mas que nunca disse para não destoar
da “maioria da esquerda” e não abrir brechas numa interpretação que,
curiosamente, também nunca foi refutada pela direita.
Depois de publicada a célebre carta de Gaspar, a Esquerda viu
nela a confissão de um fracasso, uma auto-crítica à política que até então tinha
sido prosseguida no país sob a direcção incontestada e incontestável do
Ministro das Finanças.
Li e reli a carta e nunca vi nela o mais pequeno
arrependimento pela política seguida, nem nunca sequer vi nela a confissão tácita
ou implícita de um fracasso, salvo aqui ou ali uma pequena surpresa pelo
crescimento excessivo de certos indicadores económicos, como era o caso do
desemprego. Mas mesmo essa surpresa, que o FMI igualmente partilhava, era pelas
piores razões. Tanto Gaspar como o FMI supunham que a criação de uma reserva
estrutural de desempregados faria a curto prazo baixar o custo do trabalho e
estancar o desemprego, em virtude de os novos desempregados passarem a partir
de determinada altura a ser compensados pelos novos empregados contratados a custo mais baixo.
Aparte isso, as duas únicas críticas, aliás muito contundentes,
que eu vi na carta foram dirigidas, uma, ao funcionamento da coligação, isto é,
uma crítica a Paulo Portas, e outra à liderança de Passos Coelho que não tinha –
até então – tido a força suficiente para se opor aos ziguezagues de Portas. Tanto
assim, que a carta, no estilo proclamatório que em muitas partes a caracteriza,
termina com um apelo. Um apelo a que o PM exerça uma forte liderança que
permita levar a bom porto as políticas a que ele, Gaspar, meteu ombros.
E hoje Gaspar pode dar-se por satisfeito. Portas foi metido
na ordem e reduzido à sua insignificância política (não apenas por mérito de
Passos Coelho, mas também por carreirismo do CDS que não aceitou ver fugir-lhe
das mãos aquele pedaço de poder que detinha por algo que, no entender do
partido, não passava de um simples capricho de Portas). E pode dar-se acima de
tudo por satisfeito por a sua política estar agora a ser conduzida sem
sobressaltos por Maria Luiz Albuquerque com o completo apoio de Passos Coelho,
que, entretanto, tendo-se apercebido da fragilidade do CDS, lidera a coligação
com total autoridade.
Por último, a direita nunca contrariou a interpretação que a
esquerda fez da carta de Gaspar, porque essa era a via mais adequada para a
continuar a aplicar a mesma receita…
Estou 100% de acordo com a interpretação que faz: em todos os seus aspetos. Dito isto, estou com alguma curiosidade em ler o livro.
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