segunda-feira, 20 de outubro de 2014

SUBSERVIÊNCIA OU FIDELIDADE IDEOLÓGICA?


 

AMBAS AS COISAS. E O PS?

Na última reunião do Ecofin voltou a estar na ordem do dia a situação económica europeia. As previsões em baixa do crescimento económico na Europa, principalmente da chamada “locomotiva europeia”, fizeram novamente soar as campainhas de alarme de uma possível terceira recessão em oito anos ou, pior ainda, uma situação económica “à japonesa” que poderia, se esse fosse o caso, prolongar-se por tempo indeterminado.

Perante este quadro, alguns países preocupados com o crescimento e o emprego, voltaram a insistir na necessidade de investimentos públicos em larga escala e instaram a Comissão a acelerar o tão badalado “pacote” de 300 mil milhões de euros àquele fim destinados.

Por outro lado, a França e também a Itália, desta vez apoiados pela Espanha, pretendem mais flexibilidade no cumprimento das metas acordadas para o défice, por não se justificar num clima de pré-recessão acentuar a austeridade e insistir em novos cortes orçamentais que iriam necessariamente agravar a situação económica e aumentar o desemprego.

A Alemanha, porém, pela voz do social-democrata Sigmar Gabriel, Ministro da Economia da grande coligação, mostrou-se inflexível: “Não há nenhum motivo para alterar a nossa política económica e fiscal (orçamental). Endividar mais a Alemanha não vai gerar mais crescimento na Itália, França, Grécia ou Espanha ”. Noutro contexto, Ângela Merkel acentuou esse discurso rechaçando qualquer hipótese de novos endividamentos para suportar os investimentos públicos reclamados à Alemanha pelo FMI e por certos Estados membros. Finalmente, Schäuble naquele mesmo Conselho, para dissipar qualquer dúvida, como que fixou um limite inultrapassável à política económica europeia quando disse: “Vamos investir sem histerias sem voltar a cair no défice público”.

Por outras palavras, ninguém pode razoavelmente esperar grandes planos de investimento por parte da Alemanha, quer na própria Alemanha quer na União Europeia mediante o apoio a qualquer outro plano que vá para além do que já está estabelecido. Aliás, nem outra coisa se poderia concluir depois de se ter tomado conhecimento da decisão germânica de não ir ao mercado em 2015 e 2016 e, se possível, também em 2017. O mesmo se diga relativamente à aceitação no quadro comunitário de uma política conjuntural de flexibilização das metas em matéria de dívida e de défice justificada por uma conjuntura económica desfavorável. Também neste domínio a posição da Alemanha parece inflexível: os tratados são para cumprir! Di-lo a Alemanha em Bruxelas, em Berlim, mas também no G20 e demais reuniões internacionais em que participa, como na última semana em Milão.

Na defesa intransigente desta política a Alemanha tem sido apoiada pela Holanda, Áustria, Finlândia, Luxemburgo e Portugal. O governo português em ano de eleições não alterou a sua política. Segue uma linha de subserviência relativamente às posições alemãs, dando o seu apoio a uma política económica ortodoxa com que ideologicamente se identifica, como aconteceu no último Ecofin.

Este exemplo vale pelo seu significado político: o Governo põe o país a alinhar contra os Estados que se encontram numa situação semelhante à de Portugal, em matéria de défice e de dívida, indiferente às repercussões desta intransigência na situação económica da Europa e do próprio país, sendo neste contexto que deve ser compreendido o Orçamento de Estado para 2015 e desvendada a linha eleitoral do Governo relativamente às próximas legislativas.

O Orçamento de Estado para 2015 é um orçamento de rigor que acentua a austeridade em geral, sem prejuízo da concessão de parcas e muito circunscritas benesses em um ou dois pontos. Não obstante todo alarido feito à volta do famigerado “crédito fiscal” a cobrar em 2016, não parece ter havido da parte do Primeiro Ministro e da sua Ministra das Finanças a preocupação de iludir o verdadeiro sentido que a linha ortodoxa do Governo pretende que se tire do Orçamento. E a ideia que o Governo pretende que se tire do Orçamento é a de que este Orçamento é um orçamento de continuidade e de rigor, destinado a consolidar o penoso caminho de regeneração que Portugal ainda tem de percorrer até que estejam criadas as condições para que o país entre, finalmente, “num modo de vida normal”, ou seja, passe a viver e a tentar prosperar com o que tem.

Passos Coelho mentiu na campanha eleitoral de 2011. Hoje, depois de três anos de austeridade, dificilmente poderia enveredar, com êxito, pelo mesmo caminho. Persistindo agora na mesma política que adoptou durante toda a legislatura, Passos Coelho espera duas coisas: em primeiro lugar, que o seu eleitorado compreenda que a mentira de 2011 foi por uma boa causa, para “salvar o país”, e, em segundo lugar, tirar vantagem eleitoral de uma política de rigor que se recusa, apesar de estar no último ano da legislatura, a enveredar pela política fácil e aparentemente popular que Portas lhe propôs. “O que diriam os portugueses, disse Passos Coelho, se o mesmo Primeiro Ministro que durante três anos defendeu e praticou a austeridade viesse agora, em ano de eleições, diminuir os impostos e aumentar os salários?”.

