sexta-feira, 3 de julho de 2015

A PROPÓSITO DAS DECLARAÇÕES DE DURÃO BARROSO



UM SIMPLES APONTAMENTO

As declarações de Durão Barroso sobre os méritos do Governo Português merecem ser analisadas com atenção. Hoje, no plano internacional, praticamente não há contraditório relativamente às teses dominantes da corrente hegemónica. É uma hegemonia que não deixa de usar a força, sempre que vislumbra uma hipótese de êxito pela sua utilização, mas que sabe muito bem que somente através da força não conseguiria alcançar os objectivos pretendidos e, acima de tudo, mantê-los. Para isso recorre ao aparelho ideológico que tem o condão de conformar as vontades e tornar natural e sem alternativas o que visto cruamente apareceria aos olhos da maioria como simplesmente aberrante.

Nenhum dos dois grandes poderes que integram as sociedades e os grupos - o poder político e o poder económico – poderiam manter-se, por mais fortes que fossem, se não tivessem ao seu serviço, para cimentar o que eles naturalmente desunem, um fortíssimo poder ideológico.

As grandes hegemonias assentaram sempre num poder ideológico sem brechas e eficaz. É disso que hoje goza o capitalismo, na sua fase de dominância de capitalismo financeiro, nas sociedades neoliberais dos nossos dias.

Duas ideias estão profundamente enraizadas no pensamento da generalidade das pessoas – a primeira é a de que somente o modo de produção capitalista é eficiente e de que o é tanto mais quanto menor forem os custos do trabalho que o oneram; e a segunda, que é uma consequência desta, é a de que no mundo globalizado em que vivemos não há alternativa a este modo de estruturação das sociedades.

O simples poder político ou mesmo o poder económico na sua máxima expressão e potência jamais seriam capazes de consolidar e fazer aceitar estas ideias, sem o importantíssimo papel desempenhado pelo poder ideológico nas suas múltiplas e altamente eficazes manifestações.

Portanto, a luta sem deixar de ser política e económica, nunca pode desprezar o factor ideológico que deve ser atacado sem contemplações em todas as frentes em que o mesmo se manifesta e são muitas – ensino, media, a religião, a moral dominante, etc.

Pois bem, o discurso de Barroso é simultaneamente a expressão desse poder e sua vítima. Quando Barroso, hoje simples cidadão de um pequeno país causticado pelos credores, diz que o mérito do Governo está em Portugal se ter apropriado das reformas que de fora lhe estavam sendo veiculadas, ele exibe o que de mais penoso e lamentável existe na natureza humana – a identificação da vítima com o agressor.

Esta era (e é) a doutrina que o FMI e a Comissão Europeia não deixaram de veicular até hoje para consolidar as suas imposições e que começaram por tentar pôr em prática em África nos já longínquos anos 80 e 90 do século passado. Os países, que à força (em consequência da dívida contraída no exclusivo proveito das potências do norte) eram convertidos ao neoliberalismo com base em violentos programas de ajustamento estrutural, foram singelamente classificados em dois grupos: de um lado os que “internalizaram” as reformas; do outro, os que reagiam a essa ideia de assumir como sua uma imposição do inimigo. Apesar de tudo, os africanos, talvez por terem sido vítimas de uma secular exploração, souberam reagir a isto muito melhor que a maior parte das chamadas “elites do Norte “dos países devedores. Fazendo uso desse saber secular, aprendido a duras penas, iam dizendo a sim que tudo e fazendo o que muito bem entendiam. Que é que tinha a perder quem já tinha tão pouco?

Ora, não pode menosprezar-se na conduta das pessoas este permanente constrangimento que ou as impede de pensar de outra forma ou as leva a pensar assim. Não é justo, em muitos casos, não evidentemente em todos, imputar certas tomadas de posições, concordantes com as posições dominantes,  a interesses inconfessáveis.

