sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

PARTIDOS DE PROTESTO E “ARCO DA GOVERNAÇÃO”


 

O QUE INTERESSA ESCLARECER


 

Como toda a gente sabe, está entre nós muito difundida ideia de que há na vida política institucional portuguesa dois tipos de partidos: os que fazem parte do “arco da governação” e os que apenas protestam e não querem governar.

A imagem de “arco da governação” tanto quanto me recordo foi criada por Pina Moura, nos tempos em que era um todo-poderoso membro do executivo de Guterres, de que foi primeiro secretário de Estado e depois ministro. Já completamente afeiçoado ao politicamente correcto e em trânsito acelerado para o neoliberalismo e às benesses do grande capital, Pina Moura queria deixar bem vincada a mensagem de que os assuntos de governo eram exclusivos do PS, do PSD e, um pouco por caridade tendo em conta os primeiros anos da vida política pós 25 de Novembro, também do CDS. Os outros, como não pertenciam a este conjunto de “eleitos”, não tinham por direito próprio e imposição dos primeiros acesso aos “assuntos de Estado”. À época, ainda no rescaldo da Queda do Muro e da desintegração da União Soviética, tinha-se em vista especialmente o PCP e esta ostensiva exclusão da participação na vida política dos comunistas mais não era que um dos vários meios que estavam sendo utilizados com vista à sua eliminação como partido comunista e a sua transformação numa qualquer outra “coisa”.

Com o aparecimento do Bloco de Esquerda e a resiliência do PCP em se deixar absorver e enquadrar pelas malhas essenciais do “pensamento único”, cada vez mais dominante, a ponto de praticamente ter liquidado a social-democracia e as bases político-económicas em que a mesma se fundava, a noção de “partidos de protesto” foi gradualmente assumindo um tom propositadamente pejorativo com dois sentidos e um único objectivo: afastá-los da governação e inculcar no eleitor a convicção de que não valeria a pena votar neles porque nunca estariam dispostos a governar, mas apenas a protestar.

Esta é uma das tais “verdades” fabricadas pela ideologia dominante que se tem revelado muito útil pelo papel conformador das mentalidades que vem desempenhando. O eleitor médio está mesmo convencido que os partidos que não fazem parte do tal “arco da governação” não querem ter a responsabilidade de governar, o que querem é protestar, dizer não a tudo, fazer manifestações, etc.!

Procurando oportunisticamente tirar partido desta situação, apareceram alguns movimentos, um deles já transformado em partido, a afirmar categoricamente: “Nós somos de esquerda e queremos governar. Queremos impedir que a direita esteja no poder, seja isoladamente, seja em coligação com o PS”. Estes salvíficos movimentos tinham portanto uma missão a cumprir: um imperativo democrático impelia-os corajosamente para os braços do PS com o fim de evitar que este caísse nas malhas da direita. E então num discurso em que o “Eu” permanentemente se sobrepunha ao “nós”, ao “colectivo”, estes “denodados homens de esquerda” prontificavam-se, num espírito de sacrifício digno de louvor, a cair no regaço do PS não apenas para o impedir de se enamorar da direita, mas também para, finalmente, colocarem a esquerda no poder. Mais ou menos envergonhadamente iam acenando com o exemplo do Syriza (quando este ainda era uma esperança, porém feita de História) e também, embora mais reticentemente, com o do “Podemos”, apesar de nada, absolutamente nada, os equiparar a gregos e a espanhóis.

Como a história e os factos passados demonstram e o futuro, se for caso disso, acabará por confirmar, não há maior falácia do que esta.

A primeira grande falácia é a de que tanto o PC como o Bloco ou qualquer outro partido que entretanto apareça e se recuse a alinhar nos compromissos do PS sejam partidos de protesto. Não. São exactamente o contrário. São partidos de poder. E exactamente por serem partidos de poder – isto é, por aplicarem se forem Governo a medidas que advogam como oposição – é que sobre eles recai essa imensa propaganda que permanentemente os ostraciza e diariamente conforma as cabeças de milhões de eleitores, fazendo-os crer que eles apenas protestam porque nada do que propõem tem viabilidade prática. Nada que fuja às regras e aos ditames do pensamento único – hoje mais rigidamente implantado na UE do que alguma vez esteve nos próprios Estados Unidos - tem qualquer possibilidade de medrar…Por isso votar nestes partidos é perder o voto. Este o discurso do "arco da governação" e dos seus recentes aliados.

Segunda falácia, a de que o Livre e C.ª querem governar para dar voz à esquerda. Em primeiro lugar, nem sequer é seguro que o PS recorra a eles, mas se recorrer não será certamente para viabilizar alguma das suas políticas, mas antes para legitimar à esquerda ou em certo sector da esquerda a sua própria política. Admitir antecipadamente que se concorre para fazer alianças com o PS ou fazer alianças com o PS sem questionar os fundamentos essenciais da sua política – austeridade, tratado orçamental, regras de distribuição da riqueza, defesa do interesse nacional sempre que houver contradição com as “regras de Bruxelas”, questão da dívida, legislação laboral, etc. – serve  apenas e só para cohonestar a política do PS, responsável tanto como o PSD (ou até mais) pelo neoliberalismo europeu de que foi entusiástico apoiante com Guterres e com Sócrates. Votar nesses partidos é votar no CDS do PS.

