DA SUA APLICAÇÃO
A Constituição de 1933, no §4.º do famoso art.º 8.º, mesmo no
finalzinho (como dizem os brasileiros), estatuía: “Poderá contra o abuso do poder usar-se a providência do habeas
corpus”.
Durante 12 anos este preceito constitucional foi pura letra
morta porque não havia texto legislativo ou disposição do Código de Processo
Penal que o actuasse. Até que em 20 de Outubro
de 1945, sublinho Outubro (já depois de consagrada a vitória das forças
populares e democráticas na II Guerra Mundial), foi publicado o Decreto-Lei n.º
35. 043, que regulou a providência de habeas
corpus em termos quase idênticos ao que hoje figuram no CPP. Em 1947, com alterações,
foi mandado aplicar ao Ultramar pelo Decreto n. º 36 198 de 28 de Março.
Marcelo Caetano, para não ficar atrás de Salazar, em 1972, alterou
várias disposições do Código de Processo Penal de 1929, pelo Decreto-Lei n.º
185/72, de 31 de Março, introduzindo, com algumas modificações, a providência
de habeas corpus no Código de
Processo Penal, nos artigos 312.º a 323.º, abrindo-se pomposamente um capítulo no
Código para albergar esta matéria – “Capítulo VII – Do “habeas corpus”.
O regime da providência era praticamente idêntico ao que hoje
está em vigor. Aliás, o do texto constitucional que a consagra é também no
essencial é idêntico ao de hoje, embora mais sintético, com menos palavras. Mas
o essencial está lá.
O preâmbulo do Decreto-Lei n.º 35 043 é bem escrito, como em
regra acontecia com todos os preâmbulos dos grandes textos jurídicos do
fascismo, e expõe com clareza a filosofia política do regime relativamente a
questões universais como a Liberdade e a Ordem (A liberdade que se desgarra da Ordem é crime; a autoridade que se
desprende da Ordem é arbítrio. O primeiro desvio, porque individual, pode ser combatido
com eficácia pela força do Estado. O segundo, porque praticado por quem detém o
poder, só pela força do mesmo Estado, entregue a um órgão de jurisdição
imparcial e independente, pode ser combatido), o papel dos órgãos
jurisdicionais, as relações entre a Ordem e a tirania e entre a Liberdade e a
anarquia, etc.
Vejamos agora como do ponto de vista jurídico a providência
de habeas corpus era entendida. Ou
dito de outra maneira: qual a directiva para a sua aplicação:
“ O habeas corpus não é um processo de
reparação dos direitos individuais ofendidos, nem de repressão das infracções
cometidas por quem exerce o poder público, pois que uma e outra são realizadas por
meios civis e penais ordinários. É antes um remédio excepcional para proteger a liberdade individual nos casos em que
não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa
liberdade. Com a cessação da legalidade da ofensa fica realizado o fim próprio
do habeas corpus. De outro modo,
tratar-se-ia de simples duplicação dos meios legais de recurso.
Do que fica dito se
depreende qual o grau de perfeição e de fortaleza que as instituições judiciais
devem possuir para exercerem uma função de tanto melindre e responsabilidade. E
que assim é revela-o a circunstância de o habeas
corpus, originário da Inglaterra, onde evolucionou com a própria
organização jurídica, não ter conseguido implantar-se em nenhum outro país
europeu, não obstante o reconhecimento dos seus benéficos efeitos e as
reivindicações da doutrina.
A Constituição de 1911
prometia a sua regulamentação em lei. Porém as estéreis convulsões políticas
que durante tantos anos caracterizaram a nossa vida pública não tornavam fácil
a efectivação da promessa. Na própria Inglaterra, quando das revoluções
frequentes da Irlanda, suspendia-se a sua aplicação. Trata-se, realmente, de um
processo de defesa dos direitos da pessoa que só pode funcionar com segurança
em situações de estabilidade política e de justo equilíbrio dos poderes do
Estado.
Essas condições
verificam-se presentemente”.
Vejamos agora algumas aplicações pelo Supremo Tribunal de
Justiça daquela providência durante o fascismo:
- “À sombra da mal
entendida liberdade individual, não deve o Supremo Tribunal de Justiça
embaraçar o dever de autoridade, comprometendo o direito do Estado e a
existência da Sociedade” (ac. do S.T.J., de 14 de Maio de 1947; Bol. Of. do
Min. Just., 7.º, 165).
- “É de deferir o
pedido de habeas corpus formulado por indivíduo preso a fim de ser internado em
manicómio, se, excedido o prazo legal de prisão sem culpa formada, se não tiver
iniciado o processo adequado à aplicação daquela medida de segurança” (ac.
do S.T.J., de 18 de Junho de 1947, B.M. J., 1, 101).
- “É legal a prisão sem
culpa formada, por suspeita de actividade integradora de crime contra a
segurança do Estado. Em tal caso, não pode o Supremo, à sombra de uma mal
entendida liberdade individual, embaraçar o trabalho das autoridades a quem
incumbe a investigação dessas actividades, não se justificando mesmo que seja ordenada
a efectivação de inquérito, nos termos da alínea b) do art.º 12.º do Dec.-Lei
n.º 35 043.” (ac. do S.T.J., de 28 de Julho de 1965; B.M. J., 149, 257).
Como se vê, não é pela falta de leis que a LIBERDADE corre
perigo. Diz-se que o diabo está sempre nos detalhes...
A ver vamos
ResponderEliminardiz o cego
No reino dos cabritos,cabras e cabrões,alguém é fluente em Latim? Habeas Corpus na feira da Malveira? Quem vai pastar? Quem tem cornos maiores é super cabrito?
ResponderEliminarO povo é quem mais ordenha
ResponderEliminar