Quando pessoas, como por exemplo, Vital Moreira, se manifestam como se têm manifestado a propósito da Grécia e do Syriza, sem prejuízo da sua natural inclinação pelas teses liberais, como noutros escritos já se tentou demonstrar, não será razoável imputar esse posicionamento a vantagens pessoais de natureza material ou semelhante. Por que não reconhecer antes que essas pessoas não foram capazes de resistir à constante e insidiosa manipulação das organizações internacionais em que participaram, autênticos órgãos segregadores da ideologia dominante? Tanto mais, que é depois da passagem por essas organizações que os maiores dislates verbais ocorrem. Infelizmente, nem todos estão em condições de resistir às consequências desse “mergulho ideológico" nas organizações internacionais. Uns são fortes, infelizmente poucos, outros são fracos e débeis.

Algo de semelhante se passa num outro tipo de posição assumida por gente comum. Gente que não faz opinião, mas que é ela própria expressão da opinião dominante. É sabido que a União Europeia, ou seja, os credores que a dominam, põe em prática uma actuação fortemente punitiva relativamente aos países devedores e, dentro destes, uma punição direccionada em relação ao maior número, ou seja, aos que menos tem.

Uma punição que funciona a dois tempos: a primeira é a punição que visa castigar o chamado “risco moral”. “Portaste-te mal, endividaste-te acima das tuas possibilidades, pois para não voltares a fazer o mesmo vais ficar a saber o que é viver dentro das tuas possibilidades pelo tempo que necessário for”. Esta máxima que assenta no chamado “senso comum” tem o condão de ser apreensível na sua superficialidade aparente pela generalidade das pessoas. E mais do que isso: de levar essas pessoas a concordar com ela.

De fora, fica obviamente qualquer juízo sobre a sua irracionalidade numa perspectiva macro, bem como a imputação subjectiva de qualquer responsabilidade a quem facultou (e muito ganhou com isso; e continua a ganhar) os meios necessários para esse endividamento.

A segunda manifestação desta punição ocorre quando alguém ao leme do país devedor tenta inverter este ciclo infernal, pugnando por uma solução racional susceptível de servir o maior número. Aí a punição redobra de intensidade: não apenas se mantém o que antes já era mau, como se agrava até ao péssimo o que agora se passa a impor.

E então, as pessoas que antes já estavam dominadas por aquela máxima do chamado “senso comum”, multiplicam (supõem que multiplicam) as suas defesas e passam a pensar exactamente aquilo que os verdugos querem que elas pensem: quem se atrever a tentar mudar o que está, corre o risco de pôr tudo muito pior. Logo, o que se impõe é deixar ficar as coisas como estão.

Há neste tipo de actuação da União Europeia algo que parece filiar-se na “retaliação nazi”. Nos países ocupados, os nazis, para evitar todo e qualquer tipo de resistência, organizada ou não, retaliavam indiscriminadamente sobre um grande número ao menor sinal de “dissidência”. Hoje, apesar de os meios serem diferentes, os objectivos são exactamente os mesmos.

3 comentários:

  1. "Por que não reconhecer antes que essas pessoas não foram capazes de resistir à constante e insidiosa manipulação das organizações internacionais em que participaram, autênticos órgãos segregadores da ideologia dominante?"

    Pq é doutorado em Direito. Pq é constitucionalista, logo ainda mais treinado a olhar para estas questões, pq foi chefe de bancada de um partido comunista. Acho que não tem alibi que lhe resista. Acho que o tipo nada ganha pessoalmente com a coisa, mas isso fala muito da sua estupidez retinta. E depois nunca foi outra coisa senão um estalinista, um tipo pelo poder a qualquer custo e isso dá desde a esquerda aos liberais - que é o que ele é.

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  2. Tragam a carruagem de Versailles,também utilizada por Hitler em Paris! Vamos todos,como Pétain,assinar a nossa putativa independência. Anónimo das 19:56 : estalinista é que o Vital não é! O José Estaline deu uma coça tal nessa direitada infecta que até no Bundestag se suicidaram!!!Volta José,ajuda-nos a derrotar a direita que renasce!!!

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  3. "4 de julho de 2015 às 14:47", No Bundestag e em muitos outros lados. Diz que o seu zé matava bué por onde passava - passo tal exemplo, tanto mais quando condenou à morte uma ideologia decente. O absurdo amor ao poder reclama-se de muitas declinações. Moreira declinou-o no PCP com tanto ímpeto quanto agora no PS. Não mata, mas deixa matar.

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