terça-feira, 10 de novembro de 2015

O DEBATE SOBRE O PROGRAMA DO GOVERNO




A DIREITA PORTUGUESA É ANTIDEMOCRÁTICA



Não adianta estar a poupar nas palavras. Não se ganha nada com isso e quanto mais redondas são as palavras utilizadas maior é a confusão. A direita portuguesa é aquilo que sempre tem sido desde há cem anos. É visceralmente antidemocrática ou como muito expressivamente se dizia há umas décadas atrás: é fascista, como a presente conjuntura amplamente o demonstra.

A direita portuguesa, golpista desde o 25 de Abril (os vários golpes de Spínola e o golpe de Sá Carneiro/Palma Carlos entre Abril de 74 e os primeiros meses de 1975), caceteira, bombista e incendiária (os muitos atentados em que participou e os múltiplos incêndios que ateou no Verão de 1975), beneficiou até 4 de Outubro deste ano do certificado de democracia que, por razões meramente tácticas, Mário Soares lhe outorgou no 25 de Novembro e da incompatibilidade de quatro décadas entre os partidos de esquerda, razão por que até hoje nunca teve necessidade de fazer prova de respeito pelos princípios democráticos.

Estes pressupostos eram para a direita uma espécie de “seguro democrático” que a dispensavam do pagamento de “prémio” e a isentavam da obrigação de fazer a “prova devida” tão certa ela estava da sua imutabilidade.

Tendo-se deparada pela primeira vez desde Novembro de 1975 com a ausência daqueles pressupostos, a direita portuguesa não precisou de mais de 30 dias para mostrar a sua verdadeira face - a face antidemocrática e fascista que na realidade nunca perdeu, nem mesmo quando se travestiu de direita neoliberal, trajando à moda da época, como disfarce que passou usar para melhor alcançar os seus objectivos de sempre: o poder sem partilha e sem controlo.

Colocada neste novo contexto e estando impossibilitada de usar explicitamente o meio que melhor a caracteriza – o uso da força – a direita portuguesa, de Cavaco a São Bento, passando pelos mil e um meios de que dispõe para amplificar a sua voz, esgrime argumentos estúpidos, repetidos à saciedade, sempre com a esperança de que com a sua permanente repetição alguma coisa deles possa ficar na cabeça das pessoas.

Assim, continua no Parlamento a ouvir-se o estafado argumento de que Passos Coelho ganhou a eleição para primeiro-ministro, não podendo António Costa ser indigitado para o cargo porque a perdeu. Dada a imbecilidade do argumento nada melhor do que uma resposta à altura: “Se o primeiro ministro é eleito que sentido faz que seja Cavaco a nomeá-lo, depois de ouvidos os partidos representados na Assembleia da República”?

Em seguida, embora ligado a este, vem o argumento da falta de legitimidade de António Costa ou do Partido Socialista para governar. É estranho que nunca ninguém antes de responder a esta tonteira tenha perguntado ao autor do “argumento” o que é a legitimidade, em que consiste, pois somente depois de se saber em que consiste se pode verdadeiramente dizer se existe ou não.

Em terceiro lugar, vem o estafado e inacreditável argumento de que António Costa só pode ser indigitado primeiro-ministro e formar governo se apresentar um acordo estável e duradoiro com apoio parlamentar maioritário. Estranho. Então se para ser indigitado primeiro-ministro é necessário apresentar um acordo estável e duradoiro com apoio parlamentar maioritário como se explica que Cavaco Silva tenha indigitado e dado posse a Passos Coelho?

Obviamente que estes argumentos não passam de pseudo-argumentos, são na sua coerência lógica estúpidos e imbecis, apenas desenvolvidos por mentes que privilegiam o obscurantismo e o analfabetismo na acção política.

A resposta à questão que nos domina é bem mais simples e a sua compreensão está ao alcance de qualquer mente cuja capacidade de compreensão se não queira propositadamente obscurecer.