Finalmente, o PS. O Partido Socialista é um partido que tem um discurso no poder e outro completamente diferente na oposição. No presente, dado o silêncio de Costa, pode até dizer-se que somente se deixa enganar quem quer ser enganado. Os grandiosos propósitos que o PS se propõe atingir não são alcançáveis – nenhum deles – por meios que dependam do próprio partido, mas todos, sem excepção, por via de políticas e procedimentos que o PS nem sequer remotamente controla, ou seja, pelas decisões do BCE sobre a moeda e o crédito (que obviamente mesmo quando nacionalmente controláveis tem limites, como toda a gente sabe), pela esperada “compreensão” do FMI para com os países do sul da Europa e (a maior das fés) por uma nova política do Conselho Europeu…que a realidade se encarregará de impor. Não há para adultos ou até mesmo talvez para crianças um conto de fadas mais fantasioso do que este.

O PS vai portanto fazer a mesma política que até agora tem sido seguida, porventura mais próxima do grande capital (que sempre se deixa seduzir pela facilidade do lucro fácil e rápido), com alguns arredondamentos e arestas menos vincadas que a ortodoxia de Passos /Albuquerque e perversidade do CDS puseram em prática numa humilhante demonstração de subserviência nacional. Quanto ao resto, o essencial, tudo ficará rigorosamente na mesma…com a diferença de ser feito, dirão os que governam, em nome da esquerda, enquanto a outra parte do PS, a que realmente gostaria de outra política mas que nunca teve a coragem de votar em quem a poderia efectivamente pôr em prática, protestará, protestará …mas nunca com a intensidade e organização suficientes para provocar uma verdadeira viragem na política nacional.

Esta esquerda do PS, este eleitorado do PS, que realmente gostaria de ver aplicada outra política mas que nunca teve a coragem de escolher quem a poderia pôr em prática, lavará regularmente a alma com declarações altissonantes, como aquelas que foram feitas durante os mandatos de Guterres e de Sócrates, refugiar-se-á, se for eleita para o Parlamento, na última fila numa ostensiva manifestação silenciosa de protesto, mas votará favoravelmente os instrumentos essenciais da política do governo, porventura com uma ou outra declaração de voto e continuará a protestar silenciosamente e através de uma oratória dispersa mas nunca sem pôr em causa a continuidade do governo.

Ou seja, o verdadeiro Partido de Protesto é o PS. É um partido que nunca porá em prática as medidas que na oposição preconizou ou que nunca atingirá os fins que prometeu e simultaneamente garante uma falange de protestantes à sua própria política numa esquizofrénica demonstração de fidelidade e contestação partidária.

7 comentários:

  1. Estou de acordo com o que escreve.Para adivinharmos o futuro temos de olhar para o passado.Vejam o que fizeram,no passado os ditos partidos de protesto:acabaram com as colónias,tiraram Portugal do 3º Mundo,tornaram possível a Paz,o Pão,a Saúde a Educação, e, tudo o mais que se fez até ao discurso da tanga.Aí esteve sempre o impulso da verdadeira esquerda,não o do arco.Quando este consegue uma maioria,um governo e um presidente,Portugal deslizou por um trampolim ensebado que fatalmente provocaria um voo desordenado com uma aterragem catastrófica.O país está no ar,de cabeça para baixo,com movimentação catatónica:mesmo assim os parolos situacionistas afirmam que vamos aterrar com o donaire de um Noureev! Abramos as asas e voemos para o tempo em que fomos e seremos felizes!!!

    ResponderEliminar
  2. Concordo genericamente com o que aqui diz. Quando ouvimos António Costa a dizer hoje que não quer que a Bruxelas lhe fecha a porta, dá para perceber até onde o homem está disposto a ir, ou melhor, até onde quer parar e não avançar. O PS, bem vistas as coisas, é um caso perdido, a não ser que outra geração, com outras ideias mais ousadas, um dia tome o leme daquilo. Costa vai continuar a dialogar com a Troika, vai continuar a apoiar a política externa da UE, ditada pelos EUA, nada fará para moralizar o Parlamento (propondo a exclusividade dos Deputados, a fim de evitar, de algum modo, a traficância directa de interesses privados na acção da A.R), não sei se tem um plano para a Saúde, Ensino, Justiça e para animar a Economia, bem como estancar a violência social (sobre os desempregados, reformados, pensionistas, funcionários públicos), etc, etc. Costa não entusiasma, programaticamente falando. Mas, irá obter uma votação que lhe permitirá formar governo e afastar a canalha (PSD/CDS). Todavia, sem maioria absoluta. E, nesse caso, com quem se irá aliar? E como? Com acordos de incidência parlamentar, que levarão à queda do governo ao fim de 2 anos, ou coligado? Com o PSD sem Passos? O futuro afigura-se sombrio, mesmo prometendo ser um pouco melhor do que actualmente. Alguém disse, ou escreveu, se bem me recordo, que os 40 anos de Salazarismo deixaram-nos algo amorfos, sem garra política. Talvez! Não somos, seguramente, como os Gregos. Infelizmente. É a vida, ou o Destino!
    P.Rufino

    ResponderEliminar
  3. Pode acontecer que a votação seja outra. Muita coisa se vai passar aqui e na Europa. Se as coisas correrem de certo modo, um modo não favorável ao PS, poderia dar-se o caso de os socialistas ficarem com menos votos que a coligação mas esta não ter maioria. A maioria estar do outro lado - PS, PC, BE, eventualmente, Livre e Marinho. Nesse caso é que o PS ficaria verdadeiramente entalado.

