sexta-feira, 7 de março de 2014

A VERGONHA DA RTP EM KIEV


 

AS OBRIGAÇÕES DE UM REPORTER

 

Kapuscinsky é admirado em todo mundo porque além de ser um extraordinário escritor sempre tentou nas muitas reportagens que fez nos quatro cantos do planeta compreender com a sua visão humanista o que em cada situação estava em jogo. Quais os interesses das partes em confronto, o que as movia, que razões profundas determinavam o conflito.

Para poder desempenhar o seu trabalho com rigor e honestidade preparava-se muito bem antes de partir para uma missão, aprendia a língua dos países onde ia trabalhar e uma vez ai chegado instalava-se na zona onde as coisas estavam a acontecer. E falava com as pessoas, com todas as que interessava contactar, para ter uma visão plural dos acontecimentos.

Nem sempre os repórteres modernos podem fazer o mesmo. Não têm tempo para isso e as redacções muito provavelmente também não estarão dispostas a fazer grandes investimentos. Às vezes contentam-se com uma simples presença no local sem acrescentarem rigorosamente nada pelo facto de lá estarem ao que se saberia se tivessem ficado no lugar donde partiram.

Depois há também quem parta para estas missões como repórter de uma das partes sendo o seu trabalho encarado como um serviço à causa dessa parte. É assim nas guerras quando o repórter pertence ao mesmo lado de uma das partes em confronto. Nesses casos o repórter embora se deva mover por critérios objectivos não vai para estes serviços para fazer o jogo do inimigo.

Já o caso muda completamente de figura quando o repórter se propõe acompanhar um conflito ao qual é alheio. Não vou dissertar sobre uma matéria a propósito da qual não tenho competência para o fazer, mas posso dizer o que como espectador pretendo que o repórter me traga e pode ser que outras pessoas pretendam o mesmo que eu. Antes de mais pretendo conhecer a natureza do conflito segundo o ponto de vista das partes em confronto – não o ponto de vista do repórter, que, sendo embora legítimo não tem qualquer legitimidade para nas funções que desempenha o dar a conhecer aos espectadores –, depois conhecer cada uma das partes – o que defendem politicamente, que propostas têm – e, finalmente, o relato tanto quanto possível objectivo do que está acontecendo.

Como paradigma de uma reportagem televisiva exemplar tem de citar-se a de Carlos Fino em Bagdad, na segunda guerra do Iraque. Além de ter ficado no teatro das operações quando os demais o abandonaram, ele levou aos espectadores de todo o mundo o relato objectivo do que estava a acontecer. Por essa reportagem ter sido absolutamente notável é que Carlos Fino ficou conhecido em toda a parte e granjeou nos países de língua portuguesa, principalmente no Brasil, um respeito e uma admiração unânimes entre os espectadores brasileiros e os seus colegas de profissão. E só não pagou com a vida a ousadia da sua independência por sorte e não porque não tenham tentado calá-lo…

Vários anos volvidos, a RTP enviou para Kiev em seu funcionário para fazer a reportagem dos acontecimentos que agora estão a ter lugar. Não há palavras para descrever com rigor o seu desempenho desde que chegou a Kiev. Ele escamoteia factos essenciais que hoje já todo o mundo conhece, como a identidade política dos atiradores furtivos; ele não presta a menor informação sobre a composição do poder político saído da Praça Maidan, quando hoje já toda a gente conhece o curriculum dos participantes desse governo; ele fala da Ucrânia como se a Ucrânia fosse apenas Kiev ou até mais limitadamente a Praça Maidan, omitindo propositadamente a realidade complexa do país; ele esconde as medidas que o governo saído do golpe já tomou relativamente à parte que não o apoia; ele não dá a menor informação sobre o que pensa e o quer a outra parte da Ucrânia. Em suma, ele foi para a Ucrânia numa pura missão de propaganda tão inútil quanto estúpida, porque com os meios de informação que hoje estão para todo o mundo à disposição de um clik é perfeitamente possível saber o que ele tenta esconder. Mas nem por isso o protesto deverá ser menos vigoroso, quanto mais não seja por ele lá estar à nossa custa na prestação de um serviço público que vergonhosamente deturpa com o seu facciosismo vulgar.

Além de que os portugueses não têm que estar a pagar um representante dos americanos em Kiev, melhor dizendo, nem dos americanos ele é um representante já que a generalidade dos repórteres americanos, com excepção dos da Fox News, tem apesar de tudo outra atitude - ele é mais um representante de Rasmussen.

Para ttentar protestar, liga-se para a RTP, para o 217947000, atende um segurança que passa ao apoio ao cliente onde ninguém atende e a chamada cai. Tenta-se uma, duas, três vezes e o resultado é sempre o mesmo.

7 comentários:

  1. Na verdade

    pagamos
    para a canalha andar à solta

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  2. Eu chamo a isso "entretengas"...

    Apetecia-me pregar com o seu texto nas fuças da RTP1!, o que seria um gesto certo mas de uma tremenda ingenuidade.
    Eles sabem o que fazem...

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  3. http://www.rtp.pt/wportal/grupo/provedor_tv/enviarmensagem.php

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  4. CURIOSAMENTE, ESCREVI HOJE SOBRE O MESMO EM cris-sheandbobbymcgee.blogspot. pt.
    e estou COMPLETAMENTE DE ACORDO. PUS A FOTOGRAFIA DO "MECO" PORQUE ACHO QUE A IMPUNIDADE NÃO PODE VENCER.

    CRISTIANO RIBEIRO

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  5. ISL ONT CHANGE MA CHANSON

    https://www.youtube.com/watch?v=nVGgJaN_dPQ

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  6. Excelente e muito didáctica análise, amigo!

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  7. Não entendo: um país na bancarrota, ainda tem dinheiro para mandar um repórter para a Ucrania!

    E ainda por cima não diz tudo o que vê ou que sabe ou tem obrigação de saber.
    AF

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