Com esta frase, Passos Coelho deixou dito o essencial do que vai ser a campanha eleitoral do Governo e, simultaneamente, implícito o que pensa do seu parceiro de coligação - um parceiro hoje reduzido à sua insignificância política que se mantém no Governo porque não tem nenhum outro sítio onde estar. 

Passos precisa de Portas, mas como sabe que Portas não pode sobreviver sem a participação do CDS no Governo, acaba por traçar a política do Governo de acordo com a sua estratégia, embora num ou noutro ponto faça questão de dar a entender que está a oferecer um "rebuçado" a Portas, como aconteceu agora com o hipotético crédito fiscal de 2016.

Portanto, o Orçamento para 2015 continua a ser um orçamento que aposta na austeridade e mantém a linha traçada pelos anteriores de gradual destruição do papel social do Estado. A austeridade que Passos Coelho advoga e defende não pode ser entendida apenas como uma manifestação de servilismo perante a Alemanha mas antes como o instrumento que melhor serve a linha ideológica do Governo, tal como Passos Coelho a define.

Aliás, Passos acredita – e tem algumas razões para acreditar – que o seu mais valioso legado é a irreversibilidade das principais “conquistas” da sua governação - as “conquistas” da contra-revolução neoliberal.

E é aqui que entra o PS. Com excepção de dois ou três insignificantes “vetos” de Seguro (RTP, freguesias e tribunais), o PS não anunciou a “morte” de nenhuma das políticas de Passos. Nem o PS de Seguro, nem o PS de Costa (que ainda nada disse sobre o que quer que fosse, salvo  "restabelecer a confiança dos agentes económicos e parceiros sociais” e a reiterada preocupação de “dar músculo às empresas”) nos deram indícios claros do que vai ser diferente sem Passos.

Há uma fé, para não dizer uma “fezada”, de que Costa vai acabar com a austeridade e com os pesadíssimos constrangimentos que oneram a política económica portuguesa. Só que esta ideia que indiscutivelmente perpassa as mentes socialistas e as dos seus potenciais eleitores não tem o menor fundamento material em que se apoie, salvo o silêncio propositadamente mantido por Costa para deixar que essa onda de optimismo se consolide.

Aliás, se continuarmos a olhar o que se passa na Europa, nomeadamente na “Europa socialista”, o que vemos de potencialmente conflituoso com as doutrinas que economicamente têm dominado a vida política europeia não é nada de verdadeiramente antagónico ou sequer contraditório com o que tem sido a marcha essencial da política europeia. As divergências, por razões meramente conjunturais, da França e da Itália, governadas por partidos congéneres do nosso PS, cingem-se à relativa flexibilização do défice e a uma ténue tentativa de incremento do investimento público como simples impulso do investimento privado. Em tudo o mais, a identidade é completa. Tão completa que ainda recentemente a França e também a Itália empreenderam profundas reformas liberais, com a desregulamentação de amplos sectores e a redução bilionária da tributação fiscal das empresas. Ou seja, o PD italiano e o PS francês são hoje verdadeiros partidos sociais-liberais.

Portanto, e em conclusão, enquanto o PS se não “explicar” inequivocamente em relação às questões fundamentais - tratado orçamental, dívida, défice, sectores sociais do Estado, regulação do trabalho, privatizações em curso -   não há nenhuma razão para acreditar que a política portuguesa vá mudar em consequência de uma simples mudança do resultado das eleições.

6 comentários:

  1. Vivemos no tempo paradoxal, em que a urgência da política-substância vai sendo adiada pela anestesia da política-espectáculo. O desafio inelutável que está hoje colocado a qualquer consciência livre, é de contribuír na medida da sua escala, para o encurtamento do percurso que levará de um a outro paradigma.

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  2. Boa tarde dr. Correia Pinto. Desculpe tentar contactá-lo por este meio, mas ainda não encontrei outro. Sou jornalista do PÚBLICO, chamo-me José António Cerejo, e gostava de lhe dar uma palavrinha. Será que me pode mandar o seu endereço electrónico para acerejo@publico.pt ?
    Obrigado

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  3. Conhecidos Kautsky,Kerensky,Leon Blum, Miterrand (o da francisca),os primeiros ministros ingleses da 3ª via,está-se à espera do PS para fazer o quê?

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  4. Concordo e não concordo. Muitos dos que entraram na maré Costista sabem bem que ele não poderá (nem quereria?)fazer nada de muito diferente do que os camaradas/companheiros por essa Europa.Haverá gente que acredita ou, sem ter grande certeza, acha que mude-se ao menos,quem sabe?
    deixa lá tentar...
    Agora a rapaziada quer é alternar, o mesmo que queriam os laranjas quando ameaçaram o Coelho com eleições, para o derrubar, se ele não se empenhasse no derrube de Sócrates..
    lg

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  5. Sim, quer alternar. Mas alternar sem nada mudar acaba por cansar. Pior ainda:desacreditar a democracia.

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