    ResponderEliminar
  4. Queria juntar muito ao comentário que fiz: a verdadeira esquerda fez as nacionalizações que, agora se vê, melhoraram e fizeram crescer Bancos,Seguros,TAP,ANA,PT,EDP,etc.,etc.. As empresas desenvolveram-se,criaram milhares e milhares de postos de trabalho e riqueza.Quando o arco tomou o poder entregaram-nas aos anteriores proprietários, maiores e muito melhores. Não houve um único caso de corrupção conhecido! Pois em meia dúzia de anos aquelas sumidades rebentaram com todas elas! Corrupção a rodos! Todos a mentir para safar o próprio cacau!Empréstimos cruzados,casos de polícia consecutivos! Meçam a honestidade das pessoas da Esquerda e da Direita.

    ResponderEliminar
  5. É aliás curioso, JM Correia Pinto, que as análises de sondagem evitem sempre somar os votos dos partidos de esquerda, dizendo que a maioria está nas mãos do PS+CDU+BE.

    Sempre se afasta essa ideia da cabeça dos leitores e espectadores.

    Há a Direita, há o PS e à CDU e BE. Os comentadores de sondagem só pensam em termos de todo quando falam de direita.

    ResponderEliminar
  6. "há" e não "à", devo ter bebido

    ResponderEliminar
  7. O porquê discordo quer da linha do artigo, quer dos princípios que o informam. Por falta de tempo coloco só as questões que reputo essenciais.

    Questão prévia: um partido pertence ou não ao "arco da governação" não pela "autorização" dada por outrem, mas sim pela aceitação das suas propostas pelos cidadãos. Ex.os: Há dois anos todos diziam que o Syrisa estava fora do "arco da governação", o mesmo com o podemos - hoje quem os autorizou senão os cidadãos?

    Com a queda do muro e a dissolução (mais que previsível) da União Soviética e Pacto de Varsóvia, ninguém excluiu ostensivamente o PC (nem o poderia fazer) da participação na rés-pública. Foi o PCP que perante tal estrondoso descalabro, não só não mudou (permanecendo ou não comunista - se sim teria que ser de outra forma - a história não se nega), como piorou, quer procurando desculpas inverosímeis, quer reafirmando a sua fidelidade a tal execrando modelo ... auto-excluindo-se assim do "arco da governação" perante os cidadãos.

    1- A ideologia dominante não se afirma +por acaso: mas sim porque de facto é superior às demais, por demissão das demais ou mais frequentemente por ambos os factores ... Vide António Gramsci na formação da hegemonia ...

    2- O aparecimento de partidos é coisa absolutamente legítima em democracia, assim como o auto-definir-se de esquerda. Não percebo porque a alguns é permitido tal definir-se e3 a outros não???
    "... para os braços do PS ..." e "... denodados ..." são juízos morais e preconcebidos, não políticos, em geral fruto de uma visão introvertida da política ...

    3- A "falácia" reside em considerar "partidos de poder"!!!
    Não há partidos de poder - considerar em política a "conquista do poder" constitui já em si desnaturar o exercício da rés-pública.
    Qualquer força política tem sim que apresenta aos cidadãos uma proposta, e estes se a acharem plausível e exequível concedem-lhe uma oportunidade pró-tempore de a actuar. Só isto. Pode parecer formal, mas muda completamente o modo de propor-se perante os cidadãos e sobretudo a percepção do papel central dos cidadãos, quais efectivos detentores da rés-pública.

    O PCP não é partido de poder porque dá como exemplos de países que se afirmam querer o socialismo, a Coreia do Norte, o Laos, o Vietname e a China, e fazem "curiosas comemorações da queda de chamados muros"!!! O BE durante o último congresso convidou o Pablo Iglesias (Podemos)- o que o Pablo Iglesias disse era o exacto contrário do que estava em discussão no congresso. Se nem sequer sabem o que são???

    4- Se o Livre e Cª (que sobranceria) quiserem dar voz à esquerda é direito que democraticamente lhes assiste. Somos nós os censores da esquerda? Como está nas prerrogativas do PS a eles não recorrer. O que devemos questionar é o porquê dos cidadãos nunca tenham recorrido ao PCO, ao BE ou a ambos. Esta sim é questão que nos cabe. Talvez colher o exemplo dos "Livres e Cªs", apesar das inúmeras dificuldades com que se deparam, às quais provavelmente não somos de todo alheios.
    Creio que baste para evidenciar o porquê discordo clivagem política seguida no artigo.

    ResponderEliminar