segunda-feira, 14 de abril de 2014

HÁ QUARENTA ANOS E HOJE


 

BREVES REFLEXÕES

 

Quase quarenta anos depois já muitos têm dúvidas sobre qual o maior pesadelo – se o que se vivia no estertor do marcelismo, se o que se vive agora sob dominação estrangeira com regentes fielmente caninos na defesa de interesses alheios a que está associada uma pequena mas poderosa minoria de portugueses de natureza oligárquica.

Não interessa entrar em comparações simplistas. São tempos diferentes perante os quais as pessoas se posicionam de forma diferente, sendo, portanto, também muito diferentes as respostas que ontem se deram ou as que hoje se esperam.

No marcelismo, tendo-se mantido praticamente intacta a grande herança do salazarismo no essencial consubstanciada na ausência de liberdade política, nas suas múltiplas manifestações e principais consequências (obscurantismo, censura, prisão, tortura), numa guerra colonial sem saída, mas também numa concepção de independência nacional que não facilitava as ingerências externas, tudo se tornava mais simples relativamente à concepção do futuro, embora extremamente difícil na sua execução. Um golpe de estado bem-sucedido, acompanhado ou não de grandes manifestações populares, restauraria as liberdades públicas, negociaria a transferência de soberania sobre as colónias segundo os princípios aceites e assentes pelo direito internacional e permitiria uma reorganização política e económica do país com vista às profundas alterações sociais por que a generalidade da população ansiava. Difícil era executar com êxito, não conceber…

Hoje, quarenta anos depois, apesar de as liberdades públicas serem vividas sem aparentes constrangimentos, tudo parece mais sombrio e de mais difícil realização, quer para quem defenda uma transformação não institucional do regime, quer para quem continue a acreditar que é possível alterar as coisas no quadro institucional existente. De facto, tanto num caso como noutro, o país debate-se com problemas que há quarenta anos se não punham ou se não punham com a mesma intensidade com que hoje se colocam. Desde logo a questão da legitimidade: ninguém há quarenta anos aceitava a legitimidade do poder, nem os que nele estavam instalados, nem os que a ele se opunham. Os primeiros não a reconheciam como algo distinto da força, já que era recorrendo à força com a intensidade justificada por cada situação que o regime se mantinha. E, obviamente, não reconheciam legitimidade aqueles que a esse poder se opunham, por também eles saberem, por experiência própria, que somente o uso ilegítimo e arbitrário da força mantinha o regime e permitia o exercício do poder aos que nele estavam instalados.

Hoje, política e filosoficamente, a questão da legitimidade do poder não se põe para a generalidade das pessoas de modo a justificar uma acção insurreccional ou mesmo uma ruptura profunda ainda que permitida pelo quadro institucional existente. Podem os titulares do poder mentir e enganar descaradamente os portugueses, como de resto fizeram para chegar ao poder os que agora lá estão ou para nele se manter, como continuam a fazer; podem os titulares do poder espoliar, de bens e direitos, a grande massa anónima de portugueses, constituída por reformados, funcionários públicos e trabalhadores em geral, para assegurar vultosas transferências regulares de capitais para os credores nacionais e estrangeiros para pagamento de créditos concedidos no interesse do capital, principalmente do capital financeiro e do ligado às grandes obras públicas, que nem por isso a generalidade dos portugueses aceita como plausível uma saída insurreccional ou a dita ruptura com a política vigente por continuar a supor que, pela via da alternância política democraticamente fundada, acabará com o tempo por se encontrar uma saída para a crise nem que seja faseada e relativamente demorada.

Por outro lado, contrariamente ao que se passava há quarenta anos, o país vive hoje, sob a ficção da interdependência, uma ausência de soberania na maior parte dos domínios relevantes da vida política nacional que a adesão à União Europeia e depois à moeda única agravaram substancialmente. Mas também neste plano a convicção de que se trata de uma solução transitória, superável com mais ou menos esforço, maior ou menor perícia, torna particularmente difícil a busca e a adesão a uma política verdadeiramente alternativa pelo receio das consequências sociais e económicas que um corte abrupto com o passado possa provocar.

Em conclusão, hoje, apesar das liberdades e deste arremedo de democracia regularmente exercitado pela via da escolha entre propostas inalteráveis e em cuja formulação os eleitores não intervêm, os portugueses, quarenta anos depois do 25 de Abril, são muito mais conservadores e muito menos corajosos que os de há quarenta anos. Por isso, hoje, Portugal é um país sem esperança que caminha em decadência constante para a sua irrelevância, enquanto há quarenta anos era um país que se queria libertar da guerra e da ditadura e que encarava a democracia como o advento de uma nova era em cuja construção todos queriam participar.

Ontem, o futuro para quem abandonava Peniche ou Caxias era promissor e estava ali ao virar da esquina; hoje, o futuro – e não apenas para os desempregados - só existe como triste e degradante continuação do presente.

Por isso: comemorar o quê? Apenas a coragem dos que abriram novos caminhos que outros não souberam percorrer e alargar. Aqueles fizeram a parte deles, mas há quem continue com a sua por cumprir.

 

1 comentário:

  1. A desilusão e o desânimo não são armas que libertem os oprimidos. O primeiro passo para isso, é uma clara identificação das causas dos males e dos seus intérpretes concretos - ainda que muitas a face visível seja apenas a das marionetas, que as mãos dos verdadeiros interesses manipulam - e a segunda é a de um combate sem tréguas, que se faz de modos muitos e com muitas pessoas, mas inequivocamente no contexto da luta de classes. Sem ambiguidades nem concessões. Desengane-se quem pensa que a História chegou ao fim: a História é cada um de nós no seu espaço de intervenção, de influência, de participação que contribua para o elevar dos patamares da consciência de classe daqueles que são vítimas da exploração capitalista e dos seus efeitos. Esse, é que é o caminho.

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