As eleições de 4 de Outubro de 2015 foram eleições legislativas. Eleições que se destinaram a escolher os 230 deputados que compõem a Assembleia da República. A Assembleia da República tem por principal actividade fazer leis e fiscalizar a acção do Governo. Nos regimes parlamentares ou de dominante parlamentar como é o nosso, o Governo para exercer funções carece do apoio do Parlamento. Apoio do Parlamento, expresso ou tácito, para evitar a rejeição do seu programa de governo, apoio expresso do Parlamento para confirmar a confiança dos deputados e apoio, expresso ou tácito, do Parlamento para evitar a sua censura.

O Presidente da República só excepcionalmente pode demitir o Governo: apenas e só quando se torne necessário para garantir o regular funcionamento das instituições democráticas.

Aparte este caso e o direito de veto relativamente a qualquer decreto do Governo, o Presidente da República não interfere na acção governativa.

Todavia, compete ao Presidente da República nomear o primeiro ministro, ouvidos os partidos com assento na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais.

Em lugar algum da Constituição se diz ou sequer se sugere que o Presidente da República só pode nomear um Primeiro Ministro que goze de apoio parlamentar ou que seja portador de um acordo interpartidário que lhe garanta esse apoio. Nada disso existe na Constituição. Tudo o que se tem dito este respeito não passa de pura ficção política destinada a perpetuar a direita no poder.

Isto não quer dizer que o Presidente da República não tenha de atender aos resultados eleitorais para nomear o primeiro ministro. E tem também de ouvir os partidos representados no Parlamento, sendo da conjugação destes dois pressupostos que o primeiro ministro é nomeado.

Assim, se há uma força política que goza do apoio da maioria absoluta dos deputados, seja essa força política um partido, uma coligação pré ou pós eleitoral ou um partido que beneficia de um acordo de incidência parlamentar com aquelas características, deve o dirigente máximo dessa força política ser indigitado primeiro ministro.

Se, porém, não existe qualquer maioria absoluta, seja porque nenhum partido ou coligação pré ou pós eleitoral a conseguiu, seja porque nenhum partido beneficia de um acordo de incidência parlamentar que a garanta, o Presidente da República deve indigitar para primeiro ministro o representante máximo do partido ou coligação pré-eleitoral que nas eleições obteve mais deputados.

É isto o que diz a Constituição. Tudo o resto é fantasia. Das muitas personalidades e pseudo personalidades que se têm pronunciado sobre este assunto, apenas uma dela, não jurista, interpretou correctamente a Constituição: Sampaio da Nóvoa!

4 comentários:

  1. Não foi apenas Sampaio da Nóvo que se pronnciou mas tb o PS, PCP, BE, PEV, para além de cosntitcionaistas como Vital Moreira e Jorge Miranda. Para além de Edgar Silva e parece-me que também Marcelo Rebelo de Sousa

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  2. Sim, claro, não me estava a referir aos partidos citados que, como é óbvio, não podem deixar de ter a interpretação defendida no texto. Quanto aos demais embora no essencial alguns tenham defendido aquela interpretação, há no texto outras questões que não vi nos acima citados abordadas com a mesma frontalidade, nomeadamente as que se referem à posição do PR relativamente à acção do Governo.

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  3. Recordo que Cavaco ainda pode tentar limpar-se
    se tiver a dignidade de ele mesmo se demitir

    e assim transferir para o Presidente da Assembleia
    a indigitação do novo governo

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  4. De http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.pt/2015/11/ha-40-anos-um-cerco-ar-amanha-nao.html interessa:


    "A PàF começou ontem uma pós-campanha eleitoral pelo país, registei, e guardo para memória futura próxima, que Paulo Portas pediu, em Setúbal, apoio à "maioria silenciosa" e que houve quem sugerisse que a direita descesse à rua. Serão palavras vãs? Não tenho qualquer certeza.

    Por tudo isto, e por muito mais, era bom que as «esquerdas» estivessem preparadas para o que pode por aí vir, mais depressa do que possamos hoje pensar e, eventualmente, que antecipassem iniciativas. A rua, não só mas também ela, espera pelos partidos que estão num dos lados da barricada e pelos cidadãos que os suportam neste momento de esperança (e não, não é, nem deve ser, a CGTP a liderar o processo